Por: Jonas | 23 Outubro 2013
A reforma geral ainda está por vir. Contudo, o papa Francisco avança por sua conta, semeando o terror entre muitos dirigentes ainda à espera de uma confirmação. Os desdobramentos do caso Chaouqui.
A reportagem é de Sandro Magister, publicada no sítio Chiesa, 22-10-2013. A tradução é do Cepat.
Com o papa Francisco se desencadeou uma “revolução evangélica”, disse em fins de agosto, com palavras categóricas, o uruguaio Guzmán Carriquiry Lecour, secretário da Pontifícia Comissão para a América Latina, o leigo que ocupa o mais elevado cargo no Vaticano, há anos muito ligado ao atual Pontífice.
Fonte: http://goo.gl/8l1EKV |
Pode-se visualizar um dos efeitos desta “revolução” nas seguidas decisões tomadas pelo Bispo de Roma para modelar uma Cúria Romana à sua imagem e semelhança, seguindo a tudo o que uma boa parte dos cardeais que o elegeram lhe pediu.
Efetivamente, Jorge Mario Bergoglio, embora continue preferindo se definir como “Bispo de Roma” e assinar com o simples nome de Francisco, não acompanhado do “PP” que é próprio dos Papas, procede com uma áurea tomada de decisões, em grande medida superior a de seu predecessor Bento XVI, no governo dos órgãos centrais da Igreja.
Alguns exemplos ilustram bem esta mudança de passo.
Joseph Ratzinger, quando foi elevado ao trono de Pedro, provavelmente, já tinha em mente quem haveria de ser seu secretário de Estado. Contudo, seu eleito, o cardeal Tarcisio Bertone, assumiu o lugar de Angelo Sodano no dia 15 de setembro do ano seguinte, dezessete meses depois.
O cardeal Óscar Andrés Rodríguez Maradiaga, em fins de setembro, disse no programa “Salt and Light”, do canal de televisão católico canadense, que o papa Bergoglio quando o convidou para almoçar, quatro dias após a eleição, no dia 17 de março, também já tinha em mente o nome do novo secretário de Estado. Com efeito, no último dia 15 de outubro, após apenas sete meses de pontificado, o cardeal Bertone foi substituído pelo arcebispo vêneto Pietro Parolin (que assumirá seu cargo imediatamente, após superar as sequelas de uma cirurgia – “não grave”, segundo disse o porta-voz vaticano, o padre Federico Lombardi – realizada no departamento de cirurgia hepatobiliar do hospital de Pádua).
O papa Ratzinger, a partir de sua grandiosíssima sensibilidade litúrgica, esperou quase dois anos e meio antes de mudar o mestre de cerimônias pontifícias, ao chamar a Roma o genovês Guido Marini, o último diácono caudatário do ultraconservador cardeal Giuseppe Siri, para substituir ao quase homônimo Pietro Marini, ex-secretário e acompanhante de Annibale Bugnini, o verdadeiro arquiteto da reforma litúrgica pós-conciliar, a quem um “arrependido” Paulo VI fez terminar seus dias terrenos na periférica nunciatura de Teerã. Em outubro de 2008, Bento XVI também nomeou cinco novos consultores do escritório de cerimônias pontifícias, escolhendo eclesiásticos de sensibilidade tradicional como a de Marini (Guido).
O papa Bergoglio, que não parece ter a liturgia entre suas prioridades, tirou vantagens do fato que os consultores eleitos por seu predecessor chegaram ao final de seu quinquênio. E, assim, após apenas sete meses de pontificado, significativamente, quis substituir a todos. Também chamou ao serviço uma das vítimas da troca de cinco anos atrás, o padre Silvano M. Maggiani, chefe do escritório da Congregação para o Culto Divino, histórico aliado de Marini (Pietro).
Se também é verdade que Bento XVI, após poucos meses de pontificado, mudou o secretário da Congregação para o Culto Divino, transferindo à Diocese de Assis o titular da época, o arcebispo Domenico Sorrentino, porque considerava que não estava em sintonia com sua própria sensibilidade litúrgica, por outro lado, é certo que no mesmo lapso o papa Francisco já transferiu para cargos de menor categoria não um, mas três destacadas personalidades: o cardeal Mauro Piacenza, o arcebispo Guido Pozzo e o bispo Giuseppe Sciacca, considerados por sua sensibilidade teológico-litúrgica entre os mais “ratzingerianos” da Cúria Romana.
Estas bruscas remoções sem promover ascensões, junto ao fato de que a vasta maioria dos cargos de direção, até agora, foi confirmada apenas provisoriamente - “donec aliter provideatur” -, criaram na Cúria um difundido clima de terror, não muito suavizado pela qualificação de “evangélica” aplicada à “revolução” em curso.
Obviamente, num clima desse tipo, o pior dano é a de acusação de ser um agente ou um cúmplice de toda ação de resistência contrarrevolucionária, por mais real ou imaginária que seja.
Um exemplo ilustrativo neste sentido, embora menor, é o que se refere à jovem Francesca Immacolata Chaouqui, nomeada pelo Papa para fazer parte da comissão instituída para se ocupar das atividades econômico-financeiras vaticanas, por indicação do secretário da própria comissão, Ángel Lucio Vallejo Balda, da Fraternidade Sacerdotal de Santa Cruz, Opus Dei. Não parece verossímil – como também se escreveu – que a senhora em questão tenha estado, muitas vezes, na mesa com o Papa. Pelo contrário, resulta que sua valorização não foi manchada pelos artigos que – entre outras coisas – atribuíram a ela tweets insultantes a respeito do cardeal Bertone e a acusaram de ter violado o segredo que deveria ser resguardado, difundindo através de correios eletrônicos documentos reservados a respeito da comissão.
Com efeito, no Vaticano, há aqueles que se deixaram convencer que a senhora é vítima de um complô “contrarrevolucionário” e que seus tweets e seu correio eletrônico foram manipulados com manobras provenientes da Grã-Bretanha. São poucos aqueles que dão crédito a esta versão mais própria de um filme de espionagem, mas diante da falta de um claro e unívoco sinal do Papa a esse respeito, a maioria dos curiais prefere simular que acredita, ainda que seja para não provocar, no campo eclesiástico, um final análogo ao que ocorreu, no campo midiático, com o cronista que proporcionou os maiores detalhes sobre o tema Chaouqui, cuja assinatura parece ter sumido do jornal e do semanário que receberam seus documentados artigos.
Voltando para questões talvez mais sérias, também se pode acrescentar que foi revolucionário, a seu modo, a importante nomeação como secretário da Congregação para os Bispos, do bispo brasileiro Ilson de Jesus Montanari, de 54 anos de idade, do clero da Arquidiocese de Ribeirão Preto.
Revolucionário não tanto pela idade relativamente jovem do nomeado. Seus quatro imediatos predecessores foram chamados para o cargo aos 72, 71, 64 e 71 anos, respectivamente. Porém, em 1990, o então arcebispo presidente da Pontifícia Academia Eclesiástica, Francis J. Rigali, também foi nomeado aos 54 anos de idade.
Nem tampouco pelo fato de Montanari não ser ainda bispo. Giovanni Battista Re, quando foi nomeado em 1987 por João Paulo II, aos 54 anos de idade, também ainda não era. Assim como, também, Ernesto Civardi, quando foi eleito em 1967 por Paulo VI, aos 61 anos de idade, não era.
No entanto, nessa época, Re já estava há dezessete anos na Cúria e há oito anos já era assessor, ou seja, número três da Secretaria de Estado. De seu lado, Civardi trabalhava diretamente, desde 1934, na Sagrada Congregação Consistorial (o velho nome da Congregação para os Bispos), da qual foi subsecretário desde 1965.
Ao contrário, Montanari trabalha na Congregação para os Bispos há apenas cinco anos, com a simples nomeação de assistente de segunda classe da Secretaria. O seu salto parece não ter precedentes, e parece prenunciar mudanças radicais na trintena de cardeais e bispos que atualmente compõem a Congregação, também todos eles pendentes do “donec aliter provideatur”.
Parece evidente que a eleição do novo número dois da “fábrica” dos bispos é uma decisão muito pessoal de Bergoglio, que deve ter conhecido o sacerdote brasileiro como coinquilino da Casa Internacional Paulo VI da via della Scrofa, residência habitual do cardeal de Buenos Aires quando vinha a Roma e residência de Montanari desde quando passou a servir na Cúria.
É nesta mesma Casa de via della Scrofa que Bergoglio conheceu Battista Ricca, diretor tanto desta residência como de Santa Marta no Vaticano, promovido por ele como prelado “ad interim” do IOR, com um ato personalíssimo que suscitou desconcerto entre os núncios que tiveram Ricca como colaborador e que haviam denunciado, em Roma, seus comportamentos reprováveis.
Não será em definitiva revolucionária, mas, de todos os modos, é curiosa a elevação à dignidade episcopal – tornada pública no dia 15 de outubro – do novo secretário geral do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano, o padre Fernando Vérgez Álzaga, nomeado no dia 30 de agosto.
E não tanto porque o eclesiástico em questão é um religioso espanhol dos Legionários de Cristo. O Papa não o elegeu por isto, mas porque o conhece desde os tempos em que era secretário particular do cardeal argentino Eduardo Pironio, muito estimado por Bergoglio. Incomum foi, ao contrário, a carta pela qual o Papa quis explicar a ordenação como bispo de Vérgez.
A alguns pareceu uma “excusatio non petita”, adequada para justificar a concessão do episcopado para um eclesiástico particularmente querido pelo Papa, embora colocado num cargo eminentemente administrativo, que a princípio não se associaria à dignidade episcopal, segundo as intenções atribuídas ao próprio Bergoglio. Para outros, ao contrário, a carta explicaria a validade excelentemente pastoral da nomeação, à luz do fato de que o Governatorato possui muitos empregados que também precisam ser acompanhados espiritualmente, ao contrário de outros secretários “administrativos” ainda não bispos, como os da APSA e os da Prefeitura para os Assuntos Econômicos, que não possuem um cargo pastoral análogo.
Independente de qual seja a autêntica interpretação da carta de Francisco, fica o fato que foi concedido formalmente ao secretário geral do Governatorato, de agora para frente, uma espécie de jurisdição espiritual sobre os empregados vaticanos, sendo que desde o nascimento do Estado da Cidade do Vaticano havia sido previsto a figura de um vigário geral do Papa para os fiéis que se encontram dentro dos muros leoninos. Figura que hoje coincide com o arcipreste vaticano, que é o cardeal Angelo Comastri.
De qualquer forma, trata-se, neste caso, de um pequeno detalhe da “revolução evangélica” empreendida na Cúria pelo papa Bergoglio.
Ainda deve vir muito mais.
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A nova Cúria ganha forma deste modo. Padre brasileiro é o novo secretário da Congregação para os Bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU