18 Mai 2013
"O novo papel do Estado deve estar concentrado na indução da cooperação, na coordenação dos atores e na redução da incerteza. Sua tarefa não é a de 'escolher vencedores', mas a de criar condições para que os vencedores apareçam", escreve Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, em artigo publicado no jornal Valor, 07/05/2013.
Eis o artigo.
Desde a década dos oitenta do século passado, o investimento das grandes empresas transnacionais nos mercados emergentes dinâmicos aumentou a participação dos fluxos de comércio intraempresas e intraindustrias.
O mercado interno deixou de ser o alvo principal do investimento direto. Nas decisões de investimento passou-se a buscar uma divisão do trabalho entre o core business da grande empresa e configurações mais eficientes para o suprimento de peças, parte e componentes para o abastecimento do mercado mundial.
É natural, portanto, que essas novas relações entre investimento e comércio exigissem uma maior flexibilidade na importação de insumos, componentes, partes e peças. De outro lado, essa abertura pura e simples às importações não seria suficiente como fator de atração do investimento externo, na ausência de um regime cambial e de incentivos favoráveis às exportações. A abundante literatura sobre o desenvolvimento das economias do leste asiático demonstra inequivocamente que a forte promoção de exportações antecedeu e combinou-se virtuosamente com a abertura comercial.
O equívoco dos proponentes da abertura comercial pura e dura começa quando atribuem à abertura da economia - independentemente da configuração de preços relativos entre tradeables e non tradeables - virtudes sobrenaturais e desconhecidas na literatura econômica relevante sobre o tema.
Após a estabilização dos anos 1990 e na sequência de uma década de proteção forçada pela crise cambial, era imprescindível e saudável proceder a uma abertura comercial gradualista, preservando-se uma taxa de câmbio estimulante às exportações. Nos anos 1990, depois da estabilização, a antecipação precipitada do último estágio da reforma tarifária associou-se à apreciação nominal do câmbio para engendrar o fenômeno prodigioso da abertura com viés antiexportador. Este gesto teve graves consequências. Na prática conseguimos transformar um superávit comercial de US$ 10 bilhões no final de 1994 em um déficit anualizado que alcançou US$ 10 bilhões no primeiro trimestre de 1995.
É lamentável que perdure a identificação entre ganhos de produtividade e competitividade internacional. Além dos fatores sistêmicos favoráveis como câmbio adequado, custo de capital reduzido e infraestrutura eficiente, a competitividade depende de certas características da estrutura empresarial, particularmente da capacidade de inovação de empresas com estratégias agressivas de conquista de mercados ou da competência de redes de pequenas e médias empresas na ocupação de nichos de mercado.
É bastante reconhecida a necessidade da intervenção do Estado em processos que envolvam externalidades positivas e negativas, informação assimétrica, incerteza, risco elevado e concentração do poder econômico. Entre as externalidades positivas estão a construção de infraestrutura e outros bens públicos, como a geração de conhecimento científico e tecnológico. A existência de assimetria de informação afeta particularmente os mercados de crédito e de capitais e o mercado de câmbio, podendo dar origem não só a alocação ineficiente de crédito, à marginalização de pequenas empresas, bem como ensejar episódios especulativos. A incerteza, por sua vez, além de provocar volatilidade recorrente nos mercados de valores mobiliários, tem, por isso mesmo, efeitos adversos sobre o investimento produtivo, sobretudo aquele que envolve inovação. O risco elevado inibe operações de longo prazo de maturação.
As falhas de mercado até agora analisadas recomendariam apenas a adoção de políticas "horizontais" e minimalistas. As condições de concorrência nas áreas mais dinâmicas da moderna economia industrial impõem, no entanto, intervenções estratégicas e concebidas de forma a abranger cadeias industriais inteiras.
Isso diz respeito às vantagens competitivas construídas pelas empresas em suas relações com fornecedores e clientes. O novo paradigma industrial vem acentuando sobremaneira a importância destas vantagens.
Entre elas devemos destacar:
1) processos cumulativos de aprendizado - learning by doing - na produção flexível, no desenvolvimento de produtos;
2) economias de escala dinâmicas (ganhos de volume associados ao tempo e ao aprendizado);
3) estruturação de redes eletrônicas de intercâmbio de dados que maximizam a eficiência ao longo das cadeias de agregação de valor (economia de capital de giro, sobretudo minimização de estoques, de custos de transporte e de armazenagem);
4) novas economias de aglomeração (centros de compras e de assistência técnica e formação de polos de conhecimentos técnicos e gerenciais);
5) economias derivadas da cooperação tecnológica e do co-desenvolvimento de produtos e processos.
A literatura relevante na área de estratégias empresariais (Porter, Drucker) ou no âmbito da economia industrial (Dosi, Freemann, Arcangeli, Zysmann, Tyson, Malerba) reconhece o caráter decisivo desses processos e, sem exceção, observa que conformam um padrão de concorrência radicalmente distinto do paradigma anterior. Este último era baseado em produção padronizada, tecnologia codificada, escalas rígidas, aversão à cooperação. Os autores, em sua maioria, assinalam que a coordenação do Estado foi muito importante para acelerar a mudança de paradigmas, particularmente nas economias que estavam em processo de industrialização rápida.
A nova concepção de políticas industriais ou de competitividade coloca no centro das preocupações a indução daquelas sinergias baseadas no conhecimento e na capacidade de resposta à informação. O novo papel do Estado deve estar concentrado na indução da cooperação, na coordenação dos atores e na redução da incerteza. Sua tarefa não é a de "escolher vencedores", mas a de criar condições para que os vencedores apareçam.
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Um Plano Real para a indústria? Artigo de Luiz Gonzaga Belluzzo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU