07 Abril 2013
As imagens das primeiras três semanas do pontificado do Papa Francisco têm sido muito positivas, senão evidentemente joviais: o novo pontífice vestindo-se com vestes simples, beijando bebês e abraçando fiéis em grandes e fortes abraços.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada no sítio National Catholic Reporter, 05-04-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com tal imaginário efusivo, as comparações com outros papas geniais e joviais já são abundantes. Qual a comparação que está sendo feita em tons um tanto silenciosos, como que para não amaldiçoar o momento?
As possíveis semelhanças de Francisco com o Papa João XXIII, o papa do fim dos anos 1950 e início dos anos 1960, e uma figura amada entre alguns católicos dos EUA pela sua decisão de abrir um encontro mundial de bispos entre 1962 a 1965 para reconsiderar quase todos os aspectos da fé.
"É como estar de volta aos anos 1960 e a João XXIII", disse a Ir. Janice Farnham, membro das Religiosas de Jesus e Maria e professora aposentada de história da Igreja na Escola de Teologia e Ministério do Boston College.
"Para alguns de nós, nunca pensamos que íamos voltar para cá novamente. É muito fascinante e atraente".
O padre jesuíta John O'Malley, proeminente historiador da Igreja dos EUA, que escreveu extensivamente sobre aquele encontro de bispos, conhecido como Concílio Vaticano II, também disse que as ações de Francisco até agora estão "projetando precisamente" a imagem de Igreja imaginada pelo Concílio.
O'Malley referiu-se especificamente à decisão de Francisco de sediar as celebrações da noite da Quinta-Feira Santa em um centro de detenção juvenil romano em vez da Basílica de São Pedro.
Ajoelhando-se para lavar os pés de 12 jovens adultos – incluindo duas mulheres e dois muçulmanos –, um por um, no dia 28 de março, na prisão de Casal del Marmo, em Roma, o papa também beijou seus pés e disse aos jovens que estava a seu serviço como seu padre e bispo.
"Esse é um símbolo, é um sinal – lavar os seus pés significa que eu estou ao seu serviço", disse o papa aos jovens, durante uma homilia breve e improvisada.
"Ajudem-se uns aos outros", continuou Francisco. "Isso é o que Jesus nos ensina. Isso é o que eu faço. E eu o faço com o meu coração. Eu o faço com o meu coração porque é meu dever. Como padre e bispo, eu devo estar ao serviço de vocês".
"O Concílio teve a ver com a reconciliação – com as culturas não ocidentais, com o 'mundo moderno', com os cristãos não católicos e com o Outro não cristão", disse O'Malley, professor de teologia da Georgetown University e autor de What Happened at Vatican II [O que aconteceu no Vaticano II].
"Lavar os pés de dois muçulmanos foi um gesto de amor, como ele mesmo disse a eles, mas também um gesto de reconciliação", afirmou O'Malley.
"A esse respeito, eu penso na esperança do Papa João XXIII pelo Vaticano II, que ele expressou na sua alocução ao Concílio no dia da abertura, 11 de outubro de 1962. Ele queria que o Concílio mostrasse que a Igreja era 'a mãe amorosa de todos, benigna, paciente, cheia de bondade e misericórdia para com os filhos separados dela'", continuou O'Malley.
"Parece-me que, através das palavras e dos gestos, o Papa Francisco está projetando precisamente essa imagem da Igreja".
No entanto, apesar da ótica obviamente positiva dos primeiros poucos dias do papado de Francisco, cada um dos três historiadores da Igreja que falaram com o NCR sobre o impacto do novo pontífice disseram que o que vemos até agora são palavras, estilo e símbolos.
A questão em aberto, disseram, é justamente que mudanças o pontífice fará sobre questões de substância – como na nomeação de bispos, ou no seu tratamento da burocracia vaticana.
"Um dos meus pensamentos como historiadora é que tudo isso é adorável, mas tem tudo a ver com estilo", disse Farnham,
"Quando começar a substância – e haverá substância, com certeza –, então veremos onde estarão todas essas pessoas, incluindo eu, que estão tão encantadas com o estilo".
Como o foco sobre Francisco muda do seu estilo para como ele lida com as questões de fundo, outro historiador da Igreja disse estar esperando para ver especialmente como o novo papa tomará decisões.
"Tivemos dois papados de cima para baixo em termos de tomada de decisão", disse Christopher Bellitto, historiador da Igreja amplamente citado e diretor do departamento de história da Kean University, em Union, Nova Jersey, referindo-se aos estilos dos Papas João Paulo II e Bento XVI.
Uma questão, disse Bellitto, é se Francisco irá permitir que a tomada de decisões na Igreja venha mais de um nível mais local, talvez a partir das conferências nacionais de bispos.
Com o 50º aniversário do encerramento do Concílio Vaticano II em 2015, Bellitto disse esperar que Francisco "convide a uma discussão mundial sobre como estamos indo na implementação do Vaticano II, mas permita que essa discussão ocorra a partir do nível mais baixo e depois vá subindo, de modo que as ideias fluam da periferia para o centro".
Observando que tanto o xará do Papa Francisco, São Francisco de Assis, e o chefe da sua ordem religiosa jesuíta, Santo Inácio de Loyola, foram vistos à sua época como pessoas fora da linha principal, Bellitto disse que, "se a reforma ocorrer, as melhores ideias virão da periferia e chegarão ao centro".
"Quando Francisco de Assis apareceu, ele estava na periferia", disse Bellitto. "Eles pensavam que ele era algum louco pregador itinerante. Inácio foi investigado pela Inquisição. Esses são exemplos perfeitos de reforma que vem de fora, da periferia para o centro".
Farnham disse que, independentemente de que direções Francisco irá escolher tomar sobre questões de substância, ele pode estar tentando se mover rapidamente. Observando que Bergoglio foi eleito papa aos 76 anos e João XXIII aos 77, Farnham disse: "Eu tenho certeza de que Francisco sabe que não vai estar por aí por muito tempo".
"E, por isso, o que ele quiser fazer, ele vai ter que fazer rapidamente", continuou.
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Francisco é um novo João XXIII? O debate entre os historiadores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU