Por: Jonas | 29 Novembro 2012
O intelectual finlandês Pekka Himanen (foto), autor do já clássico livro “A ética do hacker”, esteve em Buenos Aires para oferecer conferências sobre o espírito do trabalho na idade da informação. Em entrevista, falou sobre a maneira como o conteúdo de seu manifesto sobreviveu nestes últimos dez anos.
Pekka Himanen parece muito jovem para ter escrito “A ética do hacker”. Nesse manifesto, publicado em 2001, o intelectual finlandês (que aos vinte anos tornou-se doutor em filosofia) tenta definir o espírito de trabalho que caracterizava o mundo dos programadores, como Linus Torvalds, o criador do sistema operativo de código aberto Linux – ou Steve Wozniak, o cofundador, junto de Steve Jobs, da Apple Computer. Himanen não inventou o termo Hacker, nem mesmo sua definição original: um programador ou cientista da computação que trabalha essencialmente pelo amor em solucionar problemas interessantes e difíceis, em conjunto com um grupo de colegas, cujo primordial código ético é compartilhar a informação.
Em seu livro, o que fez Himanen foi contrapor o espírito hacker com a ética protestante, definida por Max Weber na obra “A ética protestante e o 'espírito' do capitalismo”. Dessa forma, tentou definir um novo espírito de trabalho para o terceiro milênio. Segundo a ampla definição de Himanen, qualquer um pode adotar o espírito hacker, seja qual for a sua profissão, porque em sua essência significa fazer as coisas com alegria e paixão dentro de um coletivo que compartilhe os mesmos valores.
O prólogo de “A ética do hacker” foi escrito por Linus Torvalds, também finlandês. O posfácio foi escrito pelo renomado sociólogo espanhol, especialista em sociedade da informação, Manuel Castells. Enfim, como um experto surfista, Himanen pegou uma gigantesca onda exatamente no momento certo.
Himanen foi convidado para estar no Chile e Argentina pela Cátedra Globalização e Democracia, da Universidade Nacional de San Martín, e pela Universidade Diego Portales, do Chile, junto com a Fundação OSDE.
No hotel, numa manhã de intensa chuva, falamos com Pekka Himanen, que hoje está com 39 anos, enquanto tomava um suco de laranja e comia um pão com presunto. Himanen é afável e correto, mas no início da entrevista parecia que muitas vezes dava respostas programadas, como um político. No entanto, posteriormente, escutando sua voz no gravador, percebe-se que é o seu inglês que é bem articulado. Ele se expressa com precisão e eloquência, formulando as palavras pausadamente, com estranhas, mas não desagradáveis pausas. Como se fosse o autor Christopher Walken fazendo a voz do conde Drácula.
A entrevista é de Andrés Hax, publicada no jornal Clarín, 23-11-2012. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Atualmente, qual a relevância que ainda tem seu livro, “A ética do hacker”, onze anos após sua publicação? A Internet mudou tanto durante esse tempo.
Acredito que simplesmente se tornou mais relevante. Realmente, agora temos muitos exemplos da ética do hacker. Como a força do movimento código aberto, por um lado. Por exemplo, o fato de que um terço da Internet funcione com Linux e de que três em cada quatro smartphones rodem como o Linux, já que o Android é baseado no Linux. E todos os tipos de gravadores digitais, como o que você está usando agora... e até estações de serviço o usam.
Então, por um lado, percebe-se que o código aberto se tornou o centro de nossa infraestrutura tecnológica, na era da Internet. Porém, além disso, por outro lado, também pode se notar como, fortemente, segue adiante uma ética de trabalho criativo no mundo dos negócios. Este livro, “A ética do hacker”, foi um best seller em Silicon Valley, originalmente. E eu diria que todas as coisas que estão acontecendo com o Google e a Apple são exemplos sobre como pode ser criado valor econômico, por exemplo, a Apple se convertendo na empresa com o melhor valor de mercado do mundo. Isto enfatiza esta passagem que ocorreu entre a ética do mundo industrial e a ética criativa na era da informação.
Esta ética hacker que você descreve não se limita ao mundo informático ou tecnológico, possui aplicações em qualquer campo. Você sabe se este livro foi lido e teve influência em outros setores fora do estritamente tecnológico?
Pessoas de diferentes profissões já se aproximaram para me dizer: “eu sou um hacker”. Pessoas que compartilham o mesmo espírito. Como você sabe, a ideia central é ser apaixonadamente criativo a respeito daquilo que se faz, trabalhando em conjunto com outros. Isto você pode fazer em qualquer campo. E o meu próprio trabalho, mais recente, foi sobre a cultura da criatividade em outros campos.
Este livro, “A ética do hacker”, torna-se um peso para você? É como a canção popular de um cantor que sempre precisa cantar, por mais que esteja cansado do assunto?
Não. Para mim, isto é como a formulação chave do espírito da era da informação. É a nova ética de trabalho que substitui a ética de Max Weber. Porém, ao mesmo tempo, é o começo para um projeto maior, para compreender esta cultura da criatividade. E eu tenho trabalhado muito analisando os principais centros de criatividade no mundo, tanto tecnológicos, científicos, como artísticos. E eles sempre possuem os mesmos elementos: a criatividade e a paixão, combinadas com interações enriquecedoras.
Com a crise global, que começou em 2008, o velho modelo de desenvolvimento chegou a um ponto sem saída. É o que chamo de grande recessão. E precisamos renovar a economia, a dimensão do bem-estar e a dimensão ecológica. Então, recentemente, estive pesquisando sobre a forma como usar esta cultura da criatividade para reformar nossa economia, passando para uma forma mais sustentável: é o que chamo o Estado de bem-estar 2.0. Estes são assuntos que me ocupam agora.
Muitos dos hackers, seja qual for sua profissão, são autodidatas e contraculturais. Pode-se ensinar a cultura da ética do hacker e incorporá-las às instituições tradicionais da sociedade?
Bom, eu também tenho conduzido escolas filosóficas para crianças. Para crianças a partir de quatro anos, oito anos e doze anos. São todos, originalmente, hackers. Então, não se trata de criar algo que não exista. Simplesmente, precisamos parar de frear esse hackerismo originário. Porque os tipos de perguntas que todos nós somos capazes de fazer sobre o mundo, sobretudo com curiosidade e paixão, já estão nas crianças.
Até o processo de aprendizagem que os hackers usam, que começa por encontrar algo cheio de sentido; procede de perguntas, de formulação de ideias; e depois em utilizar todos os recursos que estão à disposição; mas estes são usados criticamente porque pretendem criar uma grande solução; e fazem isto em conjunto com outras pessoas. Tudo isto é motivado por um relato com sentido. É isto o que as crianças fazem.
O sistema educacional é um assunto central para mim. A forma como criamos as crianças é a questão fundamental. Porque realmente é aí que reproduzimos nossos valores culturais. Então, esta é uma área na qual trabalho muito. Temos que criar a escola 2.0, ou a universidade 2.0. Temos que ajudar as pessoas a descobrirem suas paixões criativas na vida, podendo desenvolvê-las.
Adicionalmente, acredito que a educação é o único espaço onde a igualdade de oportunidades pode ser oferecida de verdade, para além daquilo que é o seu entorno social ou econômico. Numa sociedade justa, você tem igual oportunidade para realizar o seu potencial único na vida. Contudo, é complicado. Na Finlândia pudemos criar uma combinação que é muito rara, que temos escolas públicas, gratuitas e de excelente qualidade. Há muito investimento do Estado na educação de docentes.
E na Finlândia os docentes podem viver bem com o que ganham?
Sim, vivem com seu salário. E um ponto importante é que muitos dos melhores alunos querem ser docentes. Isso não ocorre em muitos países. Segundo estudos da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), nossos alunos são número um em todas as categorias, desde a alfabetização até a matemática, desde as ciências naturais até a habilidade para solucionar problemas. Então, para mim o sistema de educação é o espelho da sociedade. É o espelho de nossos verdadeiros valores.
Em seu início, a web era manobrada e consistia mais apropriadamente a uma população de pessoas com interesses mútuos: cientistas e nerds (no bom termo da palavra). Agora, ela se massificou. Minha pergunta é: você sente que a web, como comunidade, perdeu sua energia e seu encanto nos últimos 15 a 20 anos?
Primeiro, é bom lembrar que estamos falando mais ou menos de 15 anos. De fato, a revolução da web, caso fosse um ser humano, é a de quem ainda é menor de idade: possui menos de 18 anos. A web não pode legalmente comprar bebida alcoólica! Então, é um acontecimento que contou com uma velocidade assombrosa. Na história, nada se espalhou pelo mundo com tanta velocidade. Então, é claro, ocorreram muitas mudanças. No início, eram mais pessoas envolvidas com os computadores, porque era muito técnico. Entretanto, eu diria que o coração da Internet não mudou. Tecnologicamente ainda está baseado no código aberto, então é um esforço coletivo e criativo. E a maioria da Net ainda é grátis.
Para você, quais são as diferenças mais notáveis entre o momento passado e o presente?
No início da Internet, as pessoas não compartilhavam sua vida toda com todo mundo. Como você sabe, Max Weber também falava sobre a maneira como a Ilustração retirou o mistério da vida. E, na realidade, eu penso que temos que trazer de volta o mistério, porque é realmente pouco interessante quando uma pessoa revela tudo. Esta é uma tarefa para agora na Internet: recuperar o mistério.
Há uma tese que diz que o uso da Internet está nos tornando superficiais, que está nos tirando a capacidade de nos concentrarmos. Esta ideia preocupa você? Estamos nos tornando estúpidos pela forma como usamos a Internet?
Há dez anos, por exemplo, a nenhum acadêmico sério ocorreria citar uma enciclopédia. Porém, agora, é algo que ocorre. Porém, por outro lado, é preciso dizer que a Internet é um espelho de nós mesmos. Não há nada na Internet que não esteja em nós, em primeiro lugar. Então, por exemplo, se há um problema de ausência de informação na Internet, é necessário lembrar que a maioria das coisas que ouvimos de outras pessoas na vida carece de informação. Na vida também há um problema de má informação. Os mesmos tipos de habilidades críticas estão ausentes tanto no olhar sobre a Internet como na vida. Nem todo mundo está acostumado a exercer essa atitude crítica.
Gostaria de saber quais são os livros mais importantes que você leu. Qual recomendaria a um jovem, por exemplo, que está iniciando seriamente a leitura e pensamento sobre a vida?
Existem tantos livros que foram importantes para mim, mas para responder esta pergunta, de fato, eu recomendaria somente um. Talvez seja um pouco surpreendente, mas recomendaria que todo mundo lesse “O homem em busca de sentido”, de Viktor Frankl. E, fundamentalmente, para mim “A ética do hacker” é sobre nossa busca de sentido e de uma vida com sentido.
Última pergunta. Parece que você é um otimista. Você tem esperança na humanidade?
Sempre me interessou mais falar a respeito das coisas sobre as quais sou favorável do que daquelas que sou contra. Porque a segunda não ajuda a solucionar problemas. Talvez, isso também faça parte da ética hacker. De alguma forma, o hacker possui apenas dois princípios: regulamentar o que não funciona e deixar em paz o que funciona. Além disso, na história tudo foi impossível até se tornar possível. Sem dúvida, nós, seres humanos, temos capacidade criativa. A questão é fazê-la funcionar.
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“As crianças são todas originalmente hackers”, constata Pekka Himanen - Instituto Humanitas Unisinos - IHU