27 Junho 2012
Em seu quarto dia no Palácio de López, sede do governo paraguaio, o novo presidente do país, Federico Franco, afirmou ontem que enfrentará o isolamento regional de Assunção "com ações, não palavras" e disse que teve de assumir o poder para evitar o risco de uma "guerra civil". "Tenho 14 meses para governar e o que menos quero é arrumar problemas com os dois poderosos vizinhos do Paraguai, Brasil e Argentina", afirmou o ex-vice-presidente. A dois dias da reunião do Mercosul na Argentina - da qual o Paraguai foi suspenso -, Franco recebeu ontem em seu gabinete um grupo de jornalistas sul-americanos, incluindo o do Estado. "Mandem a mensagem de que está tudo normal por aqui", insistiu três vezes.
A entrevista é de Roberto Simon e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 27-06-2012.
Eis a entrevista.
Um paraguaio que leva uma multa de trânsito tem até cinco dias para se defender. O presidente Lugo teve 24 horas. Por que o afastar em um processo tão rápido?
Foi uma decisão do Congresso, num julgamento político - e não convencional. Nesse dispositivo, a Câmara dos Deputados converte-se na entidade acusadora e o Senado, em tribunal. O prazo é estabelecido pelo Congresso, com um regulamento próprio, e eu não formo parte desse poder. Mas lhe digo que foi um procedimento absolutamente constitucional e legal, além de amparado nas práticas e costumes de nosso país.
Mas o sr. considera que Lugo teve um julgamento justo?
Se não considerasse, eu não estaria aqui. Foi justo? Pedi publicamente que garantissem (a Lugo) o maior tempo e espaço para se defender. Mas os parlamentares decidiram assim para que não fosse derramada mais uma só gota de sangue em nosso país. Uma semana antes (da destituição), havíamos enterrado 17 paraguaios (num confronto durante uma reintegração de posse).
Qual mensagem o sr. envia ao Mercosul, que se reúne a partir de amanhã (hoje) na Argentina?
O Paraguai foi um país que sempre teve boas relações com os vizinhos. Somos o menor país da região e, além disso, somos mediterrâneos. Precisamos de nossos vizinhos. Meu primeiro desafio é manter calma a casa, equilibrar as coisas.
O Brasil tem um peso especial nesse sentido?
Com o Brasil, estamos unidos por Itaipu. Grande parte da energia que chega a São Paulo vem de nossa usina binacional. Não há motivo para ter más relações. Acabam de sair (do gabinete) representantes dos brasiguaios, cerca de 450 mil pessoas vivendo aqui. Por unanimidade, vieram dar o apoio ao nosso governo. A Igreja Católica também deu seu apoio de forma contundente, além do Tribunal de Justiça Eleitoral e a Corte Suprema de Justiça. Apenas 1 dos 80 deputados votou a favor do presidente Lugo e 4 dos 45 senadores. Ou seja: não estamos falando de algo que violou a Constituição. Quero garantir que o processo eleitoral do ano que vem transcorra normalmente. Quero demonstrar com ações, mais do que com palavras, que esse é um governo absolutamente democrático, constitucional e respeitoso do estado de direito. Vejam as ruas, não há policiais nem militares. Tudo está normal.
Mas como o Paraguai pretende deixar o isolamento internacional que a queda de Lugo ocasionou?
O primeiro desafio é estabilizar nossa casa. Não podemos nos ocupar do tema das relações externas sem antes assegurar que tudo aqui está normal. Meu primeiro desafio é garantir a governabilidade e, para isso, montamos um gabinete em 48 horas. Vamos fazer em uma semana o que não conseguimos em quatro anos.
Que tipo de garantia o sr. pode dar ao governo da presidente Dilma Rousseff de que há plena democracia no Paraguai?
Diria à presidente Dilma que é muito importante que ela consulte seus compatriotas. Quando terras de brasiguaios eram invadidas, as pessoas da embaixada (brasileira) ouviam que o Paraguai é um país autônomo e nada podia ser feito. Não há por que não reconhecer Federico Franco. Eu era o vice-presidente da república, a única pessoa entre 6,5 milhões de paraguaios que poderia assumir imediatamente a presidência. Eu poderia ser tão irresponsável a ponto de permitir uma guerra civil no país? Assumo a responsabilidade.
Mas havia no Paraguai o risco de uma guerra civil?
O presidente foi destituído em um julgamento político. Quem assume a presidência? Convocamos eleições? Você acha que um país pode ficar quatro ou cinco meses sem eleições? Seria fácil adiantar todo esse processo eleitoral? Por acaso não houve isso com o presidente (Fernando) Collor de Melo?
Num prazo de meses, não de horas.
Sim, mas Itamar Franco assumiu imediatamente a presidência. Tenho 14 meses para governar e o que menos quero é ter problemas com os dois poderosos vizinhos do Paraguai, Brasil e Argentina. Vamos demonstrar com ações que tudo está normal, encarregando-nos da governabilidade.
E como o sr. vê a suspensão paraguaia das cúpulas do Mercosul? Não seria o lugar ideal para explicar a posição do Paraguai?
Creio que não estamos perdendo. Meu país não tem vice-presidente e segue em estado de tensão. O que menos queria agora é sair do meu país. Isso não me traria nada. É aqui que posso solucionar os problemas.
E a eventual participação de Lugo na cúpula? Ele pode ser punido no Paraguai por isso?
Lugo não tem mais nenhuma autoridade. O que você quer, que eu o proíba? Não vai sofrer nenhuma pena. Sou uma pessoa que defende a liberdade. A TV pública está todo tempo transmitindo imagens contra nosso governo. Que continuem.
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'Tudo o que não quero é criar problema com os vizinhos', diz sucessor de Lugo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU