17 Outubro 2011
A convocatória veio da Espanha e dos movimentos que levantaram a bandeira da democracia real, contra o modelo econômico das grandes corporações e do capitalismo financeiro que mergulhou o mundo em gravíssima crise. As vozes dos indignados na Espanha, no Chile, Estados Unidos, Grécia e nos países árabes que ganharam as ruas e as manchetes dos jornais e TVs no início deste ano transpuseram barreiras geográficas e ecoaram também no Brasil. Neste sábado, 15 de outubro, movimentos, organizações e a sociedade civil de várias partes do globo protagonizaram um dia com manifestações, marchas e ocupações de praças – dando um sentido ainda maior de ágora às manifestações.
A reportagem é de Clarissa Pont e publicada por Carta Maior, 17-10-2011.
Em Porto Alegre não foi diferente. A caminhada que partiu do Parque Farroupilha até a Praça da Matriz, onde estão concentrados o poder Executivo, Legislativo e Judiciário, reuniu cerca de mil pessoas. Grande parte ainda passou a noite acampada na Praça, onde lonas pretas improvisadas esperavam para proteger as barracas que se instalariam ali. Shows musicais e até uma pequena festa tomou conta do ambiente noite adentro. Carregados de cartazes com os mais variados slogans como "Legalize a liberdade", "Corrupção mata", "Tire seu dinheiro do banco", "Um mundo socialista é possível"ou ainda "Assange morreu por nós" os indignados de Porto Alegre somaram-se a manifestantes em outras 951 cidades de 82 países, segundo o site 15october.net. Estima-se que pelo menos 42 cidades brasileiras participaram da mobilização global deste sábado. Na página http://trendsmap.com/topic/occupy é possível conferir a geografia das manifestações em um mapa gerado pelo Twitter.
É impossível negar que as redes sociais possuem força em manifestações como esta. Durante todo o trajeto da caminhada, celulares reverberavam o mesmo momento em outros rincões. Não demoraram a aparecer fotos de amigos em Bruxelas, Londres, Tarragona, Madri e Atenas nas mãos dos manifestantes que atravessavam a Avenida João Pessoa. Do mesmo modo, a movimentação em Porto Alegre foi transmitida ao vivo pela internet e um telão na Praça da Matriz passou a noite veiculando imagens dos outros acampamentos do globo. No final do dia, em uma rápida pesquisa no Twitter ou no Youtube era possível identificar dezenas de vídeos e fotografias de Porto Alegre que já circulavam pela rede.
Porto Alegre, no entanto, reuniu matizes distintas na mesma caminhada e expôs uma questão bastante peculiar. Durante a última semana, a imprensa alardeou a mobilização mundial convocada para este 15 de outubro como a Marcha Contra a Corrupção. Números de apoiadores da primeira no Facebook foram inclusive confundidos com os números de acessos no site Agora Chega, que também mobilizava a sociedade civil para manifestações pela moralização na política para este final de semana.
Na quinta-feira, a manchete do jornal Zero Hora afirmava: "Internet arrasta às ruas do país um basta contra a corrupção". Segundo o jornal, os protestos estariam mostrando a força da mobilização via redes sociais e uma nova rodada estaria prevista para sábado em Porto Alegre. Curiosamente, era o mesmo trajeto, mesmo horário e mesmo local de concentração da mobilização global chamada para o 15 de outubro.
Segundo Marcelo Branco, a convergência não chegou a ser um problema. "O movimento hoje é global e Porto Alegre precisa se reinserir nisso, como na época do Fórum Social Mundial. A cidade foi uma referência naquele momento em função da experiência vivida aqui. A idéia é recuperar essa referência, agora unida a novos movimentos como as manifestações no mundo árabe, na Espanha, no Chile e agora nos Estados Unidos com o Occupy Wall Street. O movimento pede democracia direta e Porto Alegre tem uma história de democracia direta com o orçamento participativo. Queremos resgatar isso sintonizados com a pauta global de luta contra a especulação financeira. Por uma economia a serviço das pessoas e até com a luta contra a corrupção, que na verdade sempre foi uma bandeira da esquerda", disse o ativista pelo Software Livre que atuou como uma espécie de organizador e apaziguador das duas marchas reunidas.
A volta do Fórum Social Mundial foi uma das tônicas da manifestação na capital gaúcha. "Com o mesmo espírito de unidade que construímos o FSM como referência mundial aqui em Porto Alegre e a rica experiência de democracia direta do orçamento participativo, estamos sintonizados com a energia das novas dinâmicas sociais em rede que tem mobilizado milhões de pessoas no mundo todo. Nos levantamos também pela volta do Fórum Social Mundial para Porto Alegre", dizia a convocatória do 15 de outubro na capital gaúcha.
Branco também concorda que a força da rede é grande em manifestações globais e defende que entender a dinâmica deste tipo de organização pode ajudar a imaginar um futuro próximo."Eduardo Galeano diz em um vídeo que está circulando na internet que os jovens não votaram no Chile ou na Espanha porque são contra a democracia, mas porque eles estão apontando os limites da democracia representativa. E nós podemos ter uma pista do que será essa nova democracia vendo estes movimentos. A internet também será ferramenta desta nova democracia porque se ela serve para mobilizar, ela também poderá servir para ampliar a participação democrática nos governos", defendeu.
O povo unido jamais será vencido
Os cartazes e os gritos de guerra em Porto Alegre foram o diagnóstico do encontro de distintas forças. Enquanto um grupo de jovens entoava frases tradicionais da luta de esquerda como "O povo unido jamais será vencido", um grupo de senhoras que ostentavam adesivos com os dizeres Agora Chega respondiam: "O povo unido protesta sem partido" e escutavam de volta: "O povo unido já tomou partido". Até que um terceiro grupo resolveu terminar com a discussão e decretou: "O povo unido é gente pra caralho".
Já frases como "Você aí parado, também é explorado" foram entoadas em uníssono por todas as matizes partidárias, apartidárias ou curiosos que compunham o tom sobre tom da caminhada. Na Praça da Matriz, por um rápido momento, os ânimos se elevaram e houve pequenas trocas de insultos. No final, um grupo provocava com um novo grito de guerra: "Olha que legal, tucaninho radical."
O mal estar com a presença de bandeiras de partidos como o PT e o PSol foi o motivador das discussões. Como nas últimas Marchas Contra a Corrupção Brasil afora, os particinates desse movimento se intitulavam apolíticos e apartidários, uma representãção da sociedade civil que luta contra a "vastidão da corrupção federal que assola o país".
A socióloga e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rosinha Carrion, presente na caminhada, é uma das críticas à presença de insígnias partidárias nas manifestações. Para ela, o centro da reivindicação é a moralização do país e das instituições. "Esse é um movimento apartidário e que independe de classe social, o que une as pessoas é o reconhecimento da profunda corrupção que existe no país. Não existe democracia enquanto houver corrupção. Sem dúvida, ha várias matizes aqui porque democracia implica em pluralidade. Agora, foi feito um acordo de que não haveria nenhuma bandeira de partido político nesta marcha. Não queremos responsabilizar os partidos, mas há a irresponsabilidade de quem levanta a bandeira e a falta de competência dos dirigentes partidários para impedir que isso ocorra".
Outros "apartidários" da marcha de Porto Alegre pareciam carecer de argumentos que apontassem alguma bandeira fora da luta contra a corrupção. "O movimento é contra a corrupção. Nós não fazemos propaganda política. É o terceiro movimento nosso aqui em Porto Alegre e é contra os políticos ladrões", defendeu Maria Jeci de Andrade, de vestido estampado como uma bandeira brasileira e a cara pintada, para logo chamar algumas amigas que ajudassem na lista de reivindicações. "Ela é boa para falar, vem cá, fala ali, uma entrevista, tu sabe falar, eu não", argumentou. A advogada Gisele Eckert entra em cena. Ela participa do movimento Agora Chega "porque o país está cansado de ver tanta roubalheira e não ver impunidade nenhuma (sic). O que acontece? Hoje, os partidos não estão representando mais a vontade da sociedade, é tudo fazer da política um negócio e a hora é agora", tentou resumir.
Também presente na caminhada, o presidente da OAB Cláudio Lamachia contemporizou o Agora Chega, que aposta na internet como ferramenta para ampliar a mobilização para o tema da corrupção: "O que une a todos aqui é justamente esse sentimento de vontade por uma mudança nos padrões éticos do nosso país. O que reúne todos os movimentos da sociedade sejam eles pobres, ricos, jovens ou pessoas com mais experiência é a vontade de ter um pais mais justo, menos desigual e, acima de tudo, com menos impunidade".
Já para o historiador Vinicius Wu, chefe de gabinete do governador Tarso Genro, a mescla de matizes da caminhada em Porto Alegre é legítima, mas não pode ser desconsiderada. "A chamada Marcha Contra a Corrupção, que teve uma mobilização midiática muito forte no dia 12 de outubro, mistura um sentimento legítimo de parte da população contrária a uma determinada forma de fazer política, mas que se confunde com outros interesses. Interesses que também são políticos e legítimos e que se ancoram hoje, e é importante que se reconheça isso, em certos veículos de comunicação que resolveram apostar nesse movimento. Isso não é um crime, nem um problema, mas não se pode dizer que é um movimento meramente espontâneo, de baixo para cima, social. Há interesses. O que na democracia é legítimo, mas é importante que esteja claro para que as pessoas saibam identificar movimentos e fazer suas opções".
Uma marcha tão plural em um mundo em convulsão, assim resumiu Marcelo Noah, mestre em Escrita Criativa e radialista, que caminhava sozinho e carregado de cartazes. "Todas as pessoas que estão nesses prédios nos olhando deveriam descer e tomar parte porque o mundo está em convulsão, é fato. Se o centro do mundo civilizado e capitalista está ruindo, a gente tem que entender que nós não estamos imunes a isso. O engraçado é isso, a maioria das pessoas que estão aqui estão empregadas, porque o Brasil está numa situação diferente , mas qual é o custo disso? E até onde isso vai? Qual é o processo inteiro? A gente não está isento de sofrer as conseqüências. É lindo que isso esteja acontecendo no mundo inteiro e em Porto Alegre não poderia ser diferente.", disse Noah.
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15 de outubro em Porto Alegre em ritmo de Fórum Social Mundial - Instituto Humanitas Unisinos - IHU