05 Abril 2011
A condenação do sacerdote mexicano Marcial Maciel, em 2006 – em processo movido pelo Vaticano e com penas que incluíam o abandono do sacerdócio e da vida pública após ser declarado culpado por abusos sexuais de menores –, representou um duro golpe à Igreja católica. E cinco anos depois, a Igreja católica chilena vive seu próprio capítulo obscuro com a atual situação do sacerdote Fernando Karadima.
A reportagem está publicada no sítio Religión Digital, 04-04-2011. A tradução é do Cepat.
A sentença lida no dia 18 de fevereiro pelo arcebispo de Santiago, monsenhor Ricardo Ezzati, informou que a Congregação para a Doutrina da Fé culpava o ex-pároco da paróquia do Sagrado Coração de El Bosque por "abuso de ministério", e o condenava a "uma vida de oração e penitência".
E ainda que a situação local esteja longe daquela que ocorreu com o fundador dos Legionários de Cristo – que, além disso, está sendo acusado de ter tido até seis filhos e de ser usuário de drogas –, há várias semelhanças que se acentuam à medida que se toma conhecimento de mais antecedentes do que aconteceu na Paróquia Sagrado Coração de El Bosque.
A jornalista Andrea Insunza, que escreveu junto com Javier Ortega o livro Legionários de Cristo no Chile. Deus, dinheiro e poder, acredita que uma das principais semelhanças está em que a persistência dos denunciantes permitiu que se conhecessem e indagassem os abusos, diante da total inércia das autoridades eclesiásticas.
"Poder-se-ia dizer que no caso de Maciel foi o papa João Paulo II quem mais resistiu em assumir que estes testemunhos tinham que ser levados a sério, e no caso de Karadima a figura que mais resistiu é o cardeal (Francisco Javier) Errázuriz", disse ao portal Terra do Chile a professora da Universidade Diego Portales.
Figuras carismáticas
Uma característica comum entre Maciel e Karadima era o enorme apego que ambos despertavam entre seus próximos, e que no caso do falecido sacerdote mexicano levou João Paulo II a declará-lo um "modelo para a juventude".
O pároco chileno, por sua vez, foi formador de sacerdotes e estabeleceu uma relação muito estreita com seus fiéis, muitos dos quais ainda não acreditam nas acusações feitas contra ele.
"Em ambos os casos estamos falando de personagens que têm uma posição de primus inter pares (primeiro entre iguais), estão imersos em um contexto em que há um forte culto à personalidade e geram lógicas em que há muito segredo, onde há outros que observam, são testemunhas ou inclusive são vítimas e ficam calados diante do que acontece", assinalou Andrea Insunza.
Semelhante visão tem o sacerdote jesuíta Marcelo Guidi, que disse ao Terra.cl que "em nível de personalidades há muita semelhança porque eram ponto de referência religioso de pessoas e ponto de referência religioso para a própria Igreja, que os tinha e os propunha como modelos e confiava neles para muitos de seus trabalhos apostólicos".
"São estas personalidades carismáticas, que se deixam endeusar, e me chama a atenção quando o promotor da Justiça disse que muitos dos fiéis que buscavam acompanhamento espiritual com Karadima e vários dos sacerdotes, eram seus súditos psicológicos, isso é muito forte", remarcou o especialista em direito canônico.
A condenação e o que segue
Quando a Congregação para a Doutrina da Fé estabeleceu que ambos os acusados eram culpados, a sentença foi muito semelhante: Maciel foi convidado a se retirar a "uma vida reservada de oração e penitência e a abandonar seu ministério público", assim como Karadima.
Para Andrea Insunza, o agir da Igreja é louvável quando é comparado com as omissões cometidas no passado, mas ainda é necessário ir mais longe nas indagações e condenações.
"A investigação não estabelece as responsabilidades daqueles que encobriram estes fatos, nem no caso de Maciel com os Legionários de Cristo, nem no caso de Karadima com quem o acompanhou na paróquia. Em ambos os casos, a Igreja pediu de uma ou de outra maneira perdão às vítimas, e o Papa Bento XVI o fez, mas a Igreja se detém claramente ao sancionar o abusador e não chega aos encobridores", expressou.
Em ambos os casos, as denúncias de abusos sexuais se arrastaram durante anos, e o último testemunho contra Karadima – tornado público na segunda-feira por Francisco Gómez – dá conta de que em 1984 comunicou os fatos ao então cardeal Juan Francisco Fresno, e que este não lhe deu atenção.
Ainda que a história de Marcial Maciel continue cheia de dúvidas e obscuridades, o que acontece no Chile deve ser esclarecido para o bem da Igreja, segundo enfatizou o jesuíta Marcelo Guidi.
"As confianças, com o passar do tempo vão se recuperando, mas sempre que se vê que a autoridade eclesiástica competente, todo o resto do clero e os leigos, comecemos a nos olhar novamente com confiança, e dando mostras com fatos concretos e pontuais de que isto não vai se repetir. Oxalá, aprendamos que não podemos continuar a fazer isso", indicou.
O sacerdote mexicano passou os seus últimos dias na localidade azteca de Cotija de La Paz e morreu nos Estados Unidos no dia 30 de janeiro de 2008, não sem antes ser acusado de desrespeitar as punições impostas pela Santa Sé e viver junto com sua amante e a filha de ambos.
Ao passo que o sacerdote chileno se encontra no Convento das Servas de Jesus da Caridade, em Providencia, onde deve cumprir com as determinações do Vaticano: evitar o contato com seus ex-fiéis, com integrantes da União Sacerdotal ou com qualquer um que queira se dirigir a ele para solicitar direção espiritual.
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Karadima-Maciel. As semelhanças entre dois sacerdotes condenados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU