30 Novembro 2018
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 1º Domingo do Advento, 2 de dezembro (Lc 21, 25-28.34-36). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O primeiro domingo do Advento marca também o início de um novo ano litúrgico, em que, domingo após domingo, a Igreja celebra e revive o mistério de Cristo morto e ressuscitado, dinâmica de salvação sempre presente em todos os eventos da vida de Jesus, desde o seu nascimento até a sua vinda gloriosa no fim dos tempos.
Neste ano, o Evangelho que será lido cursivamente é o segundo Lucas, que nos apresenta Jesus acima de tudo como profeta que anuncia a vinda de Deus ao meio de nós na humildade, na fraqueza, na misericórdia infinita que lhe foi inspirada pelo seu Pai, um Pai com entranhas de amor maternas.
Concluíramos a leitura litúrgica de Marcos com o anúncio da vinda gloriosa do Filho do homem (cf. Mc 13, 26-27), e hoje o mesmo evento é posto diante dos nossos olhos na versão lucana. Sim, esse evento final e definitivo, depois do qual há apenas o reino de Deus que se instaura sobre toda a criação e sobre toda a humanidade de todos os tempos e de todas as terras, é o Advento (adventus), que significa “vinda”.
Eis, então, o discurso escatológico de Jesus: “Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas. Na terra, as nações ficarão angustiadas, com pavor do barulho do mar e das ondas” (cf. Is 65, 8). Jesus se serve da linguagem apocalíptica, própria de uma corrente espiritual que tentava fazer renascer nos fiéis a esperança, acima de tudo, em tempos de provação, de perseguição e de trevas. Na opressão, quando parece até que a história escapa das mãos de Deus, há mais do que nunca uma revelação, um levantar do véu (esse é o sentido literal de apokálypsis, apocalipse) por parte de Deus, que age, é Kýrios, Senhor e leva a termo o seu desígnio de salvação.
No fim da história, os três espaços em que vivemos – terra, céu e mar – sofrerão um processo de renovação que poderá parecer um retorno ao caos primordial: em vez disso, será um parto, uma nova criação em que o cosmos será transfigurado, para se tornar morada do Reino.
As imagens desse fim podem nos assustar, mas tentemos decodificá-las com inteligência. O sol, a lua e as estrelas, para os povos, eram ídolos, deuses e eram adorados como potências divinas. Naquele dia da vinda do Filho do homem, essas criaturas celestes, portanto, serão desmistificadas e destronadas para sempre, porque somente o Senhor, nosso Deus, será Deus e Rei do universo.
Desse poder de Deus sobre o cosmos e sobre a história, já houve um sinal na hora da morte em cruz de Jesus, quando “já era mais ou menos meio-dia, e uma escuridão cobriu toda a região até às três horas da tarde, pois o sol parou de brilhar” (Lucas 23, 44-45): ou seja, todas as criaturas foram perturbadas por aquele evento da morte do “justo” (Lc 23, 47), porque eram testemunhas da morte do seu Senhor.
Naquele dia (o dia do Senhor), a humanidade viverá esse drama cósmico, histórico e existencial: sentirá angústia (synoché), experimentará uma situação sem saída, uma situação de desorientação e confusão (aporía). Mas essas são as dores do parto da nova criação que, em vez de multiplicar o medo, devem nos advertir e desestabilizar as nossas certezas mundanas sobre os arranjos do cosmos e da história.
Portanto, Jesus anuncia aqui essa epifania de Deus no fim da história e dos tempos, um fim que chegará de repente. Não se trata de um amanhã distante, de um evento que dirá respeito à hora em que, por causas intrínsecas ao universo, ele terá um fim assim como teve um início: não, é um evento próximo, que pode nos pegar de modo a nos surpreender. Repentinamente, sem que nenhum de nós possa prevê-lo, “o Filho do Homem aparecerá numa nuvem com grande poder e glória” (cf. Dn 7, 13), e a sua presença se imporá sobre todo o universo.
Ninguém poderá escapar dessa visão que revelará a plena identidade de Jesus. Esse homem, Jesus de Nazaré, que “passou fazendo o bem” (Atos 10, 38), que foi condenado a uma morte violenta e ignominiosa, ele que era inocente e justo, capaz de amar e de perdoar até o fim (cf. Lc 23, 34), pois bem, esse homem, que já está em Deus em plenitude e na glória, se revelará como Kýrios, Senhor e Salvador da humanidade, Juiz do mal e do bem feitos na história.
Escreve o vidente João, retomando as palavras do profeta Zacarias (cf. Zc 12, 10): “Ele vem com as nuvens; e o mundo todo o verá, até mesmo aqueles que o transpassaram” (Ap 1, 7; cf. também João 19, 37). Note-se: todos o reconhecerão nas feridas das mãos, dos pés e do lado, feridas que não desaparecem no corpo espiritual do Ressuscitado, como aparece nas suas manifestações aos discípulos depois da ressurreição (cf. Lc 24, 40; Jo 20, 20.27); feridas que os humanos lhe infligiram todas as vezes que feriram e atingiram o outro, o irmão, o pobre, o inocente, o último, o sem voz e sem dignidade reconhecida.
Essa é a parusia, a presença manifesta do Crucificado ressuscitado na glória de Deus. É um evento que se impõe, um evento do qual ninguém escapa, um evento temível mas também misericordioso, porque quem aparece é aquele que já levou o pecado do mundo, é aquele que veio se sentar à mesa dos pecadores (cf. Lc 7, 34), é aquele que veio para buscar e salvar quem estava perdido (cf. Lc 19, 10).
O que fazer, portanto, à espera daquele dia? Vigiar, estar atentos, observar a realidade na qual estamos imersos, habitar a vida concreta do nosso tempo. O agricultor que vive entre as árvores frutíferas, que as conhece, as observa e as cuida, também compreende, a partir da figueira, o andamento das estações. Quando o broto dessa planta, que mal aparece no inverno, incha, cresce e parece pronto para se abrir, então o agricultor entende que o verão está chegando. Assim, quando nós lemos em profundidade eventos do nosso tempo e realidades dos nossos lugares, podemos discerni-los como “sinais”, isto é, indícios capazes de indicar algo: sinais dos tempos (cf. Mt 16, 3) e dos lugares que os discípulos de Jesus devem ser exercitados a interpretar, para compreender como e para onde vai a história guiada por Deus e como os seres humanos se opõem a esse caminho (cf. Lc 21, 29-33).
Os discípulos de Jesus, aqueles que creem nele, portanto, não deverão se abater, mas sim “levantar a cabeça”, assumir a postura da pessoa a caminho, em posição ereta, apoiado pela esperança. Imagem extraordinária: o humano em pé, com a cabeça levantada na parrhesía, na franqueza e na convicção de que o que acontece é para a sua salvação; o humano que não teme e, portanto, caminha seguro rumo ao Senhor que vem. É a postura do humano em oração diante de Deus, que deseja o encontro com quem ama; é a postura do sentinela que, de pé, vigia, presta atenção, perscruta o horizonte para estar pronto para gritar para a cidade que o Senhor vem, está prestes a chegar e a se manifestar na glória (cf. Is 62, 6-7).
E como os discípulos e discípulas de Jesus devem viver essa vigília, essa espera do “dia do Senhor”? Com a vigília e a oração! A vigília significa estar desperto, atento, sem ser presa do entorpecimento espiritual, resultado de uma vida distraída, de corações sobrecarregados pelas preocupações mundanas e por uma busca de prazeres que atordoam.
Sem essa vigilância, é impossível manter uma orientação na vida e permanecer à espera da vinda do Senhor, porque outras coisas se tornam objeto das nossas expectativas: a vigília é uma verdadeira luta espiritual! E, junto com a vigília, a oração, que é estar diante de Deus, é discernimento da sua presença em nós, é manifestação da adesão a Cristo que se vive cotidianamente; mas é também invocação, cheia de desejo, da vinda do Senhor e do seu Reino, quando “Deus será tudo em todos” (cf. 1Cor 15, 28).
Nós, cristãos, realmente esperamos esse evento ou não acreditamos nele, consideramo-lo nada mais do que um mito? Mas é sobre essa vinda do Senhor na glória que se decide a nossa fé cristã, que não é apenas uma ética ao estar no mundo, não é só a adesão a uma história da salvação, mas é esperança certa da vinda do Senhor: aquele que veio na fraqueza da carne humana em Belém virá gloriosamente na plenitude de Deus e Senhor, para fazer céu e terra novos (cf. Is 65, 17; 66, 22; 2Pe 3, 13; Ap 21, 1).
O Advento, portanto, nos convida a redespertar a espera d’Aquele que vem, convida-nos a invocar: “Marana tha (1Cor 16, 22)! Vem, Senhor Jesus (Ap 22, 20), vem logo!”.
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Vem, Senhor Jesus, vem logo! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU