26 Fevereiro 2016
Moisés viu a sarça ardente e ouviu a voz de Deus, mas, mesmo assim, teve de exercer seu ministério com muito sofrimento. Jesus reconhece não ter tido sucesso: a figueira não deu frutos. Mas, assim como o vinhateiro da parábola, o Senhor não se desencoraja. Está repleto de uma fonte inesgotável de confiança. Seu amor queima sem se consumir.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 3º Domingo da Quaresma, do Ciclo C. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências Bíblicas
1ª leitura: “’Eu sou’ enviou-me a vós” (Êxodo 3,1-8.13-15)
Salmo: 102(103) - R/ O Senhor é bondoso e compassivo.
2ª leitura: A Escritura relata a vida de Moisés e de seu povo no deserto, para nos instruir. (1Co 10,1-6.10-12)
Evangelho: “Se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo.” (Lucas 13,1-9)
Deus em nossas mãos
Não, os mortos na queda das torres gêmeas de Nova York não eram mais pecadores do que os outros, nem as vítimas dos terremotos e inundações ou dos bombardeios no Iraque ou na Síria... A morte está sempre por perto, chegando de improviso ou ao final de intermináveis agonias. A cegueira do cego de nascença, em João 9, não se devia a nenhum pecado, nem dele nem dos seus pais.
A ideia do sofrimento como punição divina é tão antiga como a humanidade. A Bíblia assume este fato e o faz passar por um tratamento que só dará frutos de verdade na hora da Paixão e Ressurreição de Cristo. É quando ficamos sabendo que Deus deixa que os homens crucifiquem Jesus sem que legiões de anjos o impeçam; que Ele se põe à mercê das nossas vontades e paixões.
Em resposta às surpresas que a Bíblia nos traz, o livro de Jó testemunha uma das mais significativas: como se dá que os justos tenham a mesma sorte que os culpados? É sempre difícil libertarmo-nos da imagem de um Deus intervencionista, que é quem decide tudo e que provoca tudo o que acontece em nossas vidas.
Deus, por certo, não está ausente, está sempre "conosco". Mas simplesmente para compartilhar o que temos de atravessar, para que todas as coisas resultem para nós em vida e em glória. Deus se põe em nossas mãos, mas é finalmente para nos tomar nas suas.
Da Lei ao amor
Mas, então, o que significa a inquietante fórmula de Jesus: "Se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo"? Todos, tanto os mais como os menos pecadores: digamos que os injustos e os justos. Até mesmo os justos, então, devem também se converter? Poderíamos responder que ninguém é verdadeiramente justo. Paulo repete que todos os homens são pecadores.
João, em suas cartas, diz que quem se pretende sem pecado é mentiroso ou, pelo menos, inconsciente. Não creio ser necessário ir mais longe: ainda supondo que um homem fosse totalmente justo, mesmo assim seria preciso que se convertesse. Não a qualquer coisa, como, por exemplo, a melhores práticas, mas a Alguém.
Converter-se é "voltar-se para". Para aquele que vem ao nosso encontro. Pôr o Cristo no centro de nossas vidas, sem esquecer que ele vem ao nosso encontro através de todo homem. Resumindo, trata-se de passar da Lei ao amor. Ao longo das suas cartas, Paulo explica que não podemos nos salvar pelas obras conforme a Lei, mas somente pela fé em Cristo.
Pôr a sua fé em Cristo é sair de si para voltar-se para o Outro. E assim direcionados, somos na verdade "justificados", tornados justos. Mas então a palavra justiça muda de sentido: designa uma conformidade com o próprio Deus, que é amor. Só não morre quem se torna "participante da natureza divina". Paradoxo: não somos justificados e "salvos" pela busca de nossa própria perfeição, mas pela busca do "Outro".
A árvore e o fruto
Quer sejam as vítimas de Siloé ou os idosos que morrem em seu leito, somos todos “da mesma maneira” destinados à morte: santos ou pecadores. A Boa Nova consiste nisto: mesmo normalmente destinados à morte, somos finalmente destinados à vida. Podemos crer ou não nisto, mas esta fé nos liberta do fardo de nós mesmos, o que já é um critério de verdade.
Crer na vida faz-nos sair de nós mesmos para que demos frutos. Com efeito, o fruto é algo que é chamado a deixar a árvore, é uma oferenda ao futuro, ao seu próprio futuro de árvore, mas multiplicando-se em expansão da vida. Encontramos aqui este impulso para fora de nós mesmos, o único que nos justifica e nos salva da morte.
Por seu fruto, a árvore desapropria-se de si mesma, mas garante a sua perenidade. Podemos ler nesta ótica a parábola da figueira estéril. Não vamos imaginar qualquer sanção divina contra a árvore sem frutos. Esta árvore, na realidade, já está morta. Resta-lhe, no entanto, uma chance: o trabalho do "jardineiro". “Jardineiro” que é o próprio Deus que, em Cristo e por Cristo, está em trabalho.
Estende a sua mão para nós, em nosso naufrágio: e agarrá-la ou ignorá-la vai depender da nossa liberdade. Deus está à nossa disposição para nos dar fecundidade. "Meu Pai é glorificado", diz Jesus em São João, "quando produzis muitos frutos" (15,8). O fruto é que salva a árvore.
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A figueira não deu frutos, mas o Senhor não se desencoraja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU