05 Novembro 2010
Bartomeu Melià esteve no Instituto Humanitas Unisinos – IHU esta semana para participar do XII Simpósio Internacional IHU – A Experiência Missioneira: território, cultura e identidade onde falou sobre a relação entre a cosmologia indígena e a religião cristã. A IHU On-Line aproveitou para entrevistar o professor do Centro de Estudios Paraguayos Antonio Guasch sobre a situação de seu país. “Eu não sou oposição, mas não sou político também. Quando Lugo elegeu-se como presidente do Paraguai, eu, sem ser profeta, pensei que a governabilidade se daria de maneira difícil. Isso em função da relação que teria que ser feita entre o novo presidente, que é um socialista moderado, com o partido que tradicionalmente sempre foi muito conservador e esteve no poder por muito tempo”, contou-nos.
Assim, Melià falou sobre os principais problemas que Fernando Lugo tem enfrentado e quais são os avanços que seu governo já trouxe para o Paraguai. “A notícia, parte boa e parte ruim, é que o Paraguai, com o aumento do PIB, será o país com maior crescimento no ano na América Latina, algo em torno de 10%. Há 30 anos que o Paraguai não crescia dessa forma. De um ano para cá vemos uma quantidade de carros nas ruas como nunca se viu antes”, disse.
Bartomeu Melià também é pesquisador do Instituto de Estudos Humanísticos e Filosóficos. É doutor em Ciências Religiosas pela Universidade de Estrasburgo, conviveu com os indígenas guarani, kaigangue e enawené-nawé, no Paraguai e no Brasil. É membro da Comissão Nacional de Bilinguismo, da Academia Paraguaia da Língua Espanhola e da Academia Paraguaia de História. Entre suas publicações, citamos El don, la venganza y otras formas de economía (Assunção: Cepag, 2004).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor analisa a situação do Paraguai hoje?
Bartomeu Melià – Quando Lugo foi eleito presidente do Paraguai, eu, sem ser profeta, pensei que a governabilidade se daria de maneira difícil. Isso em função da relação que teria que ser feita entre o novo presidente, que é um socialista moderado, com o partido que tradicionalmente sempre foi muito conservador e esteve no poder por muito tempo. E efetivamente foi tão difícil mesmo que, sistematicamente, o vice-presidente desse partido tem sido uma oposição real e um empecilho para Lugo governar. Esse foi um problema muito sério.
Houve depois problemáticas pessoais que influenciaram no setor político, como a questão da paternidade. Por enquanto, ele reconheceu um dos filhos, um segundo se submeteu ao DNA e deu negativo e agora parece que essas mulheres, algumas provavelmente aliciadas politicamente, não estão mais cobrando-o. Não quer dizer que realmente não sejam mães de possíveis filhos dele, mas, pelo menos, a situação está mais tranquila nesse sentido.
Tem tido um elemento novo ultimamente que é a sua doença. Num primeiro momento houve um sentimento de apoio, mas logo se percebeu a presença dos “abutres voando sobre o futuro cadáver”. Parece que Lugo está superando o câncer; encontraram a doença a tempo de tratá-la, mas foi um indicativo a mais de fragilidade. Lugo não tem o apoio do Congresso, que faz uma política míope, às vezes até perversa. Ele está sendo pragmático e reflexivo. Chegou a virar uma brincadeira a posição dele em reuniões de escutar, escutar, tomar nota e não falar nada e no fim nada acontecia. Isso fez com que, aos poucos, Lugo conseguisse manter determinados políticos no seu entorno e que são bastante fiéis. Um exemplo é o ministro da fazendo e o da cultura que são seus grandes amigos. Pensava-se que com o novo governo teríamos uma reviravolta contínua de ministros, mas ele conseguiu manter alguns importantes. Também por isso ele recebe ataques fortes da oposição que não gosta dessa situação. Isso é bastante positivo, embora haja também bastantes críticas a seu governo.
IHU On-Line – Além do câncer, quais são as principais dificuldades que Lugo enfrenta?
Bartomeu Melià – Um dos problemas é que não há uma visão um pouco mais socialista na grande política. Não que deva ser completamente de esquerda, mas, pelo menos, que haja uma oposição concreta que cobre, por exemplo, a instituição da cobrança do imposto sobre a renda pessoal. O FMI e o Banco Mundial dizem que isso é necessário e que não se pode governar um país sem cobrar daqueles que ganham mais e que de fato têm muitos benefícios. As estradas, por exemplo, não são utilizadas por quem anda a pé, mas sim por quem tem carro e caminhão e ali carrega produtos. Estes não pagam nada. Neste sentido, precisamos de grandes políticas.
Além disso, a corrupção começa, graças a um determinado jornal, a ser revelada e o pessoal dos antigos governos que cometeram uma roubalheira enorme está sendo chamado para responder à Justiça. Alguns conseguem se livrar das acusações, mas pelo menos o escândalo está dado. O que não acontecia antes. Ainda assim, alguns dos próprios ministros da Corte Suprema de Justiça estão se mostrando inteiramente corruptos. Alguns estavam acobertando a máfia do crime.
IHU On-Line – O que mudou com Lugo na presidência?
Bartomeu Melià – Há coisas muito boas, como, por exemplo, no plano da saúde. Esta agora é gratuita para todo mundo, o que é inédito. Isso, de fato, provocou, num primeiro momento, mau hábito porque todo mundo fica doente e vai ao médico e, às vezes, os hospitais não estão preparados para tanta demanda. Ainda assim, é algo positivo. Uma coisa que não gosto é a cesta básica, porque para os índios é algo muito ruim. Não que não se tenha que dar de comer aos pobres, mas porque, em função da cesta básica, se esquece de outros problemas fundamentais que precisam ser resolvidos. É, preciso, por exemplo, devolver aos índios, suas terras.
A notícia, parte boa e parte ruim, é que o Paraguai, com o aumento do PIB, será o país com maior crescimento no ano na América Latina, algo em torno de 10%. Há 30 anos que o Paraguai não crescia dessa forma. De um ano para cá vemos uma quantidade de carros nas ruas como nunca se viu antes. Ainda não vimos a distribuição equitativa da riqueza, e fazendeiros e empresários do agronegócio encontram ali o paraíso. Não há imposto de renda pessoal no Paraguai. Apenas Paraguai e Bolívia, na América Latina, não cobram esse imposto. Os ricos estão na glória, não pagam imposto de nada. Os benefícios são enormes e, por isso, o nível pobreza não diminuiu.
Outra questão: a corrupção continua no Paraguai, mas, pelo menos, não é mais acobertada pelo governo. A corrupção está instalada na Corte Suprema da Justiça e no Congresso.
IHU On-Line – Como o senhor analisa a presença dos movimentos sociais no Paraguai?
Bartomeu Melià – Minha impressão é que os movimentos políticos estão diminuindo. Sindicalismo e coisas do gênero não se percebem mais tanto. Os pobres camponeses estão “abafados”. Porém, houve um aumento de um movimento de cidadania que não se manifesta, mas que está permeando praticamente todos os setores. Há cidadania de bairro, cidadania do consumidor, cidadania da mulher, cidadania de direitos diversos. Esse movimento está fazendo a troca, ou seja, a consciência do paraguaio e da paraguaia está se transformando.
IHU On-Line – E qual a situação dos povos indígenas no Paraguai neste momento?
Bartomeu Melià – É muito ruim. Uma parte dos povos indígenas recebeu alguma ajuda, mas a terra e o território continuam sendo evitados pela Corte Suprema de Justiça. A Corte Interamericana de Direitos Humanos já condenou três vezes o Paraguai devido aos problemas que vivem os povos indígenas. A destruição dos territórios indígenas é quase total. E também a ecologia, que em parte era sustentada por esses povos, está em perigo. O agronegócio tem gerado muitos problemas para o meio ambiente do país. Além disso, eles provocam a expulsão do camponês do campo que vai para a cidade. Isso gera delinquência juvenil e as grandes máfias, ou seja, grupos muito especializados em roubar grandes quantidades.
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O Paraguai hoje, Entrevista especial com Bartomeu Melià - Instituto Humanitas Unisinos - IHU