14 Julho 2018
Até na Itália, na Grécia e na Espanha, lares da dieta mediterrânea, as crianças estão sofrendo a crise de obesidade do Reino Unido.
A reportagem é publicada por The Observer e reproduzida por CartaCapital, 13-07-2018.
Havia um leve toque de sadismo quando foi relatado, em meados de maio, que até na Itália, na Grécia e na Espanha, lares da dieta mediterrânea, as crianças estão sofrendo a mesma crise de obesidade que as do Reino Unido. Eles se achavam tão inteligentes com seu azeite de oliva, peixe e legumes frescos...
Eles riam de nós, britânicos, com nossas fritas, hambúrgueres e... mais fritas. Mas vejam só! A onda fast-food também os pegou! Ninguém escapa de Ronald McDonald. A marcha da obesidade derrubou até a grande matriarca italiana com sua colher de madeira pingando molho de tomate caseiro.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, Grécia, Espanha e Itália têm índices de obesidade infantil bem acima de 40%. O médico português João Breda, diretor do escritório europeu da OMS para prevenção e controle de doenças não transmissíveis, declarou que a dieta mediterrânea morreu com o rosto enfiado num prato de espaguete.
O sistema alimentar global, que tornou matérias-primas como carne e xarope de milho tão baratos e abundantes, foi acusado. Estações de tevê mostraram crianças no centro de Roma, Madri e Atenas saindo dos mesmos McDonald’s, Burger King e KFC que temos na Grã-Bretanha. Como as crianças poderiam ter uma chance, cercadas por tais tentações e poderosas forças de marketing que usam seus personagens preferidos dos quadrinhos?
Ao mesmo tempo, repórteres entrevistaram pais sobre seus estilos de vida agitados. Como poderia uma família moderna, que luta para pagar as contas no fim do mês, cozinhar a partir do zero todas as noites? Ficou claro que a boa gente do Mediterrâneo, em vez de cultivar legumes e se reunir ao redor da mesa para comer salada e sardinhas todas as noites, estava se jogando na frente da tevê para devorar um delivery – exatamente como nós.
Mas isso é realmente uma surpresa? Que, em 2018, famílias de toda a Europa estejam lutando contra um sistema alimentar armado contra elas?
Vamos examinar mais de perto a “dieta” mediterrânea. Para os forasteiros, ela foi desenvolvida nos anos 1960, com base nos hábitos alimentares da Grécia, do sul da Itália e da Espanha. A dieta caracteriza-se por muitas frutas, legumes e peixe, o uso de azeite de oliva e o consumo moderado de derivados de leite, carne vermelha e açúcares simples. Ela decolou nos anos 90, quando estudos descobriram que podia reduzir o risco de câncer e de doenças cardíacas.
Parecia uma cura milagrosa, e, como a maioria das dietas da moda, gerou diversos livros de receitas. O que a maioria dos livros não mencionou, porém, é que os estudos também deixaram claro que a dieta mediterrânea tinha de ser acompanhada por outros fatores.
O mais óbvio é o exercício físico. As crianças da Espanha, Itália e Grécia estão passando mais tempo na frente de suas telas. Mesmo que estejam ingerindo uma dieta mediterrânea, não a estão queimando.
Fatores menos óbvios para o sucesso da dieta são os psicológicos. Em seu livro The Blue Zones (As Zonas Azuis), sobre os lugares da Terra onde as pessoas vivem mais, o pesquisador americano Dan Buettner visita Ikaria, na Grécia, onde há a maior porcentagem do planeta de pessoas com mais de 90 anos. Ele atribui a longevidade à dieta mediterrânea, mas também ao “modo de vida da montanha”, à preservação dos laços familiares e sociais, a plantar suas próprias frutas e legumes, a cochilar, rir e, basicamente, desfrutar a vida.
É tentador, diante das últimas estatísticas sobre obesidade infantil na Espanha, Itália e Grécia, concluir que a dieta do Mediterrâneo falhou. Já há sugestões de que deveríamos adotar uma “dieta escandinava”, rica em Ômega-3 e cereais integrais, já que, na Dinamarca, menos de 10% das crianças são obesas. Pais conscientes estão treinando seus filhos a apreciar arenque e pão de centeio no café da manhã.
Mas isso realmente resolveria o problema? Afinal, é só uma dieta. E as dietas não funcionam. Elas apenas fazem as pessoas se sentirem culpadas e despertam emoções desagradáveis, como sadismo.
O que funciona são hábitos transmitidos por uma avó e sustentados por toda uma cultura alimentícia. Até a dieta britânica poderia ser considerada saudável se você a fizesse direito – que horror! Você come um pouco de manteiga e carne vermelha, restringe o açúcar e cozinha muitos legumes cultivados em casa, como fizemos durante o racionamento na Segunda Guerra Mundial, e aí você não ficará obeso. O fato é que a maioria das dietas nacionais tendem a ser saudáveis, porque elas evoluíram como a melhor maneira de usar o alimento produzido em cada lugar. Mas elas precisam ser acompanhadas de um setor varejista que disponibilize esse alimento e um estilo de vida com o menor estresse possível. Tenho certeza de que há muitas avós na Itália que ainda vivem até os 100 anos porque a aldeia extrai seu próprio azeite, mas a maioria dos jovens foi trabalhar nas cidades.
Na Grécia, as famílias contam com bancos de alimentos para sobreviver. No sul da Espanha plantam muitas frutas e legumes, mas geralmente em estufas de polietileno, para ser exportados para o Norte da Europa. O acesso a frutas e legumes frescos para a maioria das pessoas no Mediterrâneo, assim como no Reino Unido, é restrito ao que está disponível e barato nos supermercados.
Solucionar a obesidade infantil exigirá mais que modas – exigirá a transformação de todo o sistema alimentar. Significará controles à publicidade de junk food para crianças e dinheiro para as escolas promoverem exercícios. Exigirá educar as crianças não apenas para cozinhar alimentos, mas também cultivá-los.
Significará um sistema de agricultura que recompense os agricultores por produzirem alimentos saudáveis. Significará criar redes locais para que as famílias possam ter acesso a alimentos sazonais e frescos. Significará examinar nossa cultura do trabalho para encontrar tempo para nos exercitarmos e para cozinhar. E significará lembrar como é fazer refeições com a família e os amigos. Para dar às crianças uma vida longa e saudável, precisamos lhes ensinar mais que uma dieta, além de lhes ensinar a fazer compras, a cozinhar e a viver.
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A dieta mediterrânea está perdendo a batalha para a junk food? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU