13 Julho 2018
Perseguido pelos setores conservadores e pela mídia nos anos de chumbo, a trajetória de Dom Helder Câmara chega aos palcos. (Foto: Arquidiocese de Uberaba)
O comentário é de Gisele Pereira, com colaboração de Elisa Gargiulo, publicado por CartaCapital, 12-07-2018.
Aproveitamos o espaço desta coluna para divulgar um espetáculo da mais alta relevância política e religiosa nesses tempos onde as duas esferas se enredam na retórica oportunista e anti-laica de um cenário pré-eleitoral obscuro e antidemocrático.
Entre a Avenida São João e o “Minhocão” encontramos o Galpão do Folias, local que já foi uma igreja e que, há 18 anos, abriga um teatro e sua companhia. O espaço também abriga oficinas de teatro e outras linguagens artísticas e encontros de formação e reflexão.
Somos recebidas com atenção e simpatia pelas integrantes da Cia, que fazem questão de recepcionar e acomodar todo mundo que chega, demonstrando a missão do espaço e do grupo de refletir e proporcionar formação política de forma acolhedora e colaborativa.
Logo na rua, a narrativa de “O Avesso do Claustro” se inicia com uma canção original em que o elenco apresenta um Jesus incomodado com atitudes equivocadas e gritarias chamando por seu nome.
Terminam com: “Cristo não entende a raça”. A humana, podemos supor. A letra da música pode ser vista em enormes painéis de papelão, enquanto já ingressamos no galpão e no clima do espetáculo. A recepção já nos indica que todos os nossos sentidos e sentimentos serão provocados. E de fato o foram.
A Cia. do Tijolo, que existe desde 2007, constrói suas peças em torno de nomes importantes da cultura. Dessa vez, dom Hélder Câmara (1909-1999) recebe o tratamento lírico do grupo de teatro paulistano e ganha vida pelo corpo e voz do ator Dinho Lima Flor, co-diretor ao lado de Rodrigo Mercadante. Uma bela trilha sonora, unida a imagens poéticas e momentos com participação do público costuram os 150 minutos de “O Avesso do Claustro”.
Nada melhor do que as palavras da própria companhia para falar deste grande desafio, superado fabulosamente de apresentar uma figura “tão carismática e brilhante como Dom Helder Câmara”.
Dizem eles: “Assumimos os riscos e, conscientes deles, voltamos nossos olhos atentos para essa figura que parece carregar em si mesma a complexidade do próprio Brasil, além de dialogar imensamente com nosso tempo presente.” O espetáculo nos leva a “viajar por estes tempos”, por vezes nos provocando “enjoos” quando nos deparamos com as permanências nauseantes que rompem as fronteiras temporais.
Perseguido pelos setores conservadores e pela mídia nos anos de chumbo, dom Helder sinalizou, por meio de suas atitudes e posicionamentos, vias libertárias para que a população brasileira pudesse enfrentar o status quo em busca de uma vida mais digna. Dom Hélder acumulou ataques contra suas atitudes sem temer e sem se deixar envergar pelos seus próprios equívocos.
Assim, “O Avesso do Claustro” reafirma a necessidade de se denunciar o que está por trás da onipresença contemporânea e simbólica de Deus, seja em adesivos de carros, e discursos fundamentalistas ou na propaganda capitalista de um modo de vida dito ideal.
Nem que isso nos faça desejar, assim como dito por dom Hélder, o incêndio do Vaticano para que assim se salve o pensamento cristão. Afinal, para se refletir sobre a ética, há de se caminhar pelo profano.
Serviço:
Peça: “O Avesso do Claustro”
Temporada: de 31 de maio a 29 de julho
Qui, sex e sáb. 20h e dom. 19h
Local: Galpão do Folias (Rua Ana Cintra, 213 - Campos Elíseos - São Paulo - ao lado do metrô Sta Cecília), tel. 11-3361-2223
Ingresso: R$ 20 (inteira) | R$ 10 (meia)
Duração: 150 min.
Lotação: 96 pessoas
Indicação etária: acima de 12 anos
Wi-fi público
Aceita cartões de débito e crédito
Estacionamento conveniado ao lado
Acesso para pessoas com mobilidade reduzida
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O Avesso do Claustro: a vida do 'bispo vermelho' em cena - Instituto Humanitas Unisinos - IHU