04 Mai 2018
“Há uma secreta alegria no modo como esse bicentenário de Marx é celebrado. Ele é sentido mais vivo do que durante boa parte do século XX, em sua peregrinação soviética. Hoje, faz parte da luta pela liberdade. Incomoda tanto a esquerda dogmática, como o neoliberalismo, que procura tratá-lo bem, com boas maneiras e incorporá-lo às novas filosofias levianas. Marx é um núcleo duro”. A reflexão é de José Pablo Feinmann, filósofo argentino, em artigo publicado por Página|12, 29-04-2018. A tradução é de André Langer.
05 de maio é o bicentenário de Karl Marx. Sua morte foi decretada tantas vezes que parecia ter se tornado imortal. Em sua Crítica da Razão Dialética, Sartre disse poderosamente: “O marxismo é a única filosofia viva de nosso tempo, porque as condições que lhe deram existência não foram superadas”. Se o marxismo não está vivo, Marx com certeza está. O século XX acreditou tê-lo enterrado com a queda do comunismo. Os filósofos estruturalistas franceses empreenderam a tarefa. Era necessário deixar Marx e entrar em Nietzsche e Heidegger. A tarefa foi realizada por meio da destruição do sujeito.
Com seu ensaio A época das imagens de mundo, Heidegger apresenta o caminho certo. Essa época é a do cartesianismo. Aqui, o vinculante é a subjetividade. O mundo é a imagem do sujeito e o subjetivo é a matéria vinculante de todos os entes em meio à tarefa de esquecer o ser. Depois, Foucault vai soldar isso com sua surpreendente análise da pintura de Velázquez, ‘As Meninas’. Antes, Adorno e Horkheimer mudam o eixo do marxismo da Teoria Crítica. Eles passam da luta de classes para o conflito do homem com a natureza e criticam o que chamam de razão instrumental.
Em suas ‘Teses da Filosofia da História’, Benjamin destrói o curso teleológico da história, base da dialética hegeliana e marxista. Deleuze partirá da afirmação aristocrática de Nietzsche e se afirmará na positividade espinoziana e nietzschiana. O negativo, que é essencial em Marx, é deixado de lado. Em vez da negatividade do operário trabalhador, escolhe-se a veracidade do grupo aristocrático do Nietzsche da Genealogia da Moral.
Benjamin escreve: “Nada prejudicou mais a classe operária alemã do que acreditar que ela estava nadando a favor da corrente”. Depois vêm os pós-modernos, fervorosos antimarxistas. Vattimo falará da sociedade transparente. Uma transparência garantida pelos meios de comunicação. A linguagem é desconstruída em dialetos, a história torna-se uma fábula. Sem mais, em Baudrillard, um verdadeiro talentoso, o crime perfeito é cometido, a história morre.
Há uma secreta alegria no modo como esse bicentenário de Marx é celebrado. Ele é sentido mais vivo do que durante boa parte do século XX, em sua peregrinação soviética. Hoje, faz parte da luta pela liberdade. Incomoda tanto a esquerda dogmática, como o neoliberalismo, que procura tratá-lo bem, com boas maneiras e incorporá-lo às novas filosofias levianas. Marx é um núcleo duro. Quando jovem, é um romântico hegeliano. Em 1843, escreveu sua Introdução à Filosofia do Direito de Hegel. Este belo texto fala da ignomínia e da tarefa de torná-la mais ignominiosa, publicando-a. Postula que a filosofia encontra no proletariado suas armas materiais, assim como o proletariado encontra nela suas armas espirituais. Fala do homem como o ser supremo para o homem. E também da crítica das armas e as armas da crítica. A filosofia é a cabeça da emancipação do homem e seu coração é o proletariado. E conclui dizendo que a filosofia não pode ser realizada sem a superação do proletariado e o proletariado não pode ser superado sem a realização da filosofia.
Este texto está cheio de hegelianismo. Acontece que Marx nunca deixou de ser um grande hegeliano. O Manifesto do Partido Comunista, de 1848, é um dos maiores textos políticos já escritos. Marx refere-se às grandes tarefas revolucionárias da burguesia. Criou o sistema mundo. Submeteu o mundo rural ao urbano. Reescreve várias páginas de Facundo, que é três anos anterior ao Manifesto. Tanto Marx como Sarmiento viram no desenvolvimento das cidades o avanço da civilização.
O colonialismo eurocêntrico – que é latente em seus textos sobre a Índia, o México e Bolívar – tem suas raízes na dialética de Hegel. Também sua citação de Goethe: “Pouco importa a destruição / se os frutos são prazerosos / Não matou milhares de seres / Tamerlão em seu reinado?” O Capital corrige o ponto de vista. As atrocidades da burguesia são analisadas com a crueldade que merecem. A violência é a parteira da história. O capital vem ao mundo pingando sangue e lama. Antes, o capítulo sobre o fetiche da mercadoria é uma obra-prima da filosofia. O mistério e o fetiche da mercadoria consistem em esconder seus meios de produção. O colonialismo dos textos da década de 1950 já amaina em seus belos textos sobre a Irlanda. E em seus últimos anos posteriores deixará claro, em sua célebre carta a Vera Zasoulitch, que O Capital não é uma filosofia da história. Enquanto houver injustiça e espoliação, haverá Marx, porque foi o filósofo que propôs mudar o mundo, não apenas interpretá-lo.
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Marx no seu bicentenário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU