Por: Ricardo Machado | 07 Novembro 2017
Antonio Negri subverte a ampulheta da razão moderna e, ao invés de colocá-la em sua posição inversa, a posiciona na horizontal, reorganizando as regras do que se estabeleceu e convencionou ao longo de vários séculos. “A obra do Negri vai na contramão da ideia de que a constituinte é a expressão da vontade popular, mas o contrário, é um elemento castrador da vontade do povo”, pontua o Prof. Dr. André Luiz Olivier da Silva, logo na abertura de sua conferência O Poder Constituinte. Obra de Antonio Negri. O evento, que integra a programação de A contemporaneidade em debate. Intérpretes e suas obras, ocorreu na sala Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU, na noite da segunda-feira, 06-11-2017, e reuniu um público de aproximadamente 40 pessoas.
No dia 23 de novembro o Prof. Dr. Adriano Pilatti, da PUC-Rio, tradutor desta obra de Negri, apresenta o livro na Unisinos Porto Alegre, a partir das 19h30.
André Olivier apresentando a obra de Antonio Negri, Poder Constituinte (Fotos: Ricardo Machado/IHU)
Ao longo de mais de duas horas o professor destrinchou a obra do filósofo italiano, situando historicamente as perspectivas teóricas e as relações entre os autores utilizados e refutados por Negri. “A obra aborda o conceito de poder constituinte a partir de uma crítica radical à teoria contratualista de Hobbes, Rosseau e Locke. O pano de fundo da obra de Negri é Spinoza, que é retomado a todo o tempo para colocar em causa o conceito de racionalidade moderna, a partir de categorias como a das paixões (tristes e alegres), desenvolvendo o conceito de Multidão no poder constituinte”, explica Olivier.
Segundo explica o conferencista, para compreender o percurso de Negri, é preciso entender alguns momentos e autores importantes na história da filosofia, tais como Maquiavel (1469-1527), Spinoza (1632-1677) e Marx (1818-1863). “Além disso, há os momentos de irrupção que constituem a modernidade, entre eles, a Revolução Gloriosa (Inglaterra), em 1688; a Revolução Americana, 1776; a Revolução Francesa, em 1789; e, por fim, a Revolução Russa, em 1917. O constitucionalismo surge, nesse sentido, como algo para reprimir os desejos populares, segundo Negri”, pontua.
Feita esta contextualização, cabe explicar que o poder constituinte, em seu sentido mais tradicional, é aquele que emerge das relações sociais que por sua vez vai gerar uma constituição, que levará o poder constituído (que está na relação dialética com o poder constituinte) a determinar um certo ordenamento jurídico. Ao observar o fenômeno de Junho de 2013, André Olivier sugere que havia ali uma faísca revolucionária, mas que nunca se realizou. “O que há em Junho de 2013 é uma faísca daquilo que poderia ser um movimento revolucionário. Mas isso só vai ser possível por uma convergência de paixões, que é algo da ordem da espontaneidade, não da racionalidade. Esse é o poder constituinte revolucionário”, argumenta. Vale ressaltar, que, segundo Negri, o poder constituinte se caracteriza por quatro determinantes: é absoluto, expansivo, ilimitado e inconcluso.
O paradoxo constituinte é que a Constituição encerra o poder criativo da multidão, compreendida nos termos negrianos. “O constitucionalismo fecha a participação das manifestações populares, de modo que ele neutraliza a vontade popular”, frisa o professor. Retomando as categorias de Maquiavel, Olivier recorda que o movimento político se organiza por uma série de eventos que não temos controle (a fortuna, que é da ordem da contingência) e por aqueles que temos controle (a virtude, que tenta impor a própria vontade). “O que Maquiavel propõe é que consigamos, mesmo com as limitações impostas pela Fortuna, conseguir imprimir nelas a Virtude do governante”, postula.
“O que a Revolução Francesa faz, por meio da constituição, é neutralizar o poder constituinte e o movimento revolucionário, que passam a operar dentro do sistema constitucional. Isso permite que conservadores e progressistas confessos comemorem o poder constituinte, pois ali adiante ele será neutralizado”, coloca o palestrante, ao trazer à tona outra contradição do poder constituído.
Já na Revolução Francesa, ainda no final do século XVIII, se ouvia a expressão “é preciso terminar a revolução”, mas isso implica, como vimos, encerrar a potência criativa do poder constituinte. “A constituição como o ato de constituir as partes em um todo, faz surgir um tempo novo. Do fim da revolução emerge uma teoria jurídica do poder constituinte que podemos chamar de doutrinas do constitucionalismo”, sinaliza Olivier.
A condição trágica do poder constituinte, diria Maquiavel, é que ele acaba sufocado pela constituição. Nesse sentido, a alternativa do Negri é a “potência da multidão”, como um projeto de criação – em que a multidão é associação de singularidades – que ela própria que produz com a realidade que vivemos. “É nesse sentido que a política deve surgir como uma continuação dinâmica, criadora e processual”, finaliza o conferencista.
André Luiz Olivier da Silva é graduado em Direito e em Filosofia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos. É mestre e doutor em Filosofia por essa mesma instituição, com a tese Direitos Humanos e Exigências Morais por Direitos. Leciona no curso de Direito, Relações Internacionais e na Especialização em Filosofia da Unisinos.
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O devir constante do Poder Constituinte, uma leitura da obra de Negri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU