06 Setembro 2017
Bergoglio possui um “afeto sincero pelos pobres, pelos doentes, pelos jovens e pelos sacerdotes”. É também um “homem de discernimento”, destaca o jesuíta Álvaro Restrepo, em depoimento publicado por Religión Digital, 05-09-2017. A tradução é do Cepat.
Hoje, 06 de setembro, o Papa Francisco visitará a Colômbia. Estará em Bogotá, Villavicencio, Medelín e Cartagena. Solicitaram-me uma colaboração. Em razão disto, quero compartilhar com vocês um artigo que escrevi para o Anuário da Companhia e que tem como título Entre jesuítas: do Arcebispo Jorge Mario Bergoglio ao Papa Francisco.
O teólogo José María Castillo escrevia: “O Vaticano não é uma ilha. Por isso, quando tanta gente de boa vontade diz que a Igreja precisa de um bom papa, não se trata de que o novo Pontífice seja conservador ou progressista, de direita ou de esquerda. O que importa é que seja um homem livre e decidido. É necessário um homem tão apaixonado pelo Evangelho que desconcerte a todos aqueles que buscam no papado um homem de poder e mando. O Papa deve ser desconcertante. No dia em que o Vaticano for o ‘ponto de encontro’ de todos os que sofrem, nesse dia, a Igreja terá encontrado o bom Papa que necessita”.
A partir do momento em que através do “correio das bruxas” se soube na Colômbia que eu havia sido Provincial da Argentina e que, portanto, em várias oportunidades havia tratado com o então Arcebispo da capital Jorge Mario Bergoglio, atual Papa Francisco, os meios de comunicação colombianos não pararam de telefonar.
Muito se escreveu a propósito do Papa Francisco. Proponho-me dividir com os leitores algumas das coisas que ainda recordo com admiração e gratidão.
Em Roma, conheci Jorge Mario durante uma reunião internacional da Companhia de Jesus. Trabalhamos juntos o tema dos Irmãos (os jesuítas não sacerdotes). Recordo seu profundo apreço por eles.
Poucos meses após eu ter chegado à Argentina para prestar serviço como Provincial, dom Bergoglio assumia o arcebispado de Buenos Aires. Foi assim que nos encontramos na Capital Federal. Nossas relações sempre se caracterizaram pelo respeito ao trabalho de cada um.
Suas raízes familiares piemontesas e simples me ajudaram a compreender melhor os valores e o caráter de Jorge Mario. Nasceu no dia 17 de dezembro de 1936, no bairro portenho de Flores. Graduou-se como técnico químico. Aos 21 anos decide ser sacerdote. Entra no seminário diocesano de Devoto, dirigido naquele momento pelos jesuítas. Foi ordenado sacerdote na Companhia de Jesus, em 1969, e nomeado Provincial para o sexênio 1973-1979. Em 1998, é nomeado Arcebispo de Buenos Aires.
Não é amigo de ostentações, nem de publicidades. Vivia em um modesto apartamento ao lado da Catedral. No mais, considero inútil buscar compará-lo com algum dos Papas do século passado. É necessário descrevê-lo pessoalmente. É direto e franco, às vezes reservado, mas sempre acolhedor e fraterno. Tratávamo-nos simplesmente pelo nosso nome, deixando de lado protocolos desnecessários.
Destaco seu afeto sincero pelos pobres, pelos doentes, pelos jovens e pelos sacerdotes. Quando um dos párocos lhe informava que um de seus familiares estava com a saúde delicada, o arcebispo Jorge Mario se oferecia com prazer para substitui-lo em suas tarefas paroquiais.
Não esqueço suas chamadas telefônicas para me perguntar pela saúde dos jesuítas e pedir o favor de averiguar o horário mais conveniente para conversar, tranquila e discretamente, com o enfermo.
Em certa ocasião, um jovem estudante jesuíta lhe pediu um conselho para seu apostolado com os mais necessitados. A resposta é reflexo de uma profunda experiência pastoral:
“Visite com frequência os pobres, aproxime-se deles, olhe como vivem e como compartilham generosamente o pouco que possuem. Em seguida, reflita e reze. O que pastoralmente gostarem e necessitarem é isso o que deve fazer”.
As homilias do Arcebispo do dia 25 de maio, dia nacional argentino, partiam sempre do Evangelho. Com sumo respeito, mas sem rodeios, pregava acerca do que acreditava ser necessário comunicar aos presentes: governantes, ministros de estado e povo fiel – para os quais, durante a cerimônia da Catedral, as portas permaneciam abertas.
Recordo-me do vigor com que pediu aos presentes para que não discriminassem os emigrantes provenientes do Paraguai, Bolívia e Peru, sob pretexto de que eram indocumentados:
“Eles são filhos de Deus, pessoas irmãos e irmãs nossos; possuem a carteira de identidade de seus países e vêm à Argentina porque, aqui, procuram trabalho, assumindo com frequência os trabalhos mais duros. Seus salários, se é que recebem, são miseráveis. Vamos respeitá-los e ajudá-los”.
O interlocutor captava imediatamente a cultura ampla e a profunda espiritualidade de Jorge Mario. Foi professor de literatura e de psicologia, licenciado em filosofia e teologia. Na Alemanha, completou sua tese de doutorado sobre Romano Guardini. Sua entrega apostólica não se chocava com suas tarefas de governo da Arquidiocese. Ao contrário, tornava-a mais credível.
Não se limitava a ensinar e a pregar acerca da oração, vivia a mesma. Conhecia perfeitamente e meditava as cartas e os escritos de Santo Inácio de Loyola, de São João da Cruz, de Santa Teresa de Jesus e o diário espiritual de Pedro Fabro.
Sabemos também de seu apreço pela obra de Jorge Luis Borges e de Leopoldo Marechal.
Bergoglio é homem de discernimento. Em certa ocasião, conferi com ele um assunto delicado. Admirou-me sua resposta: “se o que você deseja vem de Deus, o Espírito Santo fará com que sinta internamente e se encarregará de fazer com que o projeto se realize. Porém, se aquilo que busca não provém dele, seu plano não se efetivará”.
O afeto pela pessoa de Jesus e a devoção à Virgem Maria são recorrentes em suas palestras, escritos e homilias. A devoção a São José ocupa para Jorge Mario um lugar especial. Não é simples coincidência que tenha assumido oficialmente seu pontificado em um 19 de março.
Álvaro Restrepo, S.J. (Fonte:Religión Digital)
Um canal de televisão me fez essa pergunta: o que você pensa dos cinquenta primeiros dias do Papa Francisco? Recordei que Deus é “o Deus das surpresas”, “o Deus sempre maior”. Certamente, surpreendi-me ao receber a notícia da eleição de Francisco. Pela primeira vez na história, um Papa latino-americano e jesuíta!
Na entrevista, enfatizei os gestos profundamente simbólicos do Papa Francisco e que chegam ao coração das pessoas. A alegria e a esperança daqueles que o escutam e o veem na televisão são voz comum, e não é raro ouvir pessoas que dizem ter se reconciliado com a Igreja.
No dia 14 de março, dia seguinte à eleição do novo Pontífice, o então Padre Geral dos jesuítas, Adolfo Nicolás, declarava:
“Em nome da Companhia de Jesus, agradeço a Deus pela eleição do novo Papa, Cardeal Jorge Mario Bergoglio S.J., que abre para a Igreja uma etapa cheia de esperança. Todos nós, jesuítas, acompanhamos em oração este nosso irmão e agradecemos sua generosidade em aceitar a responsabilidade de conduzir a Igreja em um momento crucial. O nome de ‘Francisco’ com o qual, a partir de agora, passamos a conhecê-lo, evoca-nos o seu espírito evangélico de proximidade com os pobres, sua identificação com o povo simples e seu compromisso com a renovação da Igreja. Desde o primeiro momento em que se apresentou diante do povo de Deus, deu-nos testemunho visível de sua simplicidade, sua humildade, sua experiência pastoral e sua profundidade espiritual”.
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“Bergoglio é direto e franco, às vezes reservado, mas sempre acolhedor e fraterno”. O depoimento do jesuíta Álvaro Restrepo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU