05 Setembro 2017
"Uma economia, um direito, uma lei, uma política, indiferentes à ética, só podem alcançar maus efeitos e o grito das/os excluídas/os deste ano reforça a urgência de se demonstrar que a falácia da 'volta à normalidade', apregoada pelo atual (des) governo, em verdade é uma volta ao círculo vicioso da exploração desumana do trabalho, da política de favorecimento do capital sem função social, do enriquecimento sem causa e do locupletamento ilícito de quem domina o Estado à revelia do povo", escreve Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.
No dia 7 de setembro de cada ano, quando o tradicional desfile militar se encerra e a maior parte do público e das autoridades começa seus cumprimentos de despedida, a se despedir, começa uma outra caminhada de gente, sem soldados, sem cavalaria, sem aviões dando rasantes, sem canhões e tanques, sem o aparato enfim de qualquer arma, exibindo bandeiras bem diferentes das que passaram antes pelas avenidas.
É o chamado “grito das/os excluídas/os”, procurando chamar a atenção do todas/os para aquela imensa porção do povo brasileiro onde o mundo do direito, das leis, das administrações públicas e das sentenças não chega ou, quando chega, se não for para reprimir, é como se fizesse um favor. Ao dinheiro e a economia, também, essa multidão só consegue acessar sacrificando o direito à moradia, à alimentação, à saúde, à educação, ao descanso e ao lazer, entre outros direitos indispensáveis a uma vida livre e digna.
Este ano de 2017 tem tudo para engrossar o contingente das/os descontentes, das/os pobres, das/os trabalhadoras/es e aposentadas/os, quilombolas, índias/os, sem-terra, sem teto, catadoras/es de material, abandonadas/os pelos Poderes Públicos, inseguras/os e angustiadas/os pelo que estão fazendo com os seus direitos humanos fundamentais sociais, reprimidas/os com violência quando se enchem de coragem para protestar contra o descaso a que foram relegadas todas as nossas políticas sociais, contra a alienação da nossa terra, a insegurança, a desigualdade econômica, e a corrupção quase generalizada entre quem manda e impõe comportamentos privada ou publicamente.
À corrupção, por exemplo, tem-se reservado atenção preferencial somente à necessária aplicação de pena e prisão às/aos corruptas/os, com uma deliberada e mal intencionada deslembrança dos efeitos sociais que as/os corruptoras/es provocam com o uso do poder econômico das propinas para comprar o desvio do dinheiro necessário aos direitos sociais.
A inspiração do grito das/os excluídas/os deste ano, como já aconteceu em outros anos, conta com o apoio expresso da CNBB. Em nota, sob o título “Vida em primeiro lugar” a Conferência deixou um recado claro sobre a oportunidade dessa manifestação pública no seu site:
A sociedade brasileira está cada vez mais perplexa, diante da profunda crise ética que tem levado a decisões políticas e econômicas que, tomadas sem a participação da sociedade, implicam em perda de direitos, agravam situações de exclusão e penalizam o povo brasileiro pobre.
Essas quatro consequências das políticas implementadas pelo atual (des)governo - ausência de participação da sociedade, perda de direitos, exclusão e penalização do povo pobre - confirmam tanto a irrelevância a que está submetida a nossa Constituição de 1988, quanto o golpe político institucional que foi perpetrado há mais de um ano sobre o Brasil. Aqui não vige mais verdadeira democracia. São consequências que fazem eco à previsão que a mesma entidade dos bispos já fizera mais de duas décadas passadas:
“As diretrizes da ação pastoral da Igreja no Brasil (1991 – 1994) afirmam que o modelo econômico em nossa pátria se caracteriza pela separação entre a economia e a ética. {...}. O processo de modernização de modernização tecnológica põe a ciência como fator decisivo na produção da riqueza e faz diminuir a importância do trabalho, com risco de tornar a pessoa humana reduzida a mercadoria. O mercado se torna o centro de tudo. A encíclica “centesimus annus” nos diz que “é tarefa do Estado prover a defesa e tutela dos bens coletivos, como o ambiente natural e o ambiente humano, cuja salvaguarda não pode ser garantida por simples mecanismo de mercado”. Além do Estado tem também a empresa um papel social”. (Ética: Pessoa e Sociedade, São Paulo: Paulinas,1993, p.89)
Uma economia, um direito, uma lei, uma política, indiferentes à ética, só podem alcançar maus efeitos e o grito das/os excluídas/os deste ano reforça a urgência de se demonstrar que a falácia da “volta à normalidade”, apregoada pelo atual (des) governo, em verdade é uma volta ao círculo vicioso da exploração desumana do trabalho, da política de favorecimento do capital sem função social, do enriquecimento sem causa e do locupletamento ilícito de quem domina o Estado à revelia do povo. Está crescendo o número das pessoas sem pátria na sua própria pátria.
O grito das/os excluídas/os pode e deve ser ouvido sobre isso, não como mera “concessão pública”, mas como expressão do direito do povo a uma democracia real, efetiva, participativa, própria de um Estado que se queira realmente de direito e não simulando tudo isso para ocultar o seu verdadeiro caráter que outro não é o do Estado de exceção.
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Da semana da pátria à semana das/os sem pátria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU