28 Junho 2017
Em um livro sobre o uso da palavra “crise”, o filósofo francês Edgar Morin denuncia as distorções do nosso tempo. “Um indivíduo não se torna terrorista só porque tem fome. A consciência moral regrediu por toda a parte.” No livro Per una teoria della crisi [Por uma teoria da crise] (Ed. Armando, 96 páginas), estão reunidas algumas reflexões do autor sobre o conceito de “crisologia”. O livro inicia com uma conversa com François L’Yvonnet, da qual o jornal Avvenire, 27-06-2017, antecipou algumas páginas. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A mundialização é um processo que começou há alguns séculos, com a conquista das Américas, depois com a do mundo por parte do Ocidente, mas, a partir dos anos 1990, assistiu-se a uma mundialização acelerada, tecnoeconômica, com a generalização em todos setores das comunicações planetárias, criando uma comunidade de destino para todos os homens que, agora, devem se defrontar com os mesmos problemas e com os mesmos perigos, sejam eles os da biosfera ecológica, da propagação de armas destruidoras, particularmente nucleares, da economia cada vez menos regulada, da dominação descontrolada das finanças internacionais etc. Quer se trate da crise das sociedades tradicionais sob o peso da ocidentalização, quer da crise com a qual o próprio Ocidente se defronta. O Ocidente oferece como solução ao resto do planeta aquilo que é um problema no seu interior! Há, portanto, para todos os efeitos, uma crise da humanidade que não consegue ser humanidade. É outro uso da palavra crise.
Mas a palavra, aqui, ainda está “inflacionada”. Porque, hoje, a “crise” está por toda parte! Começando pela crise econômica evidente, que a maioria dos economistas não tinham previsto e da qual, ao contrário, haviam anunciado o fim! No entanto, o uso da palavra “crise” me parece justificado no sentido que acabo de lhe dar: época de incertezas, em particular em relação ao futuro, época em que tudo é possível, incluindo as piores catástrofes, ecológicas, nucleares, políticas.
O trans-humanismo, por exemplo, anuncia euforicamente uma nova era da humanidade – já presente em potência – com a perspectiva de viver mais tempo permanecendo jovem e de se livrar das atividades mais cansativas e supérfluas, graças à difusão dos robôs, até mesmo no âmbito das atividades psicológicas e intelectuais. Mas, se é inegável que há progressos científicos e técnicos de caráter emancipador e transformador, também aumentaram as potenciais catástrofes, até porque a consciência humana, no sentido intelectual e moral, regrediu um pouco em toda parte.
Vivemos uma comunidade de destino, é um fato, mas a consciência não faz progressos: a mundialização tecnoeconômica, no seu caráter abstrato e ocidentalizado, desencadeia um pouco em toda a parte reações refratárias e de fechamento. Na França, os progressos da Frente Nacional são a prova desse medo e desse isolamento.
Em outras palavras, quanto mais somos solidários com a humanidade no seu conjunto, mais buscamos “dessolidarizar” com o resto do planeta, mais queremos nos “deseuropeizar”, “desmundializar”... É um sintoma da crise.
A isso, é preciso acrescentar uma regressão do pensamento e do conhecimento. Os progressos da educação multiplicaram e difundiram um conhecimento fragmentário, setorial, onde há especialistas competentes apenas dentro de cada ramo do conhecimento. Perdeu-se a capacidade de poder conectá-los entre si, de produzir uma síntese. Quanto mais a mundialização progride, menos se pensou sobre a sua verdadeira natureza... e mais ela é considerada em um apenas um dos seus aspectos.
Em uma edição recente do jornal Le Monde, um artigo trazia o título: “Terrorismo e populismo: a solução é econômica, diz Emmanuel Macron” [na época da publicação do texto (2016), ele era o ministro da Economia francês]. Desses fenômenos, que certamente têm uma dimensão econômica, não se considera nada mais do que essa dimensão. Enquanto é evidente que um indivíduo (ou um grupo de indivíduos) não é empurrado para o terrorismo só porque morre de fome ou porque não têm sapatos.
O pensamento e a consciência estão em regressão em relação às necessidades do mundo atual. Isso não exclui a possibilidade de uma virada inesperada. A História não é linear. Portanto, há uma profunda crise da humanidade que não se dá conta de que é uma crise da humanidade. Enquanto isso, ainda há quem não hesita em falar de mundialização feliz...
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Não se vence a crise com a economia. Artigo de Edgar Morin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU