16 Mai 2017
O pesquisador do Conicet e da Universidade Nacional de General Sarmiento publicou, juntamente com Hélène Combes, El clientelismo político (SigloXXI), uma tentativa de estabelecer as bases para alcançar uma ideia mais bem acabada do fenômeno. No livro, questiona as perspectivas instrumentalistas e propõe uma discussão política profunda e desmistificadora do termo.
A entrevista é de Natalia Aruguete, publicada por Página/12, 15-05-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Na Argentina, como em outros países latino-americanos, a palavra clientelismo parece ser feia. Este rótulo costuma ter um substrato moral e maniqueísta quando usado para desqualificar o outro, ainda mais se o que está em jogo é a troca de recursos do Estado. Gabriel Vommaro e Hélène Combes propõem, por outro lado, adentrar no clientelismo para poder sair dele. O clientelismo político é uma tentativa de estabelecer bases para alcançar uma ideia mais concreta deste fenômeno. Para isso, eles propõem uma definição que supere aquelas mais convencionais e simplificadoras. O clientelismo "é uma relação política personalizada entre atores abastecidos de recursos desiguais, onde muitas vezes há intercâmbio de bens públicos; uma relação regulada por princípios morais postos em jogo de maneira cada vez mais contraditória pelos atores envolvidos na mesma". Em uma conversa prolongada, Vommaro questionou as perspectivas instrumentalistas do termo e propôs uma discussão política profunda e desmistificadora do termo.
Gabriel Vommaro está imerso em política. No curso de sociologia, onde fez sua licenciatura, ensinou teoria política e teoria social. A partir de sua atividade acadêmica, aposta no trabalho de campo, para entender as singularidades do enredo social, cultural e político em um formato comparativo. Isso permitiu que ele enxergasse a dimensão da complexidade dos fenômenos. Fez seu Doutorado em Sociologia na École des Hautes Études en Sciences Sociales (no Centre de Sociologie Européenne).
Lá ele se comprometeu, entre outras temáticas, com o estudo do clientelismo, suas características distintivas e suas configurações em diferentes contextos geopolíticos e socioculturais, de onde surge seu mais recente livro, em coautoria com Hélène Combes. El clientelismo político (SigloXXI) propõe um percurso crítico do conceito, analisa os atores envolvidos nessa relação e descreve o sentido e o alcance que esse conceito teve na Europa e na América Latina, a partir de uma dimensão comparativa.
Vommaro dedica-se há anos ao estudo da prática política a partir da transição democrática, analisou a relação da mídia com a política e a opinião pública a partir de um olhar pouco convencional, cuja discussão ganha forma no livro Lo que quiere la gente (2008, Prometeo Libros). Ele também analisou a história e a vida interna do partido PRO, junto a Sergio Morresi e Alejandro Bellotti, refletido no livro Mundo Pro.
Eis a entrevista.
No livro El clientelismo político, a noção de clientelismo é definida. Qual é o papel da dimensão moral nesta definição?
Tentamos reunir no livro algumas perspectivas instrumentalistas, que enxergam o clientelismo como uma negociação calculada, e o olhar culturalista da antropologia, que dá peso à dimensão política, ou seja, como os padrões culturais intervêm na criação de hábitos culturais do clientelismo. Há uma longa tradição que analisa como o clientelismo está entrelaçado com laços de parentesco, de amizade, com outro tipo de relações sociais muito arraigadas em determinadas comunidades.
A definição que vocês propõem se encontraria na metade do caminho entre esses dois pontos de vista?
Nossa definição toma as relações clientelistas como relações moralmente construídas, onde os critérios de justiça, a sua maneira e quais os aspectos do intercâmbio são critérios morais armados pelas partes em uma relação reflexiva e recursiva. Tentamos não pensar os vínculos clientelistas como governados pela matéria inconsciente que faz com que os clientes se comportem de acordo com algum padrão que não compreendem, mas o que os guia.
Na verdade, no livro eles colocam em questão a ideia mecanicista do cliente como autômato que não racionaliza.
Essa é uma primeira pergunta. A segunda - para qual foi importante o alcance comparativo de nossa pesquisa, que trabalha terrenos, países e contextos históricos muito diferentes - é que o clientelismo atualmente é uma questão moral em um duplo sentido. Tal como eu disse, os atores negociam a justiça e aquilo que será trocado, assim como a maneira e a forma em que esses vínculos são produzidos.
O que você quer dizer com "a maneira e a forma"?
Me refiro ao que significa merecer um bem de consumo e o que é ser uma referência de bem, um bom líder: ser grato, ser leal, ser bom. São maneiras de construir esses vínculos personalizados em termos morais. O segundo sentido de moralidade se relaciona com o fato de que o clientelismo esteja sendo cada vez mais um problema de tensão pública, em que as ONGs envolvidas se interessam pelos direitos humanos, pelas questões de transparência e corrupção, bem como pelas organizações multilaterais que financiam programas sociais e querem que os gastos não sejam utilizados para fins políticos. É uma questão pública que também é mobilizada nas campanhas eleitorais, entre os candidatos que se denunciam mutuamente, e isso acontece tanto a nível local quanto geral. O clientelismo é também um rótulo, não apenas uma relação.
Com que sentido é usado como um rótulo?
É um termo usado para desqualificar. Isso leva uma pessoa a se perguntar quais questões o clientelismo está associado a um problema em diferentes períodos históricos e em diferentes contextos regionais. Existem bons trabalhos etnográficos que mostram muito bem como, por exemplo, em bairros populares, circula denúncias de clientelismo entre os próprios atores. Já não se trata de um assunto que o ilustre pesquisador se apropria para lançar luz a um fenômeno culto, mas passa a ser uma categoria que os atores usam. Nesses lugares, usa-se o rótulo para acusar, denunciar os atores e os partidos que são considerados como de atuação inapropriada. Em um bairro, pode ocorrer que haja referenciais políticos de diferentes setores que compitam pelo mesmo eleitorado, e que entre eles circule muita informação.
De que tipo?
Informações do tipo que são compradas a altos valores por pessoas de alto poder aquisitivo. No vínculo mais clássico - que ocorre entre o mediador, o cliente e o vizinho de um bairro - também pode aparecer a frase: "eu não te manipulo, você faz o que quer"; e nesse momento a ideia de clientelismo surge como manipulação entre as partes.
No livro, a dimensão moral aparecia como um aspecto externo para a definição de clientelismo que era usada para desqualifica-la. No entanto, você a apresenta como um elemento constituinte de sua definição.
É que eu acredito que são duas dimensões da vida moral do clientelismo que estão intimamente conectadas. Podemos distingui-las. Por exemplo, quando as pessoas negociam os termos de uma relação personalizada onde existem laços laborais difusos, que não estão regulamentados, onde também existem disposições morais mediante as quais são negociados os termos dessa relação. Mas ao mesmo tempo, nos vínculos clientelistas, os clientes de um bairro também são telespectadores, leitores de jornais ou de redes sociais. Eles não são pessoas que vivem isoladas, mas que consomem imagens de si mesmos e do seu próprio bairro.
Você acredita que esses estereótipos que são consumidos são reproduzidos, ou até mesmo desempenhados?
As pessoas recebem os estereótipos e podem usá-los de maneira crítica ou acriticamente. Podem usá-lo para confirmar o discurso: "todos os políticos são ruins, todos roubam..." ou para dizer: "não sou como eles". Há algum tempo fiz uma comparação etnográfica junto a Julieta Quiros que se chama "Usted vino por su propia decisión" (Você veio por sua própria vontade).
Por que escolheram esse título?
Porque foi o que um líder de bairro disse a uma pessoa que ia participar de um ato. Aos olhos do observador acadêmico, era importante deixar estabelecido que a outra pessoa estava indo sem ser manipulada. Os estereótipos e as observações críticas de como a política face a face se desenvolve são incorporadas e assimiladas pelos próprios atores. Portanto, retornando à questão, essas duas faces da vida moral das relações se conectam muito e por isso são altamente dependentes da historicidade na qual se inscrevem. O problema clientelista dos anos 1950, para a antropologia do Mediterrâneo, e o problema clientelista da Argentina ou do México, nos anos 2000, não são a mesma coisa.
O que os ditos destas lideranças explicam? Em que medida vocês como pesquisadores ficam agarrados à "responsabilidade subjetiva" que é subjacente a essa frase? Ou vocês têm um olhar mais holístico, do conjunto, acerca desse tipo de relação?
Duas questões importantes. A primeira é que as relações clientelistas devem ser pensadas em configurações sociais mais amplas. Proponho como exemplo o clientelismo da Itália dos anos 1960, onde as classes médias colocavam seus membros no Estado através das redes da Democracia Cristã, o que nos leva a pensar como se configura a sociabilidade das classes médias nas cidades do centro e do sul da Itália, e como se criam os canais de acesso ao Estado. Embora haja uma reconstrução mais holística das condições de profundidade que compõem o clientelismo como relação, ao mesmo tempo o pesquisador que quer levar a sério a vida moral do clientelismo deve reconstruir as configurações morais do clientelismo.
A que se refere, especificamente?
A analisar como aparece o problema do clientelismo em cada país, de quais tipos de setores sociais se trata, quais mercadorias são intercambiadas, tentamos olhar também os critérios de justiça ou de vinculação que é construído em cada caso. Junto com isso, observar e falar sobre os atores em suas vidas cotidianas. Isso permite remeter às formas de falar, as formas de dizer, as formas de assimilar certos tipos de valores, que se vinculam com as variáveis macro que aparecem em uma análise holística. A questão das medições é um grande debate, pois até o momento a ciência política fracassou na elaboração de instrumentos viáveis para medir esse fenômeno, porque desconhece a vida moral do fenômeno. Pode haver variáveis quantitativas, mas é necessário também ter uma imersão qualitativa no campo.
Que tipo de instrumentos quantitativos você se refere?
Nas últimas décadas a questão do problema do clientelismo aparece vinculado com a manipulação de bens de origem pública. Isso está intimamente ligado com a eficácia dos programas sociais, no que tange a sermos ou não manipulados em prol dos vínculos clientelistas, como acontece, por exemplo, na América Latina. Houve tentativas de medir esta manipulação, perguntando às pessoas se elas haviam sido tentadas a votar ou ir à tal ato público em troca de um prato de comida. Em geral, as pesquisas deste tipo dão resultados muito pobres, porque muito poucas pessoas admitem isso. Além disso, foram feitas perguntas, tais como: "você conhece alguém que...?" Sim, todo mundo diz conhecer alguém que... o que acaba se tornando muito mais em uma teoria do rumor do que da prática clientelista. A necessidade de quantificar tais fenômenos deste tipo nos leva a caminhos sem saída.
Certamente, sobretudo se propõem variáveis de medição discretas com o objetivo de "explicar" um tipo de relação de alta complexidade.
Claro, são relações de longa duração em que as pessoas intercambiam coisas como parte de um vínculo, que estão relacionados com outras questões que excedem esse intercâmbio. Um fenômeno muito interessante, que ocorre principalmente nos casos do México e Argentina, encontra-se nos vínculos mediados por bens de origem pública que estão vinculados com políticas sociais que combatem a pobreza, com transferência de recursos dos Estados para as classes populares. Uma grande parte destas políticas ocorrem através de mediação local, formas de intermediação que estabelecem relações de longo prazo com as pessoas. Então, é muito raro que alguém chegue com os pratos de comida em um bairro e distribua-os. Pode ocorrer, mas é raro. Realmente, pensar os vínculos clientelistas como puro intercâmbio e pretender medir a frequência desse intercâmbio, é desconhecer uma outra dimensão que, para mim, é a mais importante.
Quais características tem essa outra dimensão do clientelismo que não é possível quantificar?
A literatura mostra que, em primeiro lugar, as relações clientelistas não são as únicas relações existentes em bairros ou a única forma que a política assume, tampouco são as formas fundamentais em que se relacionam entre si. Um pesquisador estuda os vínculos clientelistas quando quer pensar sobre as suas coisas mais complexas.
Como quais?
Como a transformação do vínculo entre o Estado e certos grupos sociais, a redefinição das formas de participação política. Fora deste contexto, é comum que seja perguntado o quão clientelista é uma sociedade.
Perdem-se de vista as singularidades, que vocês conseguem mostrar neste olhar comparativo. Por exemplo, quais traços diferenciais o caso italiano, apresentado no livro, apresenta?
Lá, os vínculos clientelistas estão muito relacionados com a maneira em que as classes médias resolviam estratégias de acesso dos seus membros ao Estado. O caso italiano nos permite abandonar a associação de clientelismo com a fome ou a necessidade, no sentido biológico da necessidade. Trata-se de relações que estabelecem critérios locais de troca entre uma pessoa que controla certos bens e outra que quer acessar a estes bens. Trata-se de bens de um tipo muito diferente, e o intercâmbio não supõe que o cliente esteja necessitado, no sentido de que se ele não tiver, esse bem morre. Isso é cair em uma perspectiva moral do observador, uma perspectiva catastrofista, suspendendo qualquer tipo de compreensão do fenômeno, porque tudo é terrível: a urgência, os pobres...
Como você descreve a relação entre o Estado e o local, a partir deste tipo de vínculos?
Trata-se dos vínculos das pessoas com o Estado, neste caso, de como os partidos ou movimentos são ou não mediadores entre os bens públicos e os cidadãos. Também existem questões relacionadas com as tradições culturais que são importantes. O caso japonês mostra a pressão das bases para com os deputados, através dos koenkai, que são os clubes locais. Em determinados momentos a pressão para que os deputados se encarregassem de festas para seus seguidores foram tão grandes que foi preciso criar uma lei para proibir as despesas públicas dos deputados com a sua clientela, não tanto para proteger o cliente de ser manipulado, mas para proteger o deputado da pressão exercida desde as camadas mais baixas. Se deixarmos a simplificação de associar o clientelismo com a pobreza e a necessidade podemos reconstruir essas complexidades culturais, de configurações sociais, organizacionais, para entender como certas pessoas resolvem determinados problemas ou a apropriação de recursos.
No livro vocês retomam uma ideia eloquente de Denis Merklen: a relação das classes populares com os políticos não pode ser analisada apenas a partir da relação clientelista. Como discutir a perspectiva simplista e estereotipada da relação dos pobres com a política?
O livro começa definindo clientelismo e termina propondo deixá-lo. O livro nasce de nosso próprio desconforto: Hélène e eu estávamos insatisfeitos com o conceito, com a maneira em que estava definido e tratado. Este livro propõe-se a estabelecer bases para uma ideia mais bem acabada do clientelismo.
Acreditamos que é melhor pensar em como a economia moral foi construída a partir dos vínculos políticos ou como os atores constroem as relações vinculadas com uma determinada função específica. Existem elementos que fornecem ferramentas mais ajustadas para pensar estes vínculos políticos personalizados do que o rótulo do clientelismo. Nós decidimos adentrar nessa conceituação e sair com uma definição mais complexa. Com nossa definição, assumimos que é possível permanecer no clientelismo com a condição de abarcar todas essas dimensões. Quando sair e entrar, não estou me referindo ao fenômeno, mas ao conceito. Se usarmos este conceito, precisamos defini-lo melhor, incorporando essas dimensões que não haviam sido pensadas. Quando o conceito é estendido demais, saímos do conceito e pensamos outras questões.
Como um pesquisador lida com suas próprias convicções, valores e percepções, ao estudar os vínculos clientelistas?
Quando me entrevistam sobre o livro, me perguntam: "clientelismo é algo bom ou ruim, faz bem ou mal para as pessoas?". Como cientistas sociais estudamos atores que gostamos e outros que não. Uma primeira dimensão é a compreensão do fenômeno, os mecanismos que o constituem, a lógica de suas orientações, sem a qual é impossível qualquer tipo de julgamento. Mas, além disso, nos casos de Argentina e México que estudamos no livro, diante do estigma de determinados setores sociais, sentimos que ter uma definição mais complexa e ajustada do fenômeno era propor uma perspectiva menos simplista, menos estigmatizada da forma em que certos grupos sociais fazem política. Nossa dimensão política está aí.
O que você responde quando perguntam se o clientelismo é bom ou ruim?
Que se eu fizesse o mundo a partir do zero, com uma massinha de modelar, provavelmente não colocaria "clientelismo" neste mundo, mas colocaria paz, justiça, igualdade. Mas como cientista social, não me dedico a fazer mundos com massinha da forma que eu desejar, mas compreendê-los, então, pouco importa para mim se o clientelismo é bom ou ruim.
Por que Gabriel Vommaro? Uma perspectiva sociológica da política.
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Os mitos do clientelismo. Entrevista com Gabriel Vommaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU