13 Março 2017
O dia 12 de março marca o 40º aniversário da morte do servo de Deus Rutilio Grande, sacerdote jesuíta de El Salvador, cujo sacrifício está na base da radicalidade evangélica do Bem-aventurado Óscar Arnulfo Romero, ele também morto no dia 24 de março de 1980. O Pe. Rutilio, amigo e colaborador do arcebispo mártir, foi assassinado três anos antes: no dia 12 de março de 1977.
A reportagem é de Luis Badilla, publicada no sítio Il Sismografo, 12-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Dom Romero mais de uma vez confessou que a morte de Rutilio Grande estava na raiz da sua “conversão”. Esse horrendo crime, obscuro e sem punição, que amadureceu seguramente na lógica pagã e anticristã dos esquadrões da morte a serviço dos grupos oligárquicos salvadorenhos, convenceu Dom Romero de que a realidade do país era bem diferente daquele que ele, na sua bondade inata, imaginava como determinada por forças incontroláveis.
Dom Romero e o Pe. Rutilio Grande, seu cerimoniário
Esse horror, os corpos mutilados de três pessoas inocentes e, entre elas, do seu querido amigo, que, aliás, tinha sido o seu cerimoniário no dia da posse da diocese de El Salvador (foto acima, 1970), levou-o gradualmente, mas rapidamente, a entender que o país estava nas mãos de forças internas e externas, obscuras e criminosas, que pensavam apenas em roubar e expropriar as riquezas materiais e existenciais do povo salvadorenho.
Grande e Romero se conheciam bem e tinham trabalhado juntos em diversas circunstâncias, e sobre isso o arcebispo falou na homilia da missa do funeral do jesuíta no dia 14 de março de 1977 (a homilia está disponível aqui, no original em espanhol), inconsciente de que se uniriam no martírio e na santidade.
O Pe. Rutilio Grande, nascido em 1928, tinha 49 anos quando foi morto junto com outros dois agricultores que o acompanhavam: Manuel Solórzano, 70 anos, e Nelson Rutilio Lemus, de 16. Ele era sacerdote há 18 anos e, em tão pouco tempo, tinha se ocupado com sucesso da formação dos novos sacerdotes e de projetos de promoção social. No dia da sua morte, ocorrida enquanto ele se dirigia para celebrar a Eucaristia, ele estava à frente da pastoral na cidadezinha de Aguilares.
Em fevereiro de 2005, Dom Vicenzo Paglia, postulador da causa do arcebispo Romero, declarou: “Há três meses já foi aberto em San Salvador o processo de beatificação do Pe. Rutilio Grande, porque é impossível entender Romero sem entender Rutilio Grande”.
Sobre o Pe. Rutilio, muitas vezes recordam-se estas sinceras palavras sobre a situação de El Salvador: “Dou-me conta perfeitamente de que, muito em breve, a Bíblia e o Evangelho não poderão cruzar as fronteiras. Só chegarão até nós as capas, já que todas as páginas são subversivas. Se Jesus cruzasse a fronteira perto de Chalatenango, não o deixariam entrar. Acusariam o homem-Deus, o protótipo do homem, de ser um agitador, um forasteiro judeu, que confunde o povo com ideias exóticas e estranhas, ideias contra a democracia, isto é, contra a minoria dos ricos, o clã dos ‘Cains’. Irmãos, não há dúvida de que voltariam a crucificá-lo”.
Eis alguns trechos do discurso mais conhecido do Pe. Rutilio Grande, conhecido como o “Sermão de Apopa” (na íntegra aqui, no original em espanhol):
"Desde o papa, passando pelos bispos, até o último pároco de aldeia, somos servidores no meio da comunidade, que é o Povo de Deus."
"A Igreja não deve ser um museu de tradições mortas, de enterradores. Ela se estende por todas as nações, línguas, raças e culturas diversificadas do mundo, em históricas concretas que os povos vivem."
“Temo muitos, meus queridos irmãos e irmãs, que, muito em breve, a Bíblia e o Evangelho não poderão entrar nas nossas fronteiras. Só nos chegarão as capas e nada mais, porque todas as suas páginas são subversivas. Subversivas contra o pecado, naturalmente! Chama a minha atenção a avalanche de seitas importadas e de slogans de liberdade de culto (…) Liberdade de culto, liberdade de culto! Liberdade de culto para que nos tragam um deus falso! Liberdade de culto para que nos tragam um deus que está nas nuvens, sentado em uma rede. Liberdade de culto para que nos apresentem um Cristo que não é o verdadeiro Cristo. É falso e é grave! Temo muito, irmãos, que, se Jesus de Nazaré voltasse como naquele tempo, descendo da Galileia à Judeia, isto é, de Chalatenango a San Salvador, eu me atrevo a dizer que ele não chegaria com as suas pregações e ações, neste momento, até Apopa. Eu acredito que o prenderiam ali, na altura de Guazapa. Levariam-no a muitas Juntas Supremas por ser inconstitucional e subversivo. O homem-Deus, o protótipo de homem seria acusado de revoltoso, de judeu estrangeiro, de enredador com ideias exóticas e estranhas, contrárias à ‘democracia’, isto é, contrárias à minoria (…) Sem dúvida, irmãos, voltariam a crucificá-lo. E oxalá, que Deus me livre, eu também estaria, talvez, na fila dos crucificadores!”
"Alguns querem um deus das nuvens. Não querem esse Jesus de Nazaré, que é escândalo para os judeus e loucura para os pagãos. Querem um deus que não lhes interrogue, que lhes deixe tranquilos (...) No cristianismo, é preciso estar disposto a dar a própria vida a serviço por uma ordem justa, para salvar os demais, pelos valores do Evangelho."
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El Salvador. Os 40 anos do assassinato do jesuíta Rutilio Grande - Instituto Humanitas Unisinos - IHU