"Soropositivo aos 12 anos, vou lhes contar a minha batalha contra o medo dos outros"

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21 Fevereiro 2017

“Eu escrevi o livro para combater o ‘medão’ das pessoas.” “Medão”? “Sim, ‘medão’. É como eu e a minha mãe chamamos essa mistura de medo e ignorância que as pessoas sentem quando descobrem ‘a coisa.”

A reportagem é de Alessandra Corica, publicada no jornal La Repubblica, 10-02-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Giovanni F., 12 anos, morde o último pedaço de würstel e começa novamente a contar, sentado a uma mesa de uma pizzaria no bairro onde mora em Milão, com a sua mãe. Que se vira para olhar depois de cada frase e sempre o segura pela mão. As bengalas que o ajudam a caminhar, por causa de um problema neurológico que ele teve quando tinha poucos meses, estão apoiadas na parede.

“Quando me disseram sobre ‘a coisa’, eu sabia o que era, mas não estava tudo muito claro: a minha mãe me ajudou, meu pai também, os médicos e as outras crianças do Hospital Sacco também. E agora estou melhor.”

“A coisa” é o HIV: Giovanni convive com ele desde o nascimento, mas descobriu apenas há alguns meses. Quem lhe transmitiu foi a sua mãe, soropositiva desde meados dos anos 1990: na Itália, são cerca de mil as crianças, como ele, soropositivas desde o nascimento.

Sobre a sua história e sobre a dos meninos que estão sendo tratados com ele na seção de Infectologia Pediátrica do Hospital Sacco de Milão, Giovanni F. escreveu um livro: Se hai sofferto puoi capire [Se você sofreu pode entender], publicado pela Chiarelettere e redigido a quatro mãos com o escritor Francesco Casolo. Um relato em primeira pessoa, em que Giovanni (que é um nome fictício) explica o que significa conviver com uma doença que, do ponto de vista social, ainda é um estigma.

“Você não pode falar para todos sobre ‘a coisa’. Você deve saber, antes, se não vão fugir. É preciso um radar para entender isso.”

Eis a entrevista.

É por isso que você não usou o seu nome de verdade no livro?

Sim. Na escola, ninguém sabe sobre ‘a coisa’. A mãe contou para os amigos delas, mas ela é grande, enquanto para mim é diferente. Ela sempre me diz para ter cuidado.

E por que você escolheu o nome Giovanni F.?

Porque ele é o meu ídolo!

Ele quem?

Ele, Giovanni Falcone: o juiz, sabe? Na escola, lemos um livro sobre ele, e ele se tornou o meu mito. Quando crescer, quero ser como ele, ser juiz.

E por que você quis contar a sua história em um livro?

(Ele olha para a mãe, que dá uma piscadela. Ele responde com uma carícia.) Tudo começou no hospital. Queríamos contar a minha história e a de todos aqueles como eu: somos como uma “seita”, que deve manter um segredo escondido do mundo. Assim, começamos a trabalhar nisso, e nasceu o livro. Que fala sobre como viver com ‘a coisa’ e como você deve ter cuidado ao dizer isso às pessoas.

Por quê?

Você não pode ter certeza, de imediato, se pode confiar em uma pessoa ou não: talvez você lhe diz tudo, e ela, depois, deixa de ser sua amiga. Porque ela começa a ter o “medão”, sai dizendo por aí, e você se encontra em apuros.

É por isso que é preciso um radar?

Sim, é claro. O radar é aquela coisa que, pouco a pouco, faz com que você entenda a quem pode dizer e a quem não. Eu treino isso todos os dias. Quando crescer, acho que vou ser muito bom.

Mas, além de treinar o radar, o que você faz?

O pós-escola, às segundas-feiras. Piscina, duas vezes por semana. Aos sábados, o curso de teatro que eles dão no Hospital Sacco. Aos domingos, sou coroinha na igreja, e às vezes o jogo do Milan com o pai. Como os meus colegas, enfim.

Como você imagina o vírus?

Como muitos soldados com a armadura do Darth Vader, do Star Wars, todos vestidos de preto: você já viu o filme? Então, eles correm no sangue e lutam todos os dias contra os soldados bons, que estão vestidos de branco e estão ganhando. Eles, os brancos, são os remédios.

Você toma muitos?

(Ele pensa, conta nos lábios.) Sete comprimidos por dia. Mas faço tudo sozinho: não preciso que a mãe me lembre. Eu sou bom nisso.

* * *

Depois, ele se vira para olhá-la, pisca e sorri. E lhe abraça forte: “Socorro, assim você me esmaga”, diz ela.

“Mas, mãe, quanto mais eu aperto você, mais eu gosto de você.”

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