19 Janeiro 2017
Em 27 anos foram assassinados 44 sacerdotes e o roteiro é sempre o mesmo: mentiras, confusões, calúnias, intimidações anticlericais e justiça em muito poucos casos. As “dúvidas” insidiosas e dolorosas.
A reportagem é de Luis Badilla e Francesco Gagliano, publicada por Vatican Insider, 17-01-2017. A tradução é de André Langer.
Joaquín Hernández Sifuentes é o último sacerdote assassinado no México. Desapareceu no dia 03 de janeiro na cidade de Saltillo, Coahuila, e nove dias depois seu corpo foi encontrado com outros dois cadáveres em Parras.
De acordo com a polícia local, o sacerdote foi estrangulado, provavelmente pouco tempo depois do momento de seu desaparecimento. No ano passado, no México, outros três sacerdotes foram mortos quase com a mesma modalidade: sequestro, desaparecimento e assassinato. No total, nos últimos quatro anos, foram assassinados 16 sacerdotes, e desde 2006 até hoje, 37. Nos últimos 27 anos, de 1990 até hoje, 44 sacerdotes foram assassinados. O SIAME, Sistema de Informação da Arquidiocese da Cidade do México, e o CCM, Centro Católico Multimídia, em suas investigações, documentaram uma situação alarmante para o clero mexicano, em particular o diocesano: homicídios, sequestros, torturas, extorsões, profanações de lugares de culto, ameaças de morte e agressões ou intimidações de diversos tipos.
Estes são os elementos básicos de um dado que foi confirmado indiscutivelmente por muitas investigações, inclusive por jornais: o México, há vários anos, é o país mais perigoso do mundo para os sacerdotes e, em geral, para os agentes de pastoral. Em torno deste tipo de “maldição” é possível identificar uma série de considerações que complicam a questão devido à rede de mentiras, silêncios, confusões, vinganças, medos, chantagens e intimidações anticlericais.
No assassinato de todos estes sacerdotes, inclusive do Pe. Hernández Sifuentes, a última vítima da longa lista, o roteiro se repetiu com precisão quase mecânica. Mudam os nomes das vítimas, mas o “modelo”, corrigido e aumentado, é cada vez mais eficiente.
Está claro que os autores intelectuais destes assassinatos de sacerdotes, quase nunca identificados, descobriram um método criminoso que lembra o do “atacar um para educar 100”.
Muitas vezes, as vítimas escolhidas eram sacerdotes com raízes significativas no território e com grande capacidade de comunicação, quase sempre comprometidos com a denúncia e a condenação da criminalidade, que é endêmica em muitas regiões do país. Pessoas, pois, muito comprometidas com a pastoral social, com grande capacidade de mobilização, capazes de colocar em marcha, com uma forte participação cidadã, projetos de promoção humana e, ao mesmo tempo, capazes de organizar e dar voz aos protestos contra as injustiças, os abusos e a contaminação das investigações que as organizações criminosas impõem às comunidades rurais e nas cidades (muitas vezes com a aprovação e com a corrupção desse mesmo poder que deveria proteger os cidadãos) pelos interesses desse monstro que está devorando o México: o narcotráfico.
Uma vez identificado o alvo, os criminosos mexicanos privilegiam o sequestro, antecâmara do homicídio, porque sabem que podem obter benefícios também com o desaparecimento da vítima e, nesta fase do plano criminoso, podem contar com curiosos apoios da imprensa. Como se sabe, poucas horas depois da notícia do sequestro de um sacerdote chegam quase certo os artigos que semeiam as dúvidas de sempre na opinião pública: as razões de tal desaparecimento talvez estejam relacionadas com questões sentimentais; a vítima era alvo de fofocas sobre alguns dos seus comportamentos sexuais; era um pederasta; gastava o dinheiro das oferendas no jogo; em sua vida passada há passagens pouco claras e um obscuro passado retornou para exigir o pagamento da fatura...
No ano passado, em um caso que teve grande repercussão na imprensa, os veículos de comunicação mais importantes divulgaram inclusive um vídeo em que, diziam, se “vê o sacerdote desaparecido sair de um hotel em companhia de um rapaz” com o qual teria passado a noite. Quando o senhor do vídeo, que obviamente não era o sacerdote sequestrado, se apresentou à polícia para declarar que o rapaz era o seu filho, nenhum dos meios de comunicação teve o mínimo de interesse para desmentir a notícia e a calúnia. E nunca aconteceu que, sobre estas vítimas – ainda desaparecidas ou mortas comprovadas, caluniadas na imprensa com todo tipo de infâmias, ou, na melhor das hipóteses, com conjecturas fantásticas e sensacionalistas – tenha havido um desmentido, uma correção ou uma precisão.
O que está acontecendo no México com o assassinato de sacerdotes é cada vez mais evidente. Sustentam-no todos os analistas dos centros de estudos mais sérios e importantes: neste país as diferentes formas e organizações do narcotráfico, cartéis e formas de micro-criminalidade, declararam guerra a essa parte da Igreja católica, sobretudo aos sacerdotes, que denuncia e se opõe aos seus interesses criminosos. Sustenta-o há anos e em diferentes relatórios o Departamento de Estado dos Estados Unidos da América, além dos principais centros internacionais e regionais que monitoram a realidade mexicana.
Esta situação não é uma opinião ampla e convincentemente compartilhada, muito pelo contrário. Em geral, as autoridades governamentais federais e estaduais tratam de diminuir a gravidade destes fatos e, não poucas vezes, altos funcionários contribuem para criar maiores confusões, para despistar as investigações ou matar pela segunda vez a vítima com o terrorismo das fofocas.
Parece que a palavra de ordem é sempre e a todo custo “minimizar”, com qualquer meio e, sobretudo, criticando as estatísticas; assim, com técnicas midiáticas difamatórias ou o silêncio, estes crimes do narcotráfico transformam-se em “tristes e deploráveis” assuntos de página policial, fruto de brigas casuais, roubos com violência que acabaram mal ou assuntos estritamente privados. Enquanto isso, obviamente, o crime organizado fica calado: não reivindica nunca nada, faz finta de estar alheio aos fatos ou, pior, quando pode fazer circular rumores escandalosos contra os assassinados o faz com enorme entusiasmo e segurança, apoiando-se nessa parte do tecido social contaminado e que convive com o narcotráfico. Em diferentes casos, foram vistos, dias após os sequestros ou durante as investigações, muitas “testemunhas” que dão suas declarações sobre o desaparecido com o claro objetivo de denegrir sua imagem e seu trabalho, como se quisessem sentenciar: se foi sequestrado, foi porque seus autores tiveram alguma razão.
No entanto, surpreendentemente, a própria Igreja católica no México, a este respeito, tem uma conduta singular e titubeante. As numerosas declarações que muitos bispos deram ao longo destes anos têm o denominador comum de uma preocupação geral: a de não passar a ideia de que após tantos crimes haja uma perseguição religiosa, opinião que seguramente não é verdadeira e correta. Na maravilhosa história da Igreja católica mexicana há um passado terrível e dilacerante de perseguição e esta memória dolorosa muitas vezes condiciona muitas das suas condutas. Nesta comunidade eclesial sempre esteve vivo o temor de voltar a viver situações semelhantes e, portanto, instintivamente, tende a afastar o fantasma de novas perseguições. É por isso que, diante deste tipo de hecatombe de sacerdotes, a hierarquia seja peremptória: não há nenhuma perseguição religiosa. Como foi dito anteriormente, sim, substancialmente trata-se de uma opinião verdadeira, mas...
Está claro que não se trata de ações criminosas “in odium fidei” e que, portanto, neste sentido, não seria correto falar de perseguição religiosa. Mas também está claro, e é indiscutível, que os sacerdotes mexicanos há anos se converteram em alvos específicos do narcotráfico, e por isso a Igreja não pode ser redutora em suas considerações e análises. Esta forma de raciocinar pode provocar confusão e não é educativa. Além do mais, ela pode ser inclusive injusta com aqueles que perderam a guerra nesta guerra subterrânea.
O Pe. Alfonso Miranda Guardiola, da Conferência Episcopal do México, declarou em outubro do ano passado naquele que foi o seu primeiro encontro com a imprensa: “Não vemos nenhuma perseguição aberta contra os sacerdotes como se eles fossem um alvo. Para nós, são fatos que devem ser inseridos no clima social que o país vive”, e neste clima “os sacerdotes não estão imunes, são como qualquer cidadão. Como Igreja, devemos estar atentos e nos preparar para saber como tratar este clima, posto que os sacerdotes se encontram em todas as partes do país, inclusive nos lugares onde existe a maior violência e onde há uma presença do crime”.
Compreende-se bem o sentido último das palavras do padre Miranda, em particular quando, sem dizê-lo explicitamente, relaciona justamente a sorte dos sacerdotes mexicanos com a do povo que também está envolvido no martírio. Mas, há algo que convence um pouco menos: que os sacerdotes desta nação não são um alvo específico da violência que açoita o país. Os números das estatísticas indicam algo e não se pode evitar tirar conclusões, pelo menos em relação à pastoral da Igreja que, na defesa da dignidade humana de cada mexicano, se aproxima, com audácia profética e coragem evangélica, das fronteiras do crime. É verdade que as vítimas não foram executadas apenas porque eram sacerdotes, mas também é verdade que foram executadas porque eram fiéis ao seu ministério e à sua missão.
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México. Os assassinatos de padres, um mistério não inteiramente esclarecido - Instituto Humanitas Unisinos - IHU