02 Setembro 2016
Refugiados e Migrantes: que ninguém decline da sua responsabilidade. O papa coloca a questão, reiterando mais uma vez a importância dessa grande e dolorosa vicissitude humana, e faz isso com uma escolha absolutamente inédita, que se traduz em um ato sem precedentes na atribuição de serviços que a Cúria Romana é chamada a prestar à Igreja universal.
A reportagem é de Stefania Falasca, publicada no jornal Avvenire, 01-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por isso, Francisco vai se envolver, por primeiro, com os refugiados e migrantes, diretamente, do modo que considerar oportuno. Assim está estabelecido no estatuto do novo dicastério vaticano para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, cuja orientação ele deu ao cardeal ganês Peter Kodwo Appiah Turkson.
O artigo 1, parágrafo 4, do estatuto especifica que essa seção "está posta ad tempus sob a orientação do Sumo Pontífice" e que ele "a exerce do modo que considerar oportuno".
Enquanto considerar necessário, o bispo de Roma advogou para si essa competência e responsabilidade. O Papa Francisco agirá mediante dois vices, que responderão diretamente a ele. Portanto, mesmo que a fusão preveja que o atual Pontifício Conselho para os Migrantes e os Itinerantes – que até hoje foi governado pelo cardeal Antonio Maria Vegliò – se torne uma das seções do novo dicastério, a sua importância com a decisão atual será, na realidade, ainda mais destacada. Tendo como comissário especial o próprio bispo de Roma.
Essa decisão inédita, que afunda as suas raízes na reforma da Cúria Romana desejada pelo Bem-aventurado Paulo VI, quando o papa mantinha para si as prefeituras do Santo Ofício, certamente é um modo incisivo para ressaltar as urgentes necessidades humanas e sociais, e explica o empenho do Papa Francisco em primeira pessoa, seguindo os sinais dos tempos, porque "não pode haver hoje um serviço ao desenvolvimento humano integral sem uma atenção particular ao fenômeno migratório".
Com esse ato, Francisco quer dar o exemplo "ad intra" e "ad extra", em um tempo em que o fechamento e a indiferença rejeitam reconhecer que aqueles que fogem da guerra ou por causa de uma injusta distribuição dos recursos do planeta "é um irmão com quem é preciso partilhar o pão, a casa, a vida", um tempo em que o egoísmo gangrenado do consumismo das nossas sociedades teme a mudança de vida e de mentalidade que a sua presença requer. E aqueles que se chamam cristãos não os reconhecem como "carne de Cristo". E, "tratando os imigrantes como um peso, um problema, um custo", não os consideram como "um dom" e, por isso, um recurso, uma possibilidade de enriquecimento, como repetiu o Papa Bergoglio também na última visita ao Centro Astalli em Roma, encorajando um caminho que se torna cada vez mais necessário, "única via para uma convivência reconciliada". Por acaso, não são os refugiados que "conhecem os caminhos que levam à paz porque conhecem o cheiro acre da guerra"?
Com esse novo ato estatutário, Francisco sela também o seu pontificado, marcado pelas iniciativas de proximidade tomadas como leitmotiv destes anos. Desde o início. A partir daquele primeiro blitz em Lampedusa, em julho de 2013, a partir de onde – em meio às vítimas dos barcos – lançou o seu grito para sacudir a indiferença do mundo.
Naquela porta de fronteira e de entrada, ponto de fratura onde se rompe a fronteira entre o desespero e a esperança, onde, com a dignidade e a vida, encontra a morte a confiança no amanhã, não só dos mais pobres, mas de todos nós. A partir daquela que foi, desde então, uma passagem-chave na rota da reforma que Francisco está seguindo nas pegadas do pobre frade de Assis, do qual tomou o nome e com o qual compartilha o amor sem hesitação pela pobreza.
E, assim, de novo no início deste ano, levantando bem alto a voz na fronteira do México com os Estados Unidos, em Ciudad Juárez, na "cidade dos ossos", onde se despedaçam os sonhos dos últimos. E, depois, com o crescimento do conflito na Síria, pedindo que cada paróquia acolhesse uma família de refugiados. Depois, no dia 16 de abril, junto também com o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu, e com o arcebispo ortodoxo de Atenas, Hyeronimos, em uma única voz no campo de refugiados de Moriá da ilha grega de Lesbos. E, surpreendentemente, na viagem de volta para Roma, trazendo consigo no avião 12 refugiados muçulmanos, porque está escrito no Evangelho que é preciso se fazer próximo de todos, sem distinção de fés, raças e classes sociais.
"Em todo o seu ser e o seu agir, a Igreja é chamada a promover o desenvolvimento integral do homem à luz do Evangelho", afirma o motu proprio, aprovado pelo Papa Francisco – junto com o estatuto, ad experimentum – no dia 17 de agosto, sob proposta do C9.
Um desenvolvimento que é implementado – está escrito no documento – mediante o cuidado pelos "bens imensuráveis da justiça, da paz e da salvaguarda da criação" e que vê "a solicitude da Santa Sé nos âmbitos acima mencionados, assim como naqueles que dizem respeito à saúde e às obras de caridade".
Por isso, o novo dicastério será particularmente competente nas questões que dizem respeito às migrações, aos necessitados, aos doentes e aos excluídos, aos marginalizados, aos atingidos por desastres naturais, aos presos, aos desempregados e às vítimas dos conflitos armados e de qualquer forma de escravidão e de tortura. Aqui está o Evangelho e aqui está o sentido último e unitário dessa reforma, à luz da doutrina social da Igreja e das obras de misericórdia.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Reforma da Cúria: as escolhas fortes do papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU