23 Agosto 2016
"Eu lhes peço perdão por todos aqueles homens que as fizeram sofrer. Peço perdão por todos aqueles católicos e fiéis que as exploraram, abusaram e violentaram".
A reportagem é de Andrea Lebra, publicada no sítio Settimana News, 19-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
São as palavras que o Papa Francisco dirigiu na sexta-feira, 12 de agosto, a um grupo de jovens ex-vítimas do crime de tráfico de seres humanos para exploração sexual, hóspedes de uma casa de acolhida gerida em Roma pela Associação Comunidade Papa João XXIII, em regime de proteção para serem retiradas da violência e dos condicionamentos de organizações criminosas dedicadas à exploração da prostituição. Foram 20 as jovens encontradas – com idade média de 30 anos –, seis provenientes da Romênia, quatro da Albânia, sete da Nigéria, uma da Tunísia, uma da Ucrânia e uma da Itália.
Foi o Papa Francisco, no âmbito da significativa iniciativa das "Sextas-feiras da Misericórdia", por ele iniciada por ocasião do "Jubileu da Misericórdia", que se dirigiu privadamente e de surpresa para um apartamento da zona norte de Roma, que acolhe as jovens.
Dirigindo-se a Stefania, uma das jovens que chegou da Romênia, que foi para as ruas aos 18 anos e que fugiu das torturas dos seus exploradores graças à ajuda dos operadores de rua da Associação Papa João, Francisco exclamou: "Se alguém lhe disser que Cristo não ressuscitou, você pode dizer que Cristo ressuscitou porque você é testemunha disso".
Chamam a atenção as palavras usadas para pedir perdão às jovens vítimas da atual cultura "usa e joga fora".
O perdão é pedido "por todos os homens" que as fizeram sofrer, mas também por "todos aqueles católicos e fiéis" que, com o seu comportamento, foram causa de exploração, abuso e violência contra elas.
Isso significa que, também para Francisco, o tráfico e a exploração da prostituição são, acima de tudo, um crime de gênero perpetrado, com modalidades diferentes, por homens contra mulheres.
Homens que, mediante engano, violência, ameaça, abuso de autoridade e exploração de uma situação de vulnerabilidade, alimentam o tráfico, organizando-o e gerindo-o a partir dos países de origem das vítimas rumo aos países de destino.
Homens que, exercendo sobre jovens mulheres poderes correspondentes aos do direito de propriedade, alimentam a sua reificação e contribuem para perpetuar o estado de opressão e uma imagem degradante.
Cúmplices, portanto, são os traficantes, mas também são cúmplices aqueles que consideram como seu direito a mercantilização do sexo, ou seja, os clientes.
O gesto de Francisco – como se lê em uma nota da Santa Sé do dia 12 de agosto – é mais um apelo à consciência para combater o tráfico de seres humanos, por ele definida várias vezes como um "crime de lesa humanidade", "uma chaga no corpo da humanidade contemporânea e na carne de Cristo", "um crime mafioso e aberrante" na presença do qual "muitos têm as mãos cheias de sangue por causa de uma cumplicidade cômoda e muda" [1].
Com esse sinal tão emblemático, Francisco reitera que a misericórdia não é uma palavra abstrata, mas uma ação concreta para restituir, também através do instrumento da atividade sociopolítica, além do compromisso de todas as pessoas de boa vontade, a dignidade a seres humanos submetidos a novas formas intoleráveis de escravidão e vilipendiados nos seus direitos fundamentais.
Como, em particular, não ver naquele "peço perdão por todos aqueles católicos e fiéis" um forte apelo à Igreja para que o drama da escravidão sexual e do tráfico de seres humanos constitua, no mínimo, um severo exame de consciência daqueles que, mesmo dentro das nossas comunidades, continua ignorando o seu porte e a sua gravidade?
Como não perceber, nesse pedido de perdão, a denúncia de certa hipocrisia, também "católica", que tende a sempre jogar sobre os "outros" a persistência de situações de injustiça que criam desconforto e sofrimento?
"A Igreja – afirmou Francisco em outra ocasião [2] – não pode se calar, e as instituições eclesiais não podem fechar os olhos diante do nefasto fenômeno das crianças e das mulheres de rua. É importante envolver as diversas expressões das comunidades cristãs nos vários países, a fim de eliminar as causas" do fenômeno.
No encontro com as 20 jovens, também estavam presentes o responsável nacional da Associação Comunidade Papa João XXIII, Giovanni Ramonda, o assistente espiritual, Aldo Bonaiuto, e alguns colaboradores de rua, que quiseram mostrar ao bispo de Roma a recente campanha de sensibilização sobre o tema do tráfico para fins de prostituição, promovida pela associação fundada pelo padre Oreste Benzi.
A campanha, intitulada "Este é o meu corpo", tem como objetivo parar a demanda de sexo mercenário, no pressuposto de que, na redução da escravização e da exploração da prostituição perpetradas pelas redes criminosas, os clientes são cúmplices.
A campanha também se destina a apoiar no Parlamento o projeto de lei Bini, que quer, na experiência de outras legislações europeias, introduzir na Itália o crime de compra de serviços sexuais, que visa a eliminar a prostituição, pelo fato de incentivar o tráfico de seres humanos e violar a dignidade das mulheres.
Quase como comentário do encontro com as jovens libertadas das redes da prostituição, no Ângelus da segunda-feira, 15 de agosto, solenidade da Assunção da Bem-Aventurada Virgem Maria, "humilde e simples jovem de um vilarejo perdido na periferia do Império Romano, admitida por Deus para ficar pela eternidade ao lado do trono de Filho, justamente porque acolheu e viveu o Evangelho", Francisco voltou a denunciar as tantas e atuais situações dolorosas que envolvem, particularmente," as mulheres sobrecarregadas pelo peso da vida e pelo drama do violência", as "mulheres escravas da prepotência dos poderosos", "as meninas forçadas a trabalhos desumanos", "as mulheres obrigadas a se renderem no corpo e no espírito à cobiça dos homens".
A alegria expressada pela humilde jovem da Galileia no cântico do Magnificat "torna-se o canto da humanidade inteira, que se compraz de ver o Senhor inclinar-se sobre todos os homens e todas as mulheres, humildes criaturas, e assumi-los consigo no céu". "O Senhor – diz o bispo de Roma – se inclina sobre os humildes para levantá-los."
Na recordação do Magnificat, a todas as mulheres vilipendiadas na sua dignidade, que "possa chegar – é a esperança de Francisco –, o quanto antes, o início de uma vida de paz, de justiça, de amor, à espera do dia em que, finalmente, se sentirão aferradas por mãos que não as humilham, mas, com ternura, as levantam e as conduzem pela estrada da vida, até o céu".
[1] Cf. Evangelii gaudium n. 211.
[2] Do discurso do dia 13 de setembro de 2015 aos participantes do Simpósio Internacional sobre a Pastoral da Rua, promovido pelo Pontifício Conselho da Pastoral dos Migrantes e Itinerantes.
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Papa Francisco: "Mulheres exploradas e violentadas, peço-lhes perdão" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU