Por: MpvM | 05 Abril 2018
"Tomé é o símbolo da nossa fragilidade diante dos medos que vivemos no cotidiano. Ele é a personificação do nosso ceticismo, do nosso olhar crítico e desconfiado diante da vida. Ele coloca às claras a fragilidade da nossa fé. Por outro lado, como ele, somos convidad@s, hoje, nesse tempo marcado por dores, por perda de referenciais humanos e evangélicos importantes, por horizontes ofuscados, a também acolher o convite tão cheio de amor de Jesus: “não seja incrédul@, mas crente, fiel..."
Este comentário sobre o evangelho correspondente ao 2º domingo da Páscoa - Ano B é de Sandra Maira Pires, idp, religiosa da Congregação das Irmãs da Divina Providência - IDPs. Ela possui graduação em teologia pela Escola Superior de Teolodia e Espiritualidade Franciscana - ESTEF, de Porto Alegre/RS, e especialização em espiritualidade pelas Faculdade Vicentina - FAVI, de Curitiba/PR. Atualmente atua como orientadora de espiritualidade e como formadora no Noviciado Latino-americano das IDPs.
Referências bíblicas
1ª Leitura – At 4,32-35
Salmo 117 (118)
2ª Leitura – 1 Jo 5,1-6
Evangelho – Jo 20,19-31
A liturgia deste segundo domingo da Páscoa nos convoca, como igreja, como discípulas e discípulos de Jesus Ressuscitado, a renovar a fé no Senhor presente em nossa vida.
O Evangelho de hoje (Jo 20,19-31) é expressão real da nossa humanidade, do que somos e vivemos no caminho do discipulado: o desafio, permanente, de enfrentarmos nossos medos a partir da fé e confiança no Ressuscitado, O nosso “Senhor e Deus”.
Num primeiro momento nos voltemos para esse grupo de homens, seguidores de Jesus, que, por medo, estão trancados dentro de casa, com as portas chaveadas, no anoitecer. A noite ou o escuro é uma boa metáfora para o medo, pois ele é o oposto da luz, da clareza, da capacidade de vermos e discernirmos bem as coisas. O medo trava, paralisa e nos reclusa... Esse medo que os discípulos sentiam é compreensível. Eles haviam “perdido”, de uma forma brutalmente violenta e sangrenta, Aquele que era sua referência. E, sinceramente, eles não queriam ter o mesmo destino: serem torturados e pregados numa cruz.
Como esse grupo, nós também temos os nossos medos. Sentir medo tornou-se algo “quase” natural em nossos dias. Temos medo da violência que cresce assustadoramente em nossas cidades, bairros, periferias, morros; temos medo de morrer, de adoecer e não termos o tratamento adequado; temos medo de perder pessoas que amamos ou de sermos abandonadas ou abandonados por elas; temos medo de não darmos conta, por “n” razões, dos compromissos assumidos; de perdermos o emprego; de não sermos aceitas ou aceitos em nossos círculos de convivência; temos medo das dívidas, da solidão, e de dizer, muitas vezes, o que pensamos e sentimos, e tantos outros medos... O medo vem e se instaura em nossas mentes, nos tirando a capacidade de pensar, de discernir, de corrermos atrás dos nossos objetivos, de sermos resilientes e proativos frente aos desafios e dificuldades do cotidiano. O medo nos tira a paz! Não é por nada que uma das doenças do nosso tempo seja a “síndrome do pânico”.
Ao nos darmos conta desses e outros tantos medos que vivemos hoje, podemos facilmente nos colocar na pele daquele grupo de discípulos trancados e escondidos por medo, logo após a prisão e morte do seu Mestre, do seu líder.
Mas, agora voltemos nosso olhar para Jesus... Ele não os julga seus discípulos pelo medo que sentem. Pelo contrário, vai ao encontro deles, faz-se presente lá onde o medo se instalou. Não existe portas trancadas que O impeça de chegar aos seus... Põe-se no meio deles e oferece a Paz que repele o medo; sopra sobre eles o seu Espírito que os torna corajosos, confiantes e conscientes de quem são e da missão que lhes compete. Jesus os acolhe e lembra que assumir o seu projeto e discipulado significa abrir as portas fechadas, sair para fora das estruturas e concepções fixas e concluídas, significa acolher as pessoas, ser espaço aberto, partilhar o que se tem e o que se é, se solidarizar com quem precisa, a tal ponto que todas as pessoas tenham o necessário para viver com dignidade, que não aja entre nós ninguém com necessidade, seja qual for ela, como nos sugere São Paulo, na primeira leitura.
Jesus “sopra” o Seu Espírito de vida, de força, de coragem, de confiança... e eles sentem a sua presença e o seu amor. É seu Espírito que faz com que creiamos na sua Ressurreição, hoje, para além do que nossos olhos podem ver, nossas mãos tocar e nossa inteligência explicar. Jesus entra no espaço de vida d@s discípul@s e lhes dá a sua paz. Sua paz afasta o medo, devolve a alegria, a esperança e o compromisso com o projeto assumido. O mundo hoje carece tanto dessa paz, e talvez até nós mesm@s, nossas comunidades, as famílias brasileiras, as nossas igrejas, as nossas cidades. Nesse domingo, Jesus nos convida a acolher o dom da sua paz, mas também a sermos construtor@s da cultura da paz lá onde vivemos e estamos engajad@s.
Por fim, nos voltemos, especificamente, para Tomé, o discípulo em destaque no evangelho de hoje. Este viveu uma crise de fé tão profunda, que nem o testemunho dos seus amigos mais próximos foi suficiente para devolver-lhe o sentido da vida e o ajudar a interpretar e entender os fatos que aconteceram. Tamanha era a sua desolação... Tomé é o símbolo da nossa fragilidade diante dos medos que vivemos no cotidiano. Ele é a personificação do nosso ceticismo, do nosso olhar crítico e desconfiado diante da vida. Ele coloca às claras a fragilidade da nossa fé. Por outro lado, como ele, somos convidad@s, hoje, nesse tempo marcado por dores, por perda de referenciais humanos e evangélicos importantes, por horizontes ofuscados, a também acolher o convite tão cheio de amor de Jesus: “não seja incrédul@, mas crente, fiel... veja... toque... sou eu!”. Precisamos, também nós, nos deixar tocar e transformar pela presença e amor do Ressuscitado. Nossa fé diz que Ele está vivo e que está no meio de nós, ressignificando nossos medos e nos sustentando em nossas crises e sofrimentos.
Mas, só podemos fazer essa experiência de reconhecer Jesus como “meu Senhor e meu Deus”, como fez Tomé, se sairmos para fora dos nossos condicionamentos, confortos e seguranças; se abrirmos mão dos nossos medos e preconceitos; se formos, às pressas, ao encontro das pessoas; se acolhermos, de fato, o Ressuscitado. Como afirma a segunda leitura de hoje, é a nossa fé que nos dá a vitória, que nos faz vencer os desafios e medos diante da vida.
Diz a tradição que Tomé morreu mártir pela fé no seu “Senhor e Deus”. Viveu sua vida a serviço dessa fé, até a morte. Conhecemos homens e mulheres que, no passado e no atual momento, também receberam o martírio como preço dos seus gestos, posicionamentos e posturas radicais em defesa da vida e dos direitos humanos. Nós sabemos que a fé sem obras é vazia e sem sentido. Então, humildemente, professemos, hoje: “Creio, Senhor, mas aumenta a minha fé”.
E que essa fé nos comprometa na luta pela justiça, pela verdade, pela dignidade humana, tão ausentes nas pautas políticas, eclesiais e sociais de nosso tempo.
Então, com o Salmista, neste segundo domingo da Páscoa, renovemos nossa confiança no “Senhor que é bom e no seu amor que é para sempre”. É essa certeza de fé que nos faz vencer os medos e abraçar a vida nossa e de outros com coragem e ousadia.
Concluo citando uma canção brasileira que diz: “Hei medo, eu não te escuto mais. Você não me leva nada... E se quiser saber pra onde eu vou, pra onde tenha SOL, é pra lá que eu vou”.
Caminhemos, irmãs e irmãos, mirando o horizonte, lá onde está o Sol, que é o Senhor Ressuscitado, mas com sensibilidade suficiente para O reconhecer aqui do nosso lado, caminhando conosco no nosso cotidiano, na nossa realidade; sendo luz dos nossos passos.
Leia mais
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
2º domingo da Páscoa - Ano B - A paz que vence o medo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU