Por: Cesar Sanson | 16 Novembro 2012
A presidenta Dilma Rousseff anunciou no último dia 11 um pacote de redução das tarifas elétrica de até 28% para a indústria. Desde então, a medida provisória 579, editada pela presidenta, tem sido alvo de críticas de empresas e de trabalhadores. As companhias reclamam das condições dadas para as renovações das concessões e dizem que as indenizações a serem pagas pelas mudanças são insuficientes. Sindicatos de trabalhadores temem os cortes que podem acontecer com a situação ruim das empresas.
Para Roberto Pereira D´Araujo, diretor da ONG Ilumina (Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico), em entrevista à Carta Capital, 14-11-2012, o assunto demorou a ser levado a sério como deveria e o governo tomou, no fim das contas, péssimas decisões.
Eis a entrevista.
Como o senhor avalia a medida provisória 579 proposta pelo governo federal?
Avalio que é uma medida que demonstra um certo desespero do governo. O assunto poderia ter sido tratado há mais de quatro anos e nada foi feito. O mais inusitado é que a proposta é uma brutal intervenção no setor sem um diagnóstico das razões que fizeram com que a tarifa explodisse. Remédio sem diagnóstico. Talvez porque uma análise profunda revele as péssimas decisões tomadas pelo governo no passado que só fizeram aumentar a tarifa. Só pelo fato de intervenções como essa nunca terem sido adotadas em nenhum lugar do mundo, já deveria ser suficiente para mostrar que a MP é totalmente inadequada.
As empresas têm dito que os efeitos da renovação das concessões com os termos atuais do governo serão “devastadores” para elas. O governo está sendo rígido demais?
Não se trata de rigidez. A devastação que será realizada, principalmente nas empresas do próprio governo, é baseada em conceitos totalmente equivocados. Em lugar nenhum do mundo usinas têm tarifas. Quem tem tarifa é a empresa concessionária. Se isso for adotado, as empresas serão transformadas em meras empreiteiras. Apenas para exemplificar, Furnas, que tem uma tarifa média de R$ 80/MWh, mais barata do que muitas usinas novas, terá 45% de suas usinas remuneradas por R$ 5/MWh. Repito: Alguém conhece algum lugar no mundo que pratique esses preços de forma compulsória?
As empresas devem sofrer perda de rentabilidade e valor de mercado como vem alegando?
Claro. A receita de FURNAS cai 60%. A da CHESF cai 76%. Respondo com a mesma pergunta: Alguém já viu algo semelhante em algum outro país?
Existiria uma alternativa melhor do que a tomada pela presidenta para a redução das contas de energia?
O modelo de mercado, adotado no Brasil pelo governo FHC e continuado pelos governos Lula e Dilma, não é o preferido dos sistemas de base hidroelétrica. O Canadá e os Estados americanos, que têm semelhança física com o sistema brasileiro, não adotaram essa aventura mercantil. Ao contrário do que é propalado pela imprensa, o modelo de mercado cria custos que antes não existiam. Além disso, o governo não alterou absolutamente nada na carga tributária que incide sobre energia elétrica. O setor elétrico brasileiro, que é único, está fragmentado em diversos órgãos que têm graves dissidências metodológicas entre eles. Tudo isso é custo! O setor precisaria de uma reforma negociada com a sociedade.
A presidenta Dilma Rousseff lida com o setor diretamente desde o começo do governo Lula, quando foi ministra de Minas e Energia. Essa discussão poderia ter sido encaminhada antes? Este é o momento adequado para se renovarem as concessões?
É preciso dizer que, em 2002, no instituto Cidadania, com a presença e assinatura de Lula, Dilma, Mantega, Sauer, Pinguelli, Tolmasquim, Kirchner, Agenor de Oliveira, Roberto Schaeffer e eu mesmo, foi emitido um documento “Diretrizes e Linhas de Ação para o Setor Elétrico Brasileiro”. Nele há diagnósticos que apontam para o inverso do que foi adotado a partir de 2003. Para começar, propusemos não descontratar a energia das estatais que, na época, era a mais barata. O que fez o governo? Manteve a descontratação e propiciou que hidráulicas baratas fossem trocadas por térmicas caras do “self-dealing”.
Por exemplo, no Ceará, isso significou a troca de energia de R$ 53 para R$ 153/MWh. A energia das estatais serviram para “irrigar” o mercado livre com energia a R$ 4/MWh, um verdadeiro presente. O mercado livre imaginado pelo Cidadania seria apenas marginal, não essa caixa preta onde não se sabe quem compra de quem, por quanto e por que prazo. Para não me alongar, acrescento apenas a profissionalização do quadro dirigente das estatais e todos sabem o que foi feito após 2003.
A medida deve causar enxugamento nos quadros do setor elétrico?
Certamente. As empresas irão se transformar profundamente, perdendo seus quadros de engenheiros. Serão meras contratadoras de serviços ou empresas de participações. Será uma espécie de privatização “por dentro”.
O Brasil passou por problemas de fornecimento de energia nos últimos meses. Foi um problema pontual? Ou reflete um esgotamento do atual modelo?
Não é um problema pontual. Os defeitos ocorridos no sistema de transmissão demonstram que é preciso mais investimentos em monitoramento. Com as receitas imaginadas pela MP a questão tende a se agravar.
O Brasil corre o risco de enfrentar uma crise de fornecimento de energia em breve? A medida atual deve ter alguma influência nesse quadro?
O Brasil corre o risco de um novo racionamento. Mesmo que não ocorra, a sociedade brasileira vai receber a conta dos gastos em combustíveis das térmicas que foram ligadas esse ano. Esse é um sintoma que estamos cada vez mais nos aproximando do precipício. Há diferenças metodológicas entre ONS e EPE que são defeitos estruturais do modelo adotado.
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Energia elétrica: medidas do governo são remédios sem diagnóstico, diz especialista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU