16 Julho 2012
"A situação egípcia é confusa e não é fácil de explicar. Mas se eu tivesse que dar a um estrangeiro a chave para interpretar os eventos atuais, eu diria: 'Toda mudança, mesmo a mais pequena, não acontece se os militares não quiserem. Ainda são os generais que comandam aqui no Egito'". Henri Boulad, jesuíta, egípcio, diretor do Centro Cultural de Alexandria, atento observador das dinâmicas políticas do Norte de África, está convencido de que as novas instituições ainda estão vinculadas aos velhos "chefes" do país.
A reportagem é de Enrico Casale, publicada na revista Popoli, dos jesuítas italianos, 10-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A decisão tomada no domingo pelo presidente Mohammed Mursi de reativar o Parlamento (que tinha sido dissolvido por uma decisão da Suprema Corte), segundo o jesuíta, também deve ser lida na ótica de um entendimento entre os militares e os Irmãos Muçulmanos.
Eis a entrevista.
Por que os Irmãos Muçulmanos teriam que entrar em acordo com os militares? E quais vantagens os generais poderiam ter com um entendimento com o partido do presidente?
Por si sós, os Irmãos Muçulmanos, embora tendo ganho as eleições, não têm a força de tomar decisões dessa magnitude. Provavelmente, os militares consideraram justo passar os poderes para o partido de maioria relativa, abrindo caminho assim para uma transição dos poderes aos civis. O que terão em troca? Isso é um mistério, mas não acredito que os generais tenham se mexido sem pedir contrapartidas. Uma prova do entendimento poderia ser o fato de que a cúpula das forças armadas em uma reunião de emergência condenou a decisão de Mursi, mas sem ameaçar intervenções. No dia 9, o presidente e os líderes militares participaram juntos de um desfile.
O presidente Mursi declarou que o Parlamento dará origem a uma Constituição e depois será dissolvido. Existe o perigo de que a Carta fundamental seja fortemente marcada pelos valores islâmicos, considerando-se o fato de que a maioria absoluta na assembleia está nas mãos dos Irmãos Muçulmanos e dos salafistas?
A Constituição não será escrita pelo Parlamento, mas sim por uma comissão restrita em que estarão representados todos os componentes políticos do país. Depois, também estarão presentes aqueles expoentes liberais que se opõem tanto aos militares quanto às formações muçulmanas. Os liberais, que se apresentaram divididos para as eleições legislativas e presidenciais, são uma força consistente que nesses meses aprendeu a resistir aos poderes fortes. Portanto, eu não acredito que sejam possíveis golpes militares.
Qual a importância ainda das forças armadas no Egito?
As forças armadas controlam cerca de 45% da economia egípcia através da gestão de empresas nos setores da indústria, do comércio e da agricultura. Sem contar que, além disso, recebem grandes ajudas dos Estados Unidos. Portanto, elas têm privilégios consideráveis, aos quais não pretendem renunciar. Elas têm os seus interesses, mas ao mesmo tempo garantem a estabilidade e a continuidade, sem as quais o Egito se afundaria no caos e na guerra civil. As forças armadas e os Irmãos Muçulmanos continuam sendo inimigos. Mas, em uma ótica de realpolitik, se respeitam e conseguirão chegar a entendimentos comuns.
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''O Egito ainda está nas mãos dos militares''. Entrevista com Henri Boulad - Instituto Humanitas Unisinos - IHU