09 Outubro 2013
A 25 anos da morte
No breve livro Somente o Amor é Digno de Crédito (1963), o teólogo suíço Hans Urs Von Balthasar explica a sua posição teológica no contexto da história da teologia cristã. A teologia da idade patrística, medieval e renascentista superou o caminho cosmológico, apresentando o cristianismo como o cumprimento da interpretação do mundo a partir da antiguidade. A teologia da época moderna operou uma mudança e a prática da via antropológica: o cristianismo apresenta-se como a mais profunda interpretação do homem. Mas, para Von Balthasar, tanto a via cosmológica, quanto a via antropológica são interpretações redutivas, uma vez que usam o cosmos e a existência humana como critérios para justificativa do cristianismo, que , ao contrário, tem em si mesmo e exibe por si só a sua justificativa. A terceira via, a via balthasariana, é a via do amor: “Somente o amor é digno de crédito”. Na revelação cristã é o amor absoluto de Deus, que, em Cristo por si só, vem ao encontro do homem, Deus se autoapresenta em Cristo na glória de seu amor absoluto. Essa via recebe o nome de Estética Teológica, não no sentido de uma teologia estética, que mostra como o cristianismo promove seu senso estético e as artes, mas em um sentido mais forte seja subjetivo, seja objetivo. A fé cristã, no seu polo subjetivo, é a percepção e visão da Forma (Gestalt), como polo objetivo, que aparece na figura histórica do Cristo, como Verbo de Deus feito homem, revelação da glória de Deus e da sua vontade universal de salvar.
O trecho é de Hans Urs Von Balthasar, publicado no livro Glaubhaft ist nur Liebe (1963) e reproduzido pelo sítio Teologi@Internet, 01-10-2013. A é de Anete Amorim Pezzini.
Qual a essência do cristianismo?
Jamais, na história da igreja, a referência a uma pluralidade de mistérios para acreditar satisfez como resposta última: sempre se tem como alvo um ponto unitário em que se encontre sua justificativa para o pedido de acreditar que é feito para o homem: um logos também de caráter e natureza particulares, mas, no entanto, tão persuasivo, de fato tão esmagador e irresistível que, fugindo das “verdades históricas contingentes”, confere-lhes caráter de necessidade. Sim, os milagres e as profecias que se realizaram têm a sua parte (se bem que seu valor e seu poder interpretativo parecem consideravelmente reduzidos a partir dos tempos da crítica bíblica do iluminismo), mas o ponto de referência a que se referem acha-se colocado além dele. A Patrística, a Idade Média, o Renascimento, cujos epígonos chegaram até os dias de hoje, colocaram esse ponto sobre o plano cósmico, enquadrando-o na história do universo; a era moderna, a partir do Iluminismo, ao contrário, transferiu-o para um plano antropológico. Se a primeira tentativa resulta limitada e confinada dentro dos limites do tempo e da história, a segunda faliu como sistema: aquilo que Deus pretende dizer ao homem por intermédio de Cristo não pode receber sistematização nem no mundo como um todo, nem nos seres humanos, em particular; isso é absolutamente teológico, de fato, melhor ainda, teopragmático: é ato de Deus nas comparações com o homem, ato que se explica antes do homem e para ele (e, portanto, assim pode encontrar nele e com ele a sua explicação). Desse ato deve ser dito que ele só é digno de crédito apenas como amor: queremos dizer o amor próprio de Deus, cuja manifestação é a da glória de Deus.
A autoconsciência cristã (e, portanto, a teologia) não pode ser explicada, colocando em fundamento e justificativa uma sabedoria adquirida mais por meio de revelação divina que sublime e transcenda a cognição religiosa humana (ad maiorem gnosim rerum divinarum), ou o homem tomado individualmente e como entidade social, que recebe apenas por intermédio da Revelação e da Redenção uma consciência definitiva de si mesmo (ad maiorem hominis perfectionem et progressum generis humani), mas que só pode ser explicada, justificando-a como a autoglorificação do amor divino: ad maiorem divini amoris gloriam. No Antigo Testamento, essa glória (kābhôdh) consiste na presença da augusta majestade de Javé na sua aliança (e – transmitida pelo trâmite desta – em todo o mundo), no Novo Testamento, essa sublime glória explica-se como o amor de Deus em Cristo que desce para o abismo extremo de trevas e de morte. Esse quid extremum (a verdadeira escatologia), que, se tudo é concebido em termos de cosmos e de homem, é absolutamente inimaginável, pode ser percebido na sua realidade somente acolhendo-o como a “alteridade absoluta”.
Esse esboço servirá, portanto, também para esclarecer a linha diretiva e os escopos do meu mais laborioso trabalho intitulado: Gloria, uma “estética teológica” no duplo sentido de uma doutrina subjetiva da percepção e de uma doutrina da autointerpretação objetiva da glória divina. Esse esboço servirá para mostrar que esse método teológico, bem longe de representar um subproduto irrelevante e supérfluo do pensamento teológico, ao contrário, tem o direito e o dever de promover a pretensão de ser colocado como único método definitivo no centro da teologia, lá onde a verificação cosmológica e antropomorfa podem, no máximo, serem admitidas como ponto de vista de natureza complementar.
E, com isso, resta especificado que o que vem aqui chamado com o nome de “estética” é entendido como algo puramente teológico, isto é, como a intuição, possível somente na fé, da gloriosa manifestação do amor absolutamente livre de Deus.
A Trilogia: Teo-Fania, Teo-Dramática, Teo-Lógica
Esta obra¹ constitui a tentativa de desenvolver a teologia cristã à luz do terço transcendental, de completar, isto é, a consideração do verum e do bonum mediante aquela do pulchrum. A introdução mostrará em que medida o pensamento cristão foi empobrecido pela perda dessa perspectiva que uma vez permeava tão fortemente a teologia. Não se trata, portanto, devido a uma vaga e nostálgica melancolia, de fazê-la deslizar sobre uma estrada lateral, tranquila e pouco frequentada. Trata-se antes de trazê-la novamente para a estrada principal, abandonada, sem por isso desejar afirmar que a perspectiva estética deva substituir, para o futuro, na condução da teologia, aquela lógica e ética. Os transcendentais, na verdade, não são absolutamente separáveis e o esquecimento de um deles não pode deixar de ter um efeito destrutivo sobre os outros. É melhor, portanto, justamente para o interesse comum, não estigmatizar a priori essa tentativa – a maior parte dela não pode e não deseja ser – como “estética”, para livrarem-se dela imediatamente, mas procurar, em primeiro lugar, prestar atenção ao que isso quer dizer.
O trecho é de Hans Urs Von Balthasar, publicado no livro Schau der Gestalt (1961). Tradução do italiano de Giuseppe Ruggieri, com tradução para o português de Anete Amorim Pezzini.
[…]
Uma “estética teológica”, para manter um equilíbrio adequado, deveria prolongar-se em uma “dramática teológica”² e em uma “lógica teológica”³. Se a primeira tem como objeto principalmente a percepção da verdade (Wahrnehmung) da manifestação divina, a dramática teológica deveria tratar especialmente do conteúdo dessa percepção, do agir de Deus para com o homem, enquanto a lógica deveria ter como objeto a modalidade de expressão divina (mais exatamente: divino-humana e, portanto, sempre já teológica) desse agir. Somente agora o pulchrum apareceria no lugar do todo estruturado: como a maneira pela qual o bonum de Deus se dá, e pode ser afirmado por ele e compreendido pelo homem como verum. Deus não deu a Abraão, nas palavras proferidas, o primeiro comando para acreditar: isso que perceberam como verdadeiro era a verdade de uma ação de Deus nas suas comparações; somente séculos mais tarde, talvez essa ação expressou-se como palavra humana. E isso já não no sentido de “no início era a ação”, de Faust e Fichte, já que o drama entre Deus e o homem é sempre já palavra-significado-lógos. Trata-se todavia de uma palavra que vem e que não pode ser reduzida às simples dimensões de uma palavra de testemunho.
Notas
1 [Cf. Gloria. Una estetica teologica, 7 v., 1961-1969].
2 [Cf. TeoDrammatica, 5 v., 1973-1983].
3 [Cf. TeoLogica, 3 v., 1985-1987].
Tirado de: Rosino Gibellini (ed.).
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Hans Urs Von Balthasar (1905-1988): Somente o amor é digno de crédito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU