19 Março 2013
A agenda Martini para a eleição do papa, como foi chamada a minha última conversa com o arcebispo de Milão, leva exatamente à personalidade do novo pontífice. É quase como se o cardeal Martini tivesse este homem diante dos olhos quando expressou a sua própria dor pela Igreja europeia cansada e traçou a imagem de um bispo e papa preparado para os desafios atuais.
A opinião é do jesuíta austríaco Georg Sporschill, 66 anos, que escreveu o livro-entrevista com o cardeal Martini intitulado Diálogo noturnos em Jerusalém (Ed. Paulus, 2008). O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 17-03-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Se eu considero as biografias do Papa Francisco e do cardeal Carlo Maria Martini, reconheço muitas correspondências. A agenda Martini para a eleição do papa, como foi chamada a minha última conversa com o arcebispo de Milão, leva exatamente à personalidade do novo pontífice.
É quase como se o cardeal Martini tivesse este homem diante dos olhos quando expressou a sua própria dor pela Igreja europeia cansada e traçou a imagem de um bispo e papa preparado para os desafios atuais.
Um pastor na Igreja deveria ter ou assegurar através do seu séquito mais estreito a proximidade às pessoas e, sobretudo, a compaixão para com os pobres e os jovens. O novo papa provém de uma família italiana simples e numerosa de imigrantes na Argentina e adquiriu um grande conhecimento e competência social.
Bergoglio é jesuíta e elogiou a pobreza, que viveu em primeira pessoa também como arcebispo de Buenos Aires, intérprete de um estilo de vida simples, longe do protocolo do Palácio, próximo das pessoas e daqueles que sofrem injustiças, razão pela qual ganhou a fama de "bispo dos pobres". Uma predileção pelos pobres que não diminuirá agora que ele reside no Vaticano. Ele conseguirá transformá-la em novas energias para a Igreja?
Graças à espiritualidade jesuíta, Bergoglio aprendeu a apreciar a liberdade. O fundador da ordem, Inácio de Loyola, confiava que Jesus estava enraizado e vivia em cada coirmão. Com essas raízes profundas, cultivadas através dos Exercícios Espirituais, o jesuíta ganha uma liberdade com a qual pode se aventurar em toda obra, lugar ou encontro. Lá onde há mais necessidade. E com essa liberdade também ganha a coragem de enfrentar os poderosos quando afligem as pessoas.
Bergoglio fez isso várias vezes na Argentina e arriscou conflito com o governo e com os poderes econômicos. Essa liberdade, que se justifica em Deus, será necessária ao novo papa para derrubar o sistema de poder na Igreja europeia e nas estruturas do Vaticano. O fato de o pontífice vir da América do Sul, por um lado, lhe permite uma distância dos problemas romanos e europeus; por outro, envolve também uma fraqueza. Ele conseguirá ir contra as antigas estruturas? Ele tem realmente as energias para mudá-las? Ele precisa de muita força interior e de uma liberdade igual à de João XXIII.
O novo papa não terá nenhuma resposta direta às demandas europeias. Mas ouvirá as pessoas. Resolverá os conflitos. Através da sua eleição, as Igrejas continentais e locais ganharão em consciência com relação à velha Europa. Confrontar-se-ão culturas diferentes com abordagens conservadoras e socialmente revolucionárias. Hoje, nenhum bispo ousa dizer o que o cardeal Bergoglio dizia na Argentina sobre as relações homossexuais.
O Papa Francisco, que no seu país denunciava os excessos da economia de mercado e a corrupção, inflamará as questões atuais da Igreja europeia. Eu confio no fato de que, nas polêmicas, as partes interlocutoras de boa vontade encontrarão uma resposta. Mas, em curto prazo, poderá haver fissuras perigosas. Através das fissuras dos grossos muros, porém, pode passar o Novo.
O novo papa argentino traz consigo também fardos pessoais. Foi-lhe contestada uma excessiva proximidade à junta militar. É difícil julgar de fora, porque, como responsável por uma grande comunidade, ele tinha que buscar o diálogo e ser prudente. Seguramente, ele não era um revolucionário na ordem governamental ou na Igreja. Talvez tenha se adaptado demais ao poder, algo do qual mais tarde ele se desculpou. Não se pode esperar mais de um homem. Ninguém é sem culpa. O ponto é se insistimos no erro ou aprendemos com ele.
Interessante, como todos destacaram, também é o nome que o papa escolheu: Francisco. Como jesuíta, eu logo pensei nos Santos da geração fundadora da Ordem, em Francisco Xavier, o grande missionário da Igreja que, no século XVI, chegou à África, Índia, Japão. Aprendeu as línguas estrangeiras, respeitou as culturas e, com a sua devoção, abriu as portas da China aos missionários jesuítas. O papa, na verdade, referia-se a Francisco de Assis para afirmar como programa a vida simples e a crítica da riqueza.
Há rumores de que, no conclave de 2005, o cardeal Bergoglio foi o concorrente do cardeal Ratzinger. Atrás de Bergoglio, estava o cardeal Carlo Maria Martini, que se retirou de partida por causa do aparecimento da doença de Parkinson. Diz-se que, naquele dia, Martini pegou pela primeira vez a bengala e que os dois jesuítas teriam aplainado o caminho para o Papa Bento XVI. Não sabemos se foi assim. Mas, talvez, os rumores indiquem o percurso pelo qual o Espírito Santo conduziu a Igreja e que hoje leva ao futuro.
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''Martini diria que este é o pontífice de que a Igreja precisa''. Artigo de Georg Sporschill - Instituto Humanitas Unisinos - IHU