Por: Jonas | 27 Fevereiro 2013
Esperanza Martínez Lleida (foto) é a vice-presidente da Frente Guasú, o grupo político encabeçado pelo ex-presidente Fernando Lugo, integrado por oito partidos e três movimentos políticos. É uma das figuras consideradas mais sérias e confiáveis no movimento “luguista”, que tentará recuperar uma parte do poder nas eleições de abril. Sua gestão como ministra da Saúde, do governo deposto há sete meses, é vista como responsável e tecnicamente impecável, mesmo por seus críticos. De fato, várias pessoas consultadas viram seu projeto de saúde pública como muito ambicioso para o Paraguai atual, e alguns enraivecidos opositores se opuseram ao conceito de saúde gratuita para todos.
Lleida é casada, mãe de três filhos, médica, especialista em saúde pública, graduada na Universidade de Lovaina, na Bélgica, gremialista, militante social e de direitos humanos desde a época de estudante universitária. Pertence ao Partido da Participação Cidadã, integrante da Frente Guasú, e é atualmente candidata a senadora pela Frente Guasú.
Lugo foi derrubado em 22 de junho por um golpe de Estado dado pelos partidos de direita, majoritários no Congresso, que passou a ser chamado julgamento político express, sem tempo para a defesa. A última ação forte do presidente deposto foi estar em Caracas, no dia 10 de janeiro, para o começo do novo período de governo do ausente e enfermo presidente Hugo Chávez. No Paraguai sua gestão foi severamente criticada. Contudo, como diz Lleida, os inimigos de Lugo criticam tudo, todos os dias, como se expressassem o temor de que volte ao poder.
Esta entrevista foi realizada em Assunção, na residência em que está a base central da Frente Guasú. Eles pagam 4.500 dólares de aluguel por mês pela casa que foi um asilo, um preço criticado pelos políticos e meios de comunicação. Um advogado independente, amigo do colunista entrevistador, comentou que “não parece coisa tão exagerada esse preço”.
Eis a entrevista.
A entrevista é de Andrew Graham-Yooll, publicada no jornal Página/12, 25-02-2013. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Aqui ainda se discute se o que aconteceu no Paraguai, no dia 22 de junho, foi um golpe ou não. Não foi um golpe tradicional, como dos militares. Como é percebido na sociedade paraguaia?
Atualmente, a sociedade paraguaia está polarizada e isso será evidente nas próximas eleições de abril. Uma parte conservadora da população defende o que para mim foi claramente um golpe parlamentar contra a jovem democracia paraguaia. Outro setor democrático está indignado e incomodado e exige os esclarecimentos correspondentes, especialmente em relação ao que se constituiu no mais doloroso para a democracia, que é a matança de camponeses e policiais, em Curuguaty, no momento de uma desocupação de terras. Foi o fato que desencadeou o julgamento político.
Até esse momento, o governo golpista de Federico Franco, que foi vice-presidente de Fernando Lugo, mesmo com essa tragédia sendo o tema acusatório mais importante contra presidente Lugo, desenvolve uma investigação imprecisa, pouco clara, tendenciosa. Evita-se tocar em aspectos que foram colocados nas investigações paralelas, pela sociedade civil, que demonstram contradições no relatório da promotoria. Tudo leva a crer que isto realmente foi uma montagem para chegar à destituição do presidente Lugo. Não se pode esquecer que Lugo enfrentou, em 23 oportunidades, acusações do Parlamento favorável a um julgamento político. Depois de um ano que assumiu, o Parlamento já havia começado a estimular o julgamento político como uma alternativa política. Buscavam pretextos e condições políticas favoráveis para implementá-lo. O Partido Colorado tinha os votos decisivos, manipulando habilmente o Partido Liberal Radical Autêntico, de acordo com suas conveniências eleitorais. Isto já vinha de muito tempo.
Poderia datar esse “muito tempo”?
A partir do primeiro ano de governo começou-se a falar de julgamento político no Paraguai. E em 23 ocasiões o Parlamento o conduziu oficialmente. Isto pode ser constatado nas atas do Parlamento. O senador liberal Alfredo Luis Jaeggli Caballero disse com honestidade, nos meios de comunicação, que a conspiração era inclusive anterior, e que o plano previa dar o golpe em Lugo nos seis meses de seu governo.
Que ação legal poderia ter sido tomada contra a decisão do Congresso? Ao Parlamento constituído em corte não se pode apelar, entendo. A causa poderia ter sido levada a uma corte interamericana? A partir da nova Constituição, de 1992, que recursos internos um governo objetado teria para insistir em sua gestão?
Apresentou-se uma ação de inconstitucionalidade, diante da Corte Suprema de Justiça, que foi rejeitada. Esta sentença, pelas argumentações apresentadas, traz consequências significativas na ordem jurídica e política de nosso país, para além dos efeitos particulares do caso de Fernando Lugo.
Contudo, isso era porque se sentia que a Corte já estava alinhada com a oposição ou é possível pensar que a Corte poderia tomar uma decisão independente?
A Justiça no Paraguai não é independente. A Justiça paraguaia responde aos interesses da oligarquia, não apenas no caso do golpe, mas nos negócios, situações ligadas à máfia, com a irregularidade. A Justiça, com exceções, não é nem pronta, nem justa, nem barata, nem independente.
Deve haver, então, mecanismos extraterritoriais que possam atuar em casos como este.
Houve uma resposta internacional diante da situação do Paraguai, pois foi muito parecida ao que ocorreu em Honduras. É preciso lembrar que o Equador também contou com uma tentativa de golpe, também a Bolívia, três anos atrás, onde a Unasul interveio. Na região, já não são viáveis os golpes por meio dos exércitos organizados e ligados a algum setor civil. Hoje os golpes são organizados de maneira mais sofisticada, pois surgem com uma maior aparência de legalidade. São mais difíceis de ser enfrentados pelos cidadãos, pois essa aparente legalidade causa confusão, e está melhorando sutilmente.
No futuro, existe o risco de que outras democracias passem por uma situação semelhante. Os países da Unasul estão firmes para que estas aventuras ou julgamentos express, como estão sendo chamados, não voltem a se repetir, que não sejam um novo sistema de ruptura dos modelos democráticos da América Latina. Mudou-se o rosto político da região, nas últimas décadas, e hoje se defende coletivamente seus interesses diante do império. Para nós, é claro que isto é um tema político, não legal, e é preciso enfrentá-lo dentro e fora do país.
Quais foram as últimas manifestações que vieram da Unasul? Parece haver uma diversidade de interpretações da posição da Unasul.
A Unasul diz que não bastam as eleições para garantir que o Paraguai volte ao sistema democrático. Ela exige clareza nas investigações dos fatos de Curuguaty e garantias para eleições transparentes. A OEA, ao finalizar as eleições de 2008, deixou para o Tribunal de Justiça Eleitoral um memorando de ações que deveriam ser tomadas para melhorar e garantir a transparência do processo eleitoral, e nenhuma dessas medidas foram tomadas até agora. O Tribunal de Justiça Eleitoral foi o primeiro a reconhecer o governo golpista, é integrado pelos partidos golpistas que possuem presença parlamentar. Nestes meses eleitorais, não aplicaram nenhuma medida contra os dois partidos tradicionais que infringem as leis eleitorais fazendo propaganda política massiva e custosa. A cidadania democrática não possui formas de controlar o processo eleitoral e teme a fraude eleitoral.
Estamos falando dos tradicionais partidos Colorado e Liberal, mas, quais mais possuem esta presença a que você se refere?
São cinco partidos golpistas: o Partido Colorado, o Partido Liberal Radical Autêntico, o partido Pátria Querida, o Partido Democrático Progressista e o Partido Unace (do general Lino Oviedo).
Cinco anos atrás, o Pátria Querida não esteve com vocês nas eleições?
No momento das eleições não estiveram conosco, apresentaram candidatura própria. A confusão pode ser em relação ao Partido Democrático Progressista, ao qual pertence o ex-ministro do Interior, Rafael Filizzola, atual aliado político do Partido Liberal e candidato a vice-presidente. Ele sim integrava a coalizão de forças que apoiava o presidente Lugo. Foi seu ministro por mais de dois anos e meio, e foi destituído pelo presidente Lugo. Em seguida, tornou-se um de seus principais opositores.
A fragmentação cidadã permitiu uma espécie de pedra livre para um monte de versões de desprestígio sobre a gestão e a pessoa de Lugo.
Houve um contrato social após a queda da ditadura (1989). Com a nova Constituição de 1992, as forças políticas tinham aceitado o jogo da democracia e as eleições como um mecanismo de reposição, que simplesmente mudava pessoas dentro do mesmo Partido Colorado. Portanto, nunca houve, de fato, uma alternância política no governo do Paraguai. O Partido Colorado governou sessenta anos, dentre os quais trinta e cinco foram de ditadura militar, e o período de transição política não foi mais do que uma passagem de mando e de poder entre os amigos de sempre.
Com Fernando Lugo, conquista-se uma quebra nessa hegemonia do Partido Colorado e se inicia a primeira alternância política. Porém, o governo Lugo também avança em temas de proteção social e coloca na agenda política alguns problemas estruturais da sociedade paraguaia, como o modelo econômico concentrador da terra e as riquezas em muito poucas famílias (uma das maiores do mundo). A desigualdade social é insultante e imoral; assim como também o caso das terras ilícitas, a rejeição do ingresso das sementes transgênicas; o debate sobre o ingresso da multinacional Rio Tinto-Alcan, que industrializa o alumínio e que consumiria uma turbina e meia de Itaipu para seu funcionamento. Essa corporação tem sérias denúncias internacionais de contaminação do meio ambiente em vários países. Portanto, Fernando Lugo começou a incomodar a oligarquia e seus negócios.
Você está me dizendo que a corrupção que se alega vivamente é uma série de ações instaladas e corruptas...
Algumas semanas antes do julgamento político, o presidente Lugo tinha rejeitado uma lei em que a partidocracia conservadora, no Parlamento, havia autorizado 50 milhões de dólares para operadores políticos dentro do Tribunal de Justiça Eleitoral, com vistas nas eleições de 2013. Isso gerou uma mobilização cidadã espontânea muito importante em Assunção, principalmente de jovens, e obrigou, naquele momento, o Parlamento a aceitar o veto presidencial. Havia uma série de elementos que começou a incomodar a oligarquia, pois atingiam seus negócios, seus interesses políticos. Um governo que parecia ser uma alternância política começava a se converter na posição de um novo projeto político, com uma visão ideológica diferente e enfrentando os problemas tradicionais do Paraguai.
Lugo começa a ser uma ameaça e seu governo é visto como perigoso pela oligarquia. Fernando Lugo foi o presidente mais criticado pela imprensa comercial, desde o início de sua gestão. Tivemos uns quatro meses de primavera, de convivência pacífica, e depois se desatou uma campanha impiedosa de terrorismo midiático. Até hoje, não houve um presidente que tenha tido uma campanha de ataque nesta intensidade. Não houve um só dia que ele deixasse de ocupar espaço nos meios de comunicação e isso continua até o presente.
Percebi que os meios de comunicação questionaram o aluguel deste escritório central, da Frente Guasú, de vinte milhões de guaranis por mês...
Ninguém nega os erros cometidos pelo governo e pela pessoa, mas o nível das acusações é surpreendente. Se você olha para os últimos seis meses, nenhum dos candidatos a presidente, tanto dos partidos Colorado como Liberal, Pátria querida e Unace, nenhum recebe o ataque impiedoso que é dirigido a Fernando Lugo. Ele continua sendo o líder com maior inserção popular no Paraguai. Se você analisa os números da LatinoBarómetro, quando o presidente anterior Nicanor Duarte Frutos assumiu, tinha uma aceitação de 50% e terminou com 10%. Fernando Lugo começou com 86% e dois meses depois do golpe tinha 50% de popularidade, porcentagem que Duarte Frutos tinha no início de sua gestão. Esta campanha tendenciosa acerca de sua pessoa, suas ações, seu governo e sobre nós que integramos seu governo é uma tentativa de desprestigiar o presidente Lugo e baixar sua popularidade mediante a ridicularização e o comentário humilhante. Isto é sinal de medo político, pois Fernando Lugo será senador e com seu apoio Aníbal Carrillo Iramain e Luis Aguayo serão os próximos presidente e vice-presidente do Paraguai.
Você me disse que as inferências pessoais, estas sentenças...
Tomemos a sentença acusatória do julgamento político. Foi acusado de nomear três ou quatro familiares no governo, num país onde o clientelismo político é um mal endêmico de mais de cem anos. O atual presidente Federico Franco e sua senhora foram acusados de inchar os cargos públicos com seus familiares e correligionários, mas isso não passa de um comentário a mais. Fala-se de corrupção durante o governo de Lugo, no entanto, ele vive na mesma casa, de maneira modesta se comparado a outros ex-presidentes. Federico Franco não é capaz de comprovar como ganhou um milhão de dólares em quatro anos, sendo que seu salário não superava os cinco mil dólares. Estima-se que a festa de casamento de seu filho custou de 400 a 500 mil dólares. De onde sai o dinheiro? Porém, a respeito disto não se faz questão.
As acusações são até ingênuas. Nenhuma delas justifica romper com um modelo democrático, romper com o voto de quase 700 mil paraguaios, dez meses antes das eleições gerais. O Paraguai teve um crescimento de 15,3% em 2010, o mais alto em toda sua história. Possuía números macroeconômicos excelentes, implementou programas sociais com resultados evidentes, como é o caso da saúde. Isto eu posso dizer com autoridade. De 2008 até 2011, conseguimos que mais um milhão de paraguaios pudesse ter acesso à atenção médica por meio da estratégia da gratuidade dos serviços públicos, em lugares onde antes nunca houve médicos, nem atenção. Os serviços de terapia intensiva melhoraram em 300%. Iniciaram-se processos de transplante que, há vários anos, estavam parados no Paraguai. Iniciamos o aumento dos hospitais.
Por que estavam parados?
Não eram implementados, os recursos existiam, mas os hospitais não estavam habilitados para operar, faltava infraestrutura. Tivemos que recorrer uma primeira etapa com o setor privado e, em seguida, com o setor público, após o reequipamento dos grandes hospitais. Baixamos os índices de mortalidade infantil, de mortalidade materna. Com o gabinete social coordenando todos os ministérios, interferiu-se articuladamente sobre a pobreza. O programa de subsídios de entregas condicionadas para superar a extrema pobreza, que durante os cinco anos do governo anterior beneficiou 13.000 famílias, durante o governo Lugo chegou a mais de 100.000 famílias. Aumentaram-se, também, os programas de acesso à água potável, aporte nutricional, para citar alguns.
Isso foi feito no circuito urbano e suburbano. O que ocorria mais além? Um aspecto que me contam é que em algumas cidades, ou povoados, como em Guarambaré, onde um primo necessitava fazer uma consulta, é que não havia medicamentos.
Mais nas zonas rurais e também nas zonas urbano-marginais. A implementação da gratuidade teve boicote e duras críticas de setores de trabalhadores e políticos. A gratuidade não foi apenas uma medida para melhorar o acesso financeiro das famílias ao sistema de saúde. Também combateu a corrupção instalada entre os trabalhadores da saúde, que cobravam tarifas particulares aos pacientes para cobrirem os baixos salários. Influenciou no modelo político clientelista, que usava os serviços públicos para seus afiliados políticos como um sistema de coerção. “Se você vota por mim, eu consigo a ambulância, os medicamentos, a internação”. Nós investimos no conceito de direito à saúde para todos. As pessoas podem ir aos hospitais sem pedir favor a ninguém. Também é real que os recursos são insuficientes. Precisamos de um longo período de investimento de recursos na saúde.
Coisas como a rede de esgoto e isso são obras públicas. Porém, no atendimento se utilizou o que nós chamamos as salas de distrito, ou qual foi o sistema?
Pela primeira vez, o Paraguai encarou a atenção primária da saúde com as Equipes de Saúde da Família (ESF). Não existiam. Até o ano de 2011, instalamos 704 equipes por ano. A ideia era chegar à universalização, a 100% das equipes de família quando terminasse o governo. No orçamento 2012, o Parlamento cortou a inclusão de 200 novas equipes de família. Atualmente, a população atendida é de cerca de 3, 5 milhões de paraguaios.
Existiam médicos para cobrir esta rede?
Alguns médicos foram relocados dentro da rede do Ministério da Saúde, outros foram contratados. Para garantir que a seleção tivesse características técnicas e não políticas, 100% da equipe acedeu por concurso público. Isso aconteceu para não repetir o clientelismo político, um aspecto cultural no país.
Em algum momento, Lugo foi acusado de trazer médicos de Cuba.
A partir dos dois governos colorados anteriores, o Paraguai passou a ter acordos com Cuba, tanto para a formação de médicos na ilha, como para presença de missões de médicos cubanos no Paraguai. Eram cerca de 100 médicos por ano, que vinham para o Paraguai, desde oito ou dez anos atrás.
Por que se concentrou na alegação de que foi Lugo quem os teriam trazido?
Os meios de comunicação sempre expuseram a ideia de que o modelo de atenção na saúde era cubano, que o governo de Fernando Lugo era chavista, um governo do Socialismo do Século XXI, aliado ao Equador e Bolívia, todo rodeado de adjetivos de desqualificação, como se “fôssemos satânicos”. Tudo o que represente esquerda, canhoto, progressismo é satanizado pelos meios de comunicação comerciais.
Gosto do “satanizado” (risadas). É um extremo quase teatral.
É tendencioso, é uma ação que procura colocar medo na população. Se perguntar para alguém o que é o chavismo, por que causa temor, provavelmente, nove de cada dez paraguaios não saberão responder em relação ao que tem medo. Pior do que na época da ditadura (1954-1989). Com Alfredo Stroessner, apenas a menção ou acusação de fazer parte do comunismo, socialismo, esquerda ou qualquer outro termo semelhante, era razão para terminar preso, torturado, exilado, morto ou desaparecido. Hoje, não atrevem a chegar a esse nível de violência social, mas há uma forte estigmatização nas redes sociais, nas referências aos “esquerdistas” ou “os sujos”, “os homossexuais”, “esquerda degenerada”. Há uma série de qualificativos que faz parte de uma campanha midiática para instalar e enfatizar a polarização.
Vamos falar um pouco da política de terras. No Paraguai a concentração da terra é uma das maiores na América Latina. Vocês causaram medo nos donos de terra, que são, por extensão, os donos do poder?
Um dos aspectos principais da proposta de Lugo foi o tema da reforma agrária. Nisto não se avançou muito. A concentração da propriedade da terra nas mãos de um pequeno grupo oligárquico está instalada. Isto desde o fim da guerra da Tríplice Aliança (1865-1870). Daí se produz uma massiva venda de terras para capitais estrangeiros que iniciaram um processo latifundiário. No problema da concentração da terra no Paraguai interfere não apenas o Poder Executivo, mas o Parlamento e o Poder Judiciário. Há um tema pendente com as terras ilícitas, geradas durante a ditadura stronista. O Parlamento e o Poder Judiciário nunca apoiaram o governo de Fernando Lugo. Portanto, a investigação sobre as terras ilícitas, a compra de terras para o setor campesino e para populações indígenas, muitas vezes, não foi apoiada pelo Parlamento. Por nossa parte, a ação do governo não foi suficientemente firme, nem sustentada.
O Paraguai é um dos poucos países bilíngues na região. Agora se escuta cada vez mais o guarani. Sustentar essa dupla identidade, em certo medida, começou após a queda de Alfredo Stroessner, em 1989. Vocês enfatizaram esta dupla cultura?
Estamos consolidando a recuperação do guarani como língua mãe. Ficou muito tempo proscrito e a classe média e alta rejeitava o uso do guarani. Quando eu era criança, utilizava-se a frase “não seja guarango!” como uma maneira de demonstrar que o “guarani” era uma forma social inaceitável. Significava dizer que alguém que falava guarani era mal educado, “guarango”, utilizando este termo bem puro do espanhol por sua afinidade fonética com este e por seu significado. Atualmente, o guarani é uma das duas línguas nacionais e oficiais do país, segundo a nova Constituição Nacional, e foi introduzido como matéria de estudo nos colégios.
O ensino bilíngue inicia-se no primário e abrange o secundário, isso já faz tempo. Durante o governo de Lugo, o ministro da Cultura, “Ticio” (Luis Manuel) Escobar (Agaña), um grande defensor da cultura indígena e nacional, deu ênfase aos valores culturais da identidade. Em 2011, tivemos o bicentenário da independência e houve uma alta mobilização social, na cultura, e uma recuperação da identidade camponesa e guarani. Hoje se escuta rock em guarani nos grupos juvenis. Começa-se a revalorizar isso e assim entra no uso dos pequenos de classe média e alta. Antes era rejeitado. Nas áreas rurais é quase impossível se mover ou conviver sem falá-lo, pois é o idioma cotidiano.
Em que valor é estimado o volume das remessas do exterior, vinda da população exilada economicamente?
Estima-se aproximadamente 220.000 migrantes recentes, que remessam dinheiro anualmente para cerca de 370.000 famílias radicadas no Paraguai, num montante variável cuja média é estimada em 700 milhões de dólares. Calcula-se que a média de envios por pessoa é de 300 dólares mensais.
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“A direita nos trata como se fôssemos satânicos”, afirma ex-ministra de Lugo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU