08 Janeiro 2013
"Homenagear Sepé Tiaraju, o comandante das forças Guaranis, Corregedor da Redução Jesuítica de São Miguel Arcanjo, no local onde estava a Estância Jesuítica de seu Povo, desapropriando o local que representa o seu martírio é homenagear a história da formação do Estado – as “Raízes do Rio Grande do Sul", escreve Antonio Cechin.
Antonio Cechin é irmão marista, miltante dos movimentos sociais e autor do livro Empoderamento Popular. Uma pedagogia de libertação. Porto Alegre: Estef, 2010.
Eis o artigo.
No dia 31 de dezembro de 2012, o mundo celebrou a virada do ano velho para o ano novo. Nada mais do que uma simples virada de um dia para o seguinte, dentro do calendário cristão: de 31/12/2012 para 01/01/2013.
No dia 1º de janeiro de 2013, muito cedo de manhã, com uma estátua de São Sepé Tiaraju debaixo do braço, tomamos o ônibus na rodoviária de Porto Alegre e seguimos em peregrinação, rumo à Terra Santa do Povo Guarani das Missões, na cidade de São Gabriel. Nosso destino? A Sanga da Bica, lugar histórico em que o herói-santo Sepé Tiaraju tombou como mártir pela Justiça, “embebendo seu sangue todo, neste chão rio-grandense em que todos nascemos” (canto “Sepé Tiaraju” de Barbosa Lessa).
Jesus Cristo morto no Calvário, quando lanceado pelo soldado Longino, de seu lado aberto manou sangue e água. Fato semelhante aconteceu com São Sepé Tiaraju. Lanceado pelo comandante espanhol Andonaegui, tombou na Sanga da Bica, no dia 7 de fevereiro de 1756. Seu último gesto, para além de uma terrível tragédia para seus comandados, revestiu-se de um caráter simbólico de último abraço e beijo derradeiro em sua queridíssima Terrra-Sem-Males que o povo guarani “havia recebido em herança por parte de Deus e do Arcanjo São Miguel”. Sem tempo de se recompor, ainda de bruços no chão, eis que o comandante português, armado de escopeta, lhe deu o tiro de misericórdia, estourando-lhe os miolos. Sepé misturou seu sangue todo com o manancial de água brotada da fonte da Bica, como que numa vontade política sem tamanho, de que se espalhasse por todo o território dos Sete Povos, hoje Rio Grande do Sul.
Participamos, no dealbar deste novo ano, do calor febricitante do povo são-gabrielense demonstrado no ato de posse de Roque Montagner, seu novo prefeito. Em Porto Alegre, à meia noite de 31 de dezembro nos revolvíamos na cama, acordados pelo espoucar carnavalesco do foguetório pela virada no calendário. Em São Gabriel, na tardinha da inauguração do ano de 2013, por entre aplausos e gritos de alegria da massa popular, participamos nós também radiantes de contentamento, da miraculosa virada na política local. Sai defenestrado pelo voto popular, o último dos prefeitos de estirpe latifundiária, totalmente identificado com a dinastia dos donos de sesmarias locais de antanho, e entra um novo Prefeito, identificado com os pobres, cuja plataforma muda completamente o eixo da arte de governar. Não mais para os ricos que já tem de sobejo, mas para os pobres que nada têm, necessitados do máximo de cuidados e que são maioria absoluta da população.
A troca de mãos não podia ter sido mais inusitada na passagem do governo, até então da classe hegemônica em sua sucessão de titulares por centenas de anos, para mãos calejadas de um legítimo representante da classe trabalhadora.
Na cidade coração do latifúndio rio-grandense, o prefeito foi derrotado por, abertamente dirigir os destinos do município com preocupações exclusivamente voltadas para a classe dominante dos grandes latifundiários, sem sequer olhar para a miséria e carência dos pobres e deserdados “gaúchos a pé”. Inconformado com o resultado das urnas, depois de várias tentativas sem sucesso por parte dos novos eleitos, finalmente entregou, às escondidas e entre lágrimas, ao novo prefeito da classe trabalhadora, do PT, a tão suspirada chave do prédio da prefeitura, símbolo do poder maior na cidade dos marechais, de repente e contra todas as expectativas, virada em Cidade de São Sepé Tiaraju.
Se, como dizem, a história nunca se repete a não ser como farsa, só faltou na cena das chaves, a presença da mãe do prefeito deposto, a fim de repreendê-lo como mulher e como mãe, tal como aconteceu na Espanha, quando os mouros, comandados pelo general Boabdil foram derrotados. Entre copiosas lágrimas, o general vencido, obrigado a abandonar sua cidade de Granada, a joia da coroa mourisca, recebe a visita inesperada da mãe que lhe lança em rosto: “Choras como uma criança a cidade que não soubeste defender como um homem!” O “defender como um homem” certamente devia ter sido colocar no centro de suas preocupações de governo a categoria mais pobre de seus concidadãos.
Entregamos, em pleno comício de posse, ao novo prefeito Roque Montagner, a estátua de São Sepé Tiaraju como sinal do grande triunfo obtido para toda a população da cidade, de modo todo particular para os excluídos: índios, negros, Sem Terra dos assentamentos do MST, pequenos agricultores, mulheres, catadores, etc. etc. Até esse momento eram considerados párias da civilização urbana pelo mandante que deixou o posto como autêntico sucessor dos donos das sesmarias recebidas a trezentos anos atrás como butim de guerra, da parte do General Gomes Freire de Andrade. Na qualidade de governador do Rio de Janeiro e de todo o sul do Brasil, este comandante do exército português, a 7 de fevereiro de 1756, depois de assassinar São Sepé Tiaraju e seus mais de 1500 companheiros mártires, distribuiu entre os oficiais de seu exército, ganhadores de duas vitórias de Pyrrho, uma na Sanga da Bica e outra no Caiboaté, contra o exército guarani comandado pelo mais belo florão dos Sete Povos das Missões.
Não acreditamos que em alguma cidade de todo o nosso vasto estado do Rio Grande do Sul, algum outro prefeito tenha entrado de posse do lugar que lhe cabe, desde a última vitória nas eleições, não só no prédio da prefeitura, como no conhecimento da situação em que se encontra a administração da cidade da qual acabam de ocupar o governo.
Dia 2 de janeiro, dia imediato à posse, às 7 horas da manhã, o novo prefeito Roque Montagner, acompanhado dos 16 secretários municipais já escolhidos e proclamados de véspera, se reuniram diante do prédio municipal e adentraram no edifício. Imaginemos a sofreguidão com que se distribuíram pelas diferentes salas da prefeitura, em busca principalmente dos computadores a fim de começar a pesquisa sobre a real situação do erário público, das obras em andamento, etc. etc.
Da nossa parte, só temos que creditar a São Sepé Tiaraju o milagre da reconquista, não só da Sanga da Bica e do Caiboaté, mas de todo o município de São Gabriel para os pobres. Oxalá, como um rastilho a boa nova da libertação dos excluídos se espalhe entre os municípios vizinhos ainda governados com mentalidade latifundiária. Que o glorioso herói-mártir São Sepé ilumine como um autêntico Facho de Luz (tradução do nome Tiaraju) todo o nosso querido Rio Grande. Só a classe trabalhadora no governo, dentro do sistema capitalista em que vivemos, é capaz de alterar de alguma forma a maneira de governar em favor dos mais pobres.
São Sepé Tiaraju nunca foi cacique guarani. Foi, isso sim, Prefeito da cidade de São Miguel das Missões, eleito democraticamente em plebiscito universal, por todos os habitantes de sua cidade, no dia 31 de dezembro de 1749, tendo tomado posse no dia 1º de janeiro de 1750. Doze dias depois de empossado, isto é a 12 de janeiro de 1750, na cidade de Madrid, capital da Espanha, os reis de Espanha e Portugal, decretavam a destruição das Missões dos Sete Povos através do Tratado de Madrid. Pela letra desse tratado famigerado, os guaranis dos Sete Povos, praticamente só com a roupa do corpo, tinham que se bandear para o outro lado do rio Uruguai, em busca de outras terras, abandonando suas lindas cidades e suas maravilhosas e férteis terras.
O prefeito de São Miguel das Missões, São Sepé Tiaraju, tão logo assume o comando da cidade, tenta conseguir, com tratativas insistentes, auxiliado pelos prefeitos e cabildos (Câmaras de Vereadores) dos Sete Povos, e com a assessoria dos padres missioneiros, a revogação do malsinado novo tratado de limites territoriais. Não conseguindo absolutamente nada, parte de São Miguel, em dia de domingo, depois da missa campal das 10 horas da manhã, à frente do exército do guarani, por entre lágrimas e choro de despedida, para a frente de batalha contra os dois mais poderosos exércitos do mundo da época, para garantir terra e pátria para seu povo. Não queria, de jeito nenhum que sua querida Terra-Sem-Males virasse terra de todos os males, como de fato virou com a chegada do capitalismo europeu a esta nossa terra Ameríndia, desde a conquista de Colombo, em nome da Espanha, e de Cabral, em nome de Portugal.
São Sepé Tiaraju, além de Empoderador dos Movimentos Populares, é hoje, desde a posse do prefeito Roque Montagner, o Padroeiro dos Políticos, especialmente dos Prefeitos da classe trabalhadora. Foi este o significado que quisemos dar com o presente da estátua do glorioso mártir guarani, ao recém empossado no município de São Gabriel, neste início do Ano da Fé, proclamado pelo papa Bento XVI.
Em São Gabriel, na Sanga da Bica, no ano de 2006 celebrávamos os 250 anos do martírio de São Sepé e mil e quinhentos companheiros. Aproveitamos a data para fazer uma nova canonização popular do nosso herói-santo. Contamos para isso com milhares de índios guaranis de toda a América Latina, de outras nações como os kaingang, os charruas, os xavantes e representantes de outras tribos.
Naquele mesmo ano de 2006, a família Abib, tendo à frente o patriarca Antônio, ergueu um monumento a São Sepé Tiaraju, lindo de morrer, que acabou sendo destruído pelo representante dos latifundiários, aquele mesmo que, graças a Deus foi derrotado pelo povo nesta última eleição de outubro.
Além do admirável feito da família Abib, atualmente ela é detentora da presidência do Partido dos Trabalhadores (PT) e dois filhos do patriarca Antônio, são titulares de duas secretarias do novo governo.
Esta nova administração, na esteira do grande Herói Popular e Mártir São Sepé Tiaraju, como primeiro ato de governo, vai lançar, se já não o fez, por estes primeiros dias, o decreto de desapropriação da Sanga da Bica, a fim de que para todo o sempre, o povo do Rio Grande do Sul, devolva a São Sepé o papel que lhe cabe em nosso tradicionalismo de raiz, como base de toda a nossa cultura de origem guarani-missioneira. Através do povo guarani das Missões dos Sete Povos fomos introduzidos na geografia universal dos povos do mundo inteiro. Temos já garantido para sempre nosso lugar, como Rio Grande do Sul, na história universal, sob o grande título de “triunfo da humanidade” consagrando a experiência única acontecida no mundo, de um sistema econômico, político, social, ecológico e religioso, eminentemente solidário.
O povo guarani das Missões profetizou, com 300 anos de antecedência, absolutamente tudo quanto se fala e se propõe nos dias de hoje, nos Fóruns Sociais Mundiais, cuja cidade referência para o mundo, é nossa capital Porto Alegre.
Não podemos nos furtar de transcrever, a seguir, a justificativa que ajudamos a construir, do decreto de desapropriação que o prefeito Roque Montagner e sua equipe de governo vão lançar como primeiro ato da novel administração da cidade. Nesta tarefa tivemos a honra de contar também com a assessoria abalizada do pesquisador amigo, missioneiro dos quatro costados, José Roberto de Oliveira.
Texto base para sustentação do Decreto Municipal de São Gabriel para desapropriação da área onde tombou o Herói da Pátria Sepé Tiaraju: Sanga da Bica.
As terras hoje pertencentes ao município de São Gabriel são habitadas a mais de 10 mil anos. Levantamentos arqueológicos mostram a presença humana primeiramente por índios Pré-Pampianos. Há cerca de 2.500 anos entraram na região os Índios da Nação Guarani advindos da região amazônica em busca da “terra sem males”, elemento fundante dessa cultura.
Com o “descobrimento” da América e do Brasil, e a divisão das terras entre os dois reinos, dá-se o início da cristianização das pessoas que viviam milenarmente nestes locais. Em 3 de maio de 1626 entram no atual território do Rio Grande do Sul os primeiros Jesuítas, os quais foram reduzindo os nativos formando as primeiras comunidades urbanas do Estado.
Entre 1626 e 1638, marcando a sua primeira fase, fundaram 18 reduções Jesuítico-Guaranis as quais foram expulsas pelo ataque dos Bandeirantes Paulistas. Durante 45 anos ficaram do outro lado do Rio Uruguai, momento em que o gado se multiplicou em mais de um milhão de cabeças, pois havia sido introduzida pelos jesuítas em 1634. A partir de 1682 retornam por questões econômicas e territoriais, momento em que fundam os Sete Povos das Missões, conhecidos internacionalmente.
Nesta segunda fase missioneira foram alcançados grandes níveis de desenvolvimento econômico e social. Entre muitos escritores mundiais, foram citados por Voltaire como “triunfo da humanidade”, por Montesquieu como “primeiro estado industrial da América” e pela UNESCO, órgão das Nações Unidas responsável pela cultura mundial, foi referendado como “uma experiência sem precedentes na história dos povos”.
Como era natural, em um mundo de reis, a “experiência” que fez uma sociedade sem ricos e nem pobres suscitou muitos inimigos e em 13 de janeiro de 1750 foi assinado o Tratado de Madri pelas Cortes de Portugal e Espanha. As terras pertencentes aos Guaranis deveriam ser entregues a Portugal e em conjunto com os missionários deveriam abandoná-las com seus móveis e bagagens para se estabelecerem em outras terras pertencentes à Espanha. Em caso de resistência dos índios a desocupação deveria ser à força de armas.
Os trabalhos de demarcação foram iniciadas em 1752, sendo comandadas, do lado português, pelo General Gomes Freire de Andrade, governador do Rio de Janeiro, e do lado espanhol pelo Marquês de Valdelirios. Iniciada a demarcação, é interrompida em Santa Tecla, capela da estância jesuítica de São Miguel Arcanjo, onde hoje está o município de Bagé. José Tiaraju, alferes real e corregedor miguelista informa aos demarcadores que não poderiam passar adiante com a frase “Esta terra tem dono”, que se tornou um símbolo para a manutenção da raça guarani, mas também para diversos grupos de excluídos até o presente.
Entre 1754 e 1756 ocorre efetivamente a Guerra Guaranítica. No final do ano de 1755, após algumas lutas inócuas, os dois exércitos, lusos e castelhanos, se uniram formando a maior coalizão militar colonial até então montada. Sob o comando português estavam reunidos mais de 1.600 soldados e 200 vaqueanos, bons conhecedores dos terrenos. Portavam armamento de grande porte, como canhões, granadas, fuzis, pistolas e lanças, sendo que acompanhava ainda o exército um comboio de 73 carretas, duzentos escravos, 6.000 cavalos e mais de mil bois. Pelo lado castelhano, mais 1670 homens, dos quais apenas 470 eram militares regulares. Os demais eram milicianos recolhidos em fazendas argentinas, os chamados blandengues, homens sanguinários e violentos. Além destes, mais 200 carretas, 7 mil cavalos, 800 mulas e 6 mil vacas para abate.
No dia 07 de fevereiro de 1756, no local onde hoje é a cidade de São Gabriel, num sábado é morto Sepé Tiaraju. Nesse dia, os missioneiros armam mais uma emboscada às tropas ibéricas, ao deixarem, como isca, uma ponta de gado à vista dos invasores. Cavaleiros missioneiros atacaram céleres e lancearam mortalmente dois peões portugueses lusitanos que haviam cruzado o arroio Vacacaí para reunir, abater e carnear os animais.
Prevenidos contra a tática utilizada anteriormente, às cinco e meia da tarde, o comandante Andonaégui enviou trezentos soldados espanhóis e portugueses, em dois esquadrões, em perseguição dos setenta a oitenta cavaleiros missioneiros, reunidos próximos a um capão no atual local chamado de Sanga da Bica. Na perseguição, a montaria de Sepé Tiaraju tropeçou em um desnível do terreno, lançando o cavaleiro ferido ao solo. Aproveitando a oportunidade, um peão português cravou uma lança no chefe militar missioneiro; depois Joaquim Viana, espanhol, deu lhe o tiro mortal com uma pistola, dando fim à vida do corregedor. No combate, os espanhóis tiveram dois mortos e os missioneiros, oito.
Conforme o relatório do padre Henis, jesuíta da redução de São Lourenço e que produziu o relato da Guerra Guaranítica em nome dos missioneiros, escreve que os portugueses e espanhóis queimaram o corpo de Sepé Tiaraju, com pólvora, mesmo que estivesse respirando e o martirizaram de outras maneiras. Enterraram (com os sagrados cânticos e hinos que usavam nas igrejas, porém sem sacerdote) o corpo do Capitão, em uma vizinha selva, havendo buscado de noite os seus com grande dor, a medida do amor que tinham por ele.
O mesmo relatório diz que foi de admirar o quanto caíram de ânimo os índios com a morte tão intempestiva de seu capitão, em cujo valor, prudência e arte, tinham posta toda sua esperança. Larguia em seu livro, na página 45, escreve que “A memória de Sepé Tiaraju está viva ainda hoje na região. A tradição há concentrado em sua figura o sentimento de independência e de pátria, que os rio-grandenses mantêm muito vivo, com aspirações de autonomia que parece nunca se vão extinguir.”
Três dias após a morte de Sepé Tiaraju, no dia 10 de fevereiro, Nicolau Languiru, corregedor de Conceição, comandou o Exército Guarani no combate mais encarniçado e desastroso de todos os 160 anos do povo Guarani. Na Batalha de Caiboaté morreram 1.500 índios. As forças organizadas missioneiras, não tendo mais forças de resistência, decompõem-se.
Passados 256 anos da morte de Sepé Tiaraju, é importante colocá-lo como uma das principais heranças místicas e heróicas do Rio Grande do Sul e do Brasil. Hoje é reconhecido oficialmente como Herói Guarani, Missioneiro e Rio-grandense pelo Governo Gaúcho e em nível nacional como “Herói da Pátria Brasileira”, tendo seu nome inscrito no Panteão da Pátria Brasileira, único conterrâneo gaúcho com esta honraria.
Homenagear Sepé Tiaraju, o comandante das forças Guaranis, Corregedor da Redução Jesuítica de São Miguel Arcanjo, no local onde estava a Estância Jesuítica de seu Povo, desapropriando o local que representa o seu martírio é homenagear a história da formação do Estado – as “Raízes do Rio Grande do Sul”.
Outra vertente de pensamento importantíssima e que é justificativa para este ato histórico é a importância de Sepé Tiaraju como instrumento de empoderamento social nos atuais Movimentos Populares tais como MST, Pequenos Agricultores, Comunidades Eclesiais de Base, comunidades indígenas, negros, movimentos de mulheres, padroeiro dos prefeitos de origem popular, entre outros. Isto tudo sem esquecer os movimentos de canonização de Sepé Tiaraju, hoje já reconhecido pela sociedade como santo popular.
Aqueles que ainda não aceitam a existência de Sepé Tiaraju e sua morte neste local é importante que leiam documentos oficiais da Guerra Guaranítica mundialmente estudados: 1) Diario Histórico de la Rebelion y Guerra de los Pueblos Guaranis, Situados em la Costa Oriental del Rio Uruguay, del Año de 1754. Version Castellana de la Obra Escrita en Latin por el P. Tadeo Xavier Henis, de la Compañia de Jesus. 2) O Livro Diário da Expedição de Gomes Freire de Andrada: As Missões do Uruguay – pelo Capitão Jacinto Rodrigues da Cunha. 3) O Livro de José Custódio de Sá e Faria no seu Diário da Expedição e Demarcação da América Meridional e das Campanhas das Missões do Rio Uruguai (1750-1761). 4) O livro de Dom Francisco Graell no seu diário Passado Missioneiro, no Diário de um Oficial Espanhol. Estes quatro relatórios da Guerra Guaranítica são documentos presenciais e demonstram a história ocorrida neste local.
Para o município de São Gabriel a desapropriação e a valorização deste chão onde ocorrerão erguimentos de futuros monumentos é fixar-se definitivamente dentro da história da formação do Rio Grande do Sul, Brasil e América Latina, pois hoje Sepé Tiaraju é reconhecido como símbolo de luta dos povos oprimidos em todo o Continente, fato muito bem demarcado nos festejos dos 250 anos da morte de Sepé Tiaraju. Este lugar deve se tornar, como já o é atualmente em pequena escala, um lugar de grandes peregrinações, motivo e justificativa fundamental para a desapropriação.
Observação final: Não é de somenos importância esclarecer que o terreno denominado Sanga da Bica, é de propriedade de uma das famílias de latifundiários mais antigas e tradicionais do Estado do Rio Grande do Sul. Além de titular de inúmeras propriedades, é igualmente proprietária do Castelo de Pedras Altas. Seus atuais descendentes, quando deram por perdida a última eleição de 7 de outubro, prevendo o que poderia acontecer com um governo popular, começaram a agir imediatamente. Começaram por descaracterizar a área aterrando a Sanga da Bica e iniciando no local uma construção. Naturalmente, nada disso interessa ao povo e à nova administração do município. Prevê-se que o decreto de desapropriação vá desencadear um terremoto na cidade e no campo. Isso não assusta aos que estão decididos a desapropriar e a declarar área pública, o lugar em que Sepé Tiaraju tombou. Sepé além de canonizado pelos índios no dia mesmo em que foi martirizado, foi novamente canonizado pelos movimentos populares em 2006, e é hoje, por lei estadual e federal, proclamado herói guarani, missioneiro, rio-grandense e também brasileiro. Se até prédios em que houve torturas estão sendo desapropriados “ad perpetuam rei memoriam” (para a perene memória do fato), quanto mais um lugar sagrado para índios, rio-grandenses e brasileiros.
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Mais um milagre de São Sepé Tiaraju - Instituto Humanitas Unisinos - IHU