03 Dezembro 2014
"Temos então o governo encurralado pelos rentistas, pelas forças políticas lobistas e pela imprensa largamente comprometida com interesses antinacionais, financistas e oligárquicos", escreve Rennan Martins, blogueiro e editor do portal Desenvolvimentistas, em artigo publicado no portal Desenvolvimentistas, 01-12-2014.
Eis o artigo.
Os 12 anos em que o PT esteve a frente do executivo caracterizaram-se por notáveis avanços sociais e massificação do consumo perante as classes menos favorecidas. As reformas produzidas foram fracas e a atuação do partido se deu sem enfrentamento aberto as oligarquias, sempre nas linhas de menor resistência a avanços populares, como bem pontua Giovanni Alves.
Ainda que se valendo de uma estratégia de conciliação exacerbada, desmobilizadora das massas que no fim das contas são a base social do lulismo, o desempenho desta estratégia foi notável, pois, a ditadura militar e os governos neoliberais anteriores praticaram um arrocho representativo ao trabalhador, o que deixou a Lula um cenário em que a margem de manobra era folgada.
Soma-se a isso o cenário favorável internacionalmente. O boom das commodities foi um evento que contribuiu decisivamente para que o Estado pudesse gerir o conflito distributivo – favorecendo o trabalho por meio da política de aumento do salário-mínimo e a camada em situação de pobreza e miséria por meio de uma forte expansão de programas de transferência de renda.
Tudo isto se deu, saliento, sem tocar nos privilégios de uma elite que prega a meritocracia, mas que desfruta de largo financiamento estatal, seja por meio de empréstimos com condições maternais do BNDES, ou ainda pelo escandaloso serviço da dívida pública, que suga mais de 40% do orçamento estatal e vai direto para o bolso dos privilegiados rentistas.
A elevação do padrão de vida do cidadão médio brasileiro se fez inserindo-o no mercado de consumo, com fortes incentivos ao mercado interno, tratou-se de um choque de capitalismo num Estado de bases institucionais oligarcas.
Estes ganhos materiais se deram obedecendo uma lógica puramente mercantil. As grandes cidades foram entregues a projetos de parceria público-privada inteiramente delineados de forma a atender interesses de grandes empreiteiras e concessionárias, a massificação de bens tecnológicos difundiu uma cultura alienante por meio das corporações de mídia vinculadas a interesses privados.
O resultado disso é uma população altamente suscetível a manipulação, de baixo senso crítico e refratária a ação política, vista sob os olhos criminalizantes que a narrativa da imprensa hegemônica impõe. A inclusão, portanto, formou consumidores, não cidadãos.
E eis que a crise de 2008 se mostrou persistente. O cenário internacional se dá com os EUA incapaz de ir além do expansionismo destinado primeiramente a pagar as contas do 1%, a Europa por sua vez afunda nas reformas liberalizantes/austeras, que não fizeram e não farão a iniciativa privada deslocar seu investimento do setor financeiro para o da economia real.
Este prolongamento fez com que o desaquecimento produtivo atingisse também as economias emergentes. Países como Rússia, África do Sul e até mesmo a China se veem com projeções de crescimento bem menos vistosas que anteriormente.
O Brasil também foi tragado por este quadro e este ano expandirá menos de 1%. Isto deu munição ao setor conservador que apostou todas as fichas no discurso do ajuste ortodoxo radical que, segundo eles, traria novamente as condições do retorno do crescimento.
Fazendo uso de sua imprensa amiga e da docilidade do eleitorado a retórica neoliberal, passou perto de levar ao poder um representante nato da elite financista que aqui no Brasil se articulou as dinastias patrimonialistas da política.
A reeleição do projeto neodesenvolvimentista capitaneado por Dilma e seu “militante nº 1”, Lula, se deu apoiada no núcleo duro dos milhões que obtiveram os ganhos materiais do “reformismo fraco”, como define André Singer, e na impressionante mobilização da militância de esquerda, grande responsável pela virada no segundo turno.
Os fracos resultados econômicos de 2014 minaram o apoio político do governo no Congresso Nacional, baseado em amplas concessões ao centro e centro-direita. Junto a isso observa-se o recrudescimento do conservadorismo, que nessas situações marca terreno de forma agressiva no sentido de manter seus ganhos obscenos baseados unicamente nos altos juros por aqui praticados. Esta postura não é nenhuma surpresa, o economista Piketty constata em sua obra O Capital no Século XXI, que nos períodos de baixo crescimento é que se observam os maiores impulsos no sentido da concentração das riquezas.
Temos então o governo encurralado pelos rentistas, pelas forças políticas lobistas e pela imprensa largamente comprometida com interesses antinacionais, financistas e oligárquicos. Estes são os limites do projeto petista, incapaz de avançar sem confronto direto com as classes dominantes.
Se desejam continuar com o viés e apoio popular, terão de encampar uma das três propostas: a auditoria da dívida pública; a reforma política; ou a regulação dos meios de comunicação. Todas as opções mexem num vespeiro de interesses entrincheirados e poderosos, que interditam toda e qualquer proposta de democratização e inclusão social.
Nesta situação há uma perplexidade do Planalto que se vê tentado a dar ainda mais concessões no intuito de ganhar tempo. Ocorre que essa opção lhe fará perder o apoio já ressabiado das massas que reelegeram o projeto. Considerando a tática de atuação nas linhas de menor resistência, a opção que se afigura mais exequível é a reformulação da política de distribuição das verbas de publicidade estatal, o que pode reequilibrar o debate público no sentido de reformular maiorias políticas pelas propostas populares.
Este artigo é largamente inspirado na leitura dos textos do professor Giovanni Alves, que constam em sua coluna no Blog da Boitempo.
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O neodesenvolvimentismo, a conciliação exacerbada e o encurralamento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU