Por: André | 28 Novembro 2014
“Não é possível ser pró-vida e ao mesmo tempo esquecer o pranto dos pobres”. Francisco confirmou oficialmente sua presença no Encontro Mundial das Famílias, que acontecerá na Filadélfia em setembro de 2015. Dom Charles Chaput (foto), arcebispo da metrópole estadunidense, fala com o Vatican Insider sobre o significado da visita e sobre a forma como a mensagem do Papa Francisco é recebida nos Estados Unidos.
Fonte: http://bit.ly/1FqPvcW |
A entrevista é de Andrea Tornielli e publicada no sítio Vatican Insider, 26-11-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
O Papa Francisco confirmou sua participação no Encontro de Filadélfia programado para setembro próximo. Qual acredita ser a coisa mais importante desta visita papal?
O Santo Padre combina duas qualidades com descomunal habilidade. Tem compaixão pelas pessoas afastadas da Igreja e tem a coragem para dizer a verdade com amor. Não condena ninguém. Genuinamente, compartilha os sofrimentos das pessoas machucadas pelas dificuldades da vida. Isto faz com que sua voz seja profundamente apelativa. Ao mesmo tempo, também falou com frequência apoiando aquilo que Paulo VI chamava de “família natural”. Prova disso é que mostrou seu apoio novamente na semana passada, em Roma, com seu discurso na conferência Humanum sobre a complementaridade de homem e mulher. Uma família natural forte é a maior fonte para nutrir um desenvolvimento saudável e o maior antídoto para a pobreza e a solidão. Então, estou seguro de que o Papa levará essa mesma mensagem de misericórdia e verdade sobre a família para Filadélfia no próximo ano. Algumas pessoas perdem muito tempo e criam muita confusão tratando de interpretar o que o Santo Padre “realmente” quer dizer com suas ações. Ele não necessita de tradutores. O Papa Francisco é um homem muito ancorado na fé e nos ensinamentos católicos. Precisamos deixá-lo fazer ao seu próprio modo o que Deus lhe pede para fazer: ser pastor da Igreja.
Como é possível anunciar hoje, em uma sociedade secularizada, o Evangelho da família? E como é possível responder às necessidades e ao sofrimento das famílias rompidas por uma separação ou um divórcio?
Nada é mais forte que o testemunho pessoal. Se vivemos a nossa fé como famílias cristãs com generosidade e alegria, isso naturalmente atrairá outros. Caso contrário, nenhuma palavra bonita ou nenhum juízo duro substituirá esse testemunho. A crise atual da família e todos os problemas dela derivados não devem surpreender a ninguém. Em grande escala, nós mesmos criamos a tragédia com uma combinação de catequese pobre para os noivos e casais, junto com um exemplo pobre da vida familiar e de casados. A Igreja precisa fazer um trabalho muito melhor para viver sua vocação com alegria. No caso de haver divórcio, precisamos ajudar as pessoas divorciadas a continuar o caminho cristão, recordando-lhes que o amor de Deus para com eles se mantém inclusive diante da solidão ou do abandono. E precisamos apoiar especialmente os filhos do divórcio, que com frequência acabam literalmente às margens, presos às respectivas vidas de seus pais separados.
E depois de um ano e meio do novo pontificado de Francisco, qual é, na sua opinião, a mensagem mais importante do novo Papa?
Creio que ele vê a missão da Igreja através dos olhos do Sul Global. É ali onde vive a maioria dos católicos. Ele tem experiências diferentes do mundo católico do Norte e uma perspectiva diferente quando avalia as necessidades da Igreja. E ele é, além disso, um homem muito inteligente que irradia uma mistura de simplicidade e alegria que as pessoas encontram como nova e muito magnética.
Por que parece tão difícil, para alguns grupos católicos nos Estados Unidos, sintonizar com a mensagem do Papa?
Porque é novo: não apenas no ministério papal, mas com seu novo estilo de liderança e sua personalidade. Isso é uma bênção, mas as coisas novas deixam as pessoas nervosas. Há 800 anos, o fundador da minha própria ordem religiosa, São Francisco, deixou muita gente nervosa. É a natureza humana. O que os leitores precisam compreender é que os meios de comunicação norte-americanos exercem um papel muito forte ao moldar as percepções deste pontificado, e nem sempre estão a serviço da verdade. O que alguns na mídia chamam de ala “conservadora” da Igreja, nos Estados Unidos é muito diferente do que pode significar “conservador” em outros lugares do mundo.
Nos Estados Unidos, a etiqueta de “conservador” é usada com frequência para menosprezar os católicos comprometidos e fiéis que apóiam o direito da Igreja à liberdade religiosa e seus ensinamentos sobre o tema da vida, do matrimônio e da família. Muitos católicos que estão muito comprometidos com a ajuda aos pobres, no entanto, também são etiquetados como “conservadores”, simplesmente porque acolhem todos os ensinamentos impopulares da Igreja sobre os temas morais. Estes católicos não estão incomodados com o Papa: isso seria uma contradição com suas próprias crenças básicas, mas reagem às notícias da mídia que cria a impressão de uma revolução no ensinamento católico. No entanto, algumas pessoas na mídia e também dentro da Igreja querem, sim, que essa revolução aconteça.
Creio que o Papa entende a natureza do poder dos meios de comunicação muito bem. No livro Sobre o Céu e a Terra (Companhia das Letras, 2013), o Santo Padre, na época arcebispo de Buenos Aires, fala da forma como os meios de comunicação costumam distorcer seu ensinamento sobre os valores morais dando-lhes um significado político partidarista. Também ressalta que a mídia costuma acomodar sua cobertura a formas que traem seus próprios preconceitos particulares, coberturas que favorecem ou ressaltam o conflito em vez da unidade. Nesse livro, ele resume bem o problema da parcialidade dos meios de comunicação, uma experiência similar a que muitos bispos dos Estados Unidos compartilham.
É possível ser pró-vida e ao mesmo tempo não pró-pobre? Acredita que a mensagem social do Papa Francisco, de acordo com toda a tradição da Doutrina Social da Igreja católica (expressada, por exemplo, na encíclica Quadragesimo Anno, de Pio XI, na qual o Papa Ratti fala sobre o “imperialismo internacional do dinheiro”) precisa ser melhor assimilada pela Igreja norte-americana?
Eu disse muitas vezes e ao longo de muitos anos que, se ignoramos os pobres, iremos para o inferno, literalmente. Ignoramos as necessidades dos pobres ao custo de nossas próprias almas. A menos que se impregne de uma vigorosa fé religiosa, a cultura norte-americana converte-se muito facilmente em egoísta e hipermaterialista. Este é um paradoxo, porque os americanos são, ao mesmo tempo, muito generosos. Geralmente, são considerados como líderes do mundo em pesquisas sobre generosidade individual, em termos de tempo e dinheiro doado para causas de caridade. Muitos americanos católicos apóiam a mensagem do Papa Francisco sobre o tema da pobreza. Quando ele frisa o sofrimento do pobre, o Santo Padre não se refere apenas às necessidades práticas das pessoas sobre a pobreza material, mas às necessidades morais das pessoas que sofrem de pobreza espiritual. Então, para responder à sua pergunta mais diretamente. Não, não é possível ser pró-vida e ao mesmo tempo esquecer o clamor dos pobres.
Mas, eu acrescentaria um pensamento: a Evangelium Vitae – “o Evangelho da Vida – é uma encíclica tão social quanto a Quadragesimo Anno. Defender a criança não nascida é parte vital da Doutrina Social da Igreja. E a Doutrina Social da Igreja é incompleta sem não se trabalha ativamente na defesa da criança não nascida com apoio jurídico e no apoio prático às mulheres e às famílias. O não nascido também faz parte dos pobres e com frequência dos mais pobres e dos mais explorados entre os pobres. Nos Estados Unidos, em 2011, houve mais de um milhão de abortos. Nesse mesmo espaço de tempo, cerca de 3.000 pessoas morreram de desnutrição. Cada uma destas mortes é uma tragédia que exige a nossa atenção, e todos temos o dever de olhar além das nossas fronteiras nacionais para as necessidades da justiça social globalmente. Mas no contexto católico dos Estados Unidos, há 300 vezes mais mortes cada ano por causa do aborto do que de fome. Por isso, o aborto e outros temas sobre a “santidade da vida” têm tanta importância no meu país.
Como estão vivendo na sua experiência pastoral na Filadélfia o ensinamento de Francisco sobre a necessidade de ir às periferias geográficas e existenciais?
O Papa Francisco fala sobre estes temas de maneira nova, que conquista, livre de medos, e isso ajuda os católicos a ver o mundo com novos olhos. Mas a mensagem básica não é nova, é o mesmo Evangelho pregado por todos os seus predecessores. Durante 200 anos a Igreja na Filadélfia serviu os pobres de muitíssimas formas – educação, alimentação, serviço aos mendigos, anciãos, deficientes – e estes ministérios transformaram, para bem, centenas de milhares de vidas. Sei que sempre podemos fazer melhor a obra do Evangelho e por isso necessitamos examinar constantemente as nossas ações para garantir que nunca esfriemos o nosso zelo ou nossa efetividade.
A justiça com a imigração é especialmente importante para os milhões de imigrantes indocumentados e invisíveis no meu país, e muitos deles são católicos. Embora tenhamos que trabalhar mais para servir as necessidades dos marginalizados, também precisamos haurir novas forças do bom trabalho que já realizamos. A Igreja na Filadélfia chegou às pessoas marginalizadas há um bom tempo. A nossa gente tem um coração generoso e isso não vai mudar. Creio que o Santo Padre verá isso quando nos visitar. E sei que será recebido calorosamente e será muito querido pela Igreja e pela cidade que o acolherá aqui.
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“Não é possível ser pró-vida e esquecer o pranto dos pobres”, diz arcebispo norte-americano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU