15 Outubro 2014
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) calcula que o mundo desperdiça 1,3 bilhão de toneladas de alimentos a cada ano, enquanto 805 milhões de pessoas sofrem desnutrição crônica ou fome. Ren Wang, diretor-geral do Departamento de Agricultura e Proteção do Consumidor da FAO, anunciou esses números no XI Fórum Internacional para a Mídia sobre a Proteção da Natureza, acrescentando que “precisamos de uma mudança transformadora de nossas políticas alimentares e agrícolas para ter sustentabilidade”.
A reportagem é de D. McKenzie, publicada por Envolverde/IPS, 13-10-2014.
O fórum deste ano – Gente Que Constrói o Futuro. Alimentando o Mundo. Alimentação, Agricultura e Ambiente – reuniu especialistas, jornalistas e responsáveis políticos na cidade de Nápoles, entre os dias 8 e 11 deste mês, organizado pelo grupo ecologista italiano Greenaccord. O encontro aconteceu quando se aproxima o fim do ano que a Organização das Nações Unidas (ONU) dedicou à agricultura familiar, enquanto a alta de preços dos alimentos continua minando a renda dos setores vulneráveis.
Embora a produção mundial de alimentos tenha triplicado desde 1946 e a desnutrição mundial tenha caído de 18,7% para 11,3% nos últimos 20 anos, a segurança alimentar continua sendo um tema crucial, destacou Wang. A comida desperdiçada representa um terço da produção atual de alimentos. Por essa razão a expansão da produção agrícola não é necessariamente a resposta.
O mundo produz alimentos suficientes para que cada habitante consuma cerca de 2.800 calorias diárias, segundo os cientistas. Mas, enquanto algumas pessoas têm a possibilidade de desperdiçar a comida, para outras ela não chega a ser suficiente. Apesar de o desperdício e a fome não estarem diretamente relacionados, existe uma desigualdade inquestionável no sistema mundial de alimentos, afirmou Gary Gardner, do Instituto Worldwatch, um centro dedicado à pesquisa de políticas sustentáveis, com sede em Washington.
“Nos países ricos, o desperdício de comida acontece frequentemente em nível varejista e do consumidor, seja na loja ou em casa, onde se joga fora grande quantidade”, indicou Gardner à IPS. Pelo contrário, o mesmo fenômeno no Sul em desenvolvimento ocorre principalmente no nível “agrícola ou de processamento”, acrescentou. Segundo o especialista, “a comida se perde, em geral, por não haver sistemas que a transportem de maneira eficiente aos centros de processamento e depois ao consumidor”.
A perda e o desperdício de alimentos chegam a cerca de US$ 680 bilhões nos países industrializados e atingem US$ 310 bilhões no Sul em desenvolvimento, segundo a iniciativa Save Food (Salvar a Comida), um projeto da feira comercial alemã Messe Düsseldorf, em colaboração com a FAO e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).
“Os consumidores dos países ricos desperdiçam quase tanto alimento (222 milhões de toneladas) quanto toda a produção alimentar da África subsaariana (230 milhões de toneladas)”, segundo a Save Food. “Embora fosse possível guardar apenas um quarto dos alimentos que se perde ou desperdiça no mundo, isso bastaria para alimentar 870 milhões de pessoas que passam fome”, acrescentou a organização.
Na Europa, a grande quantidade de comida que os supermercados jogam no lixo em certas ocasiões causa indignação pública, especialmente nos países onde é ilegal as pessoas recolherem o que é jogado fora. A cadeia de supermercados britânica Tesco reconheceu que descartou 28.500 toneladas de alimentos no primeiro semestre de 2013, e em geral o desperdício anual na Grã-Bretanha é calculado em 15 milhões de toneladas.
Nos Estados Unidos, as autoridades calculam que aproximadamente 40% dos alimentos produzidos acabam no lixo, em grande parte devido aos supermercados. Mas nos dois lados do Atlântico é ilegal recolher produtos dos contêineres de lixo, um tema delicado para alguns ativistas que organizaram campanhas públicas que oferecem refeições preparadas com alimentos jogados fora.
No fórum de Nápoles, onde os especialistas analisam as consequências sociais e ambientais do desperdício, entre outros temas, Gardner falou sobre a experiência do ativista Rob Greenfield, que se alimentou com comida retirada dos contêineres de lixo enquanto percorria os Estados Unidos de bicicleta.
“Muitas vezes a comida estava em pacotes fechados, caixas inteiras de cereais, sucos, esse tipo de coisas que por diversas razões foram jogadas fora, mas que, para ele, eram alimentos em perfeito estado”, explicou Gardner. “Essa não é a melhor maneira de nos desfazermos dos resíduos. A melhor maneira, em primeiro lugar, é não gerá-los”, acrescentou.
A Tesco e outras redes de supermercados britânicos concordaram em aplicar um programa de redução de resíduos, e restaurantes em vários países também tomaram medidas não só para reduzir os dejetos como para convertê-los em biogás para gerar energia. Gardner opinou à IPS que, em lugar de jogar comida fora, os supermercados deveriam doar os produtos a organização locais, como as cozinhas populares, embora o melhor fosse “não gerar esse desperdício”.
Alguns oradores no Fórum disseram que o uso de alimentos ou dejetos do lar para a energia em nível local poderia contribuir com soluções ambientais de maior alcance, mas que o objetivo principal deve ser frear a geração de resíduos.
“A segurança alimentar e a mudança climática têm alguns desafios em comum”, ressaltou Adriana Opromollo, da Caritas Internacional, rede católica de organizações humanitárias. “Em nível local, vemos que o uso dos alimentos ou do lixo doméstico pode prosperar como estratégia de sucesso. Mas temos que nos concentrar nas soluções que se adaptam ao contexto particular”, afirmou à IPS.
A forma de reduzir a quantidade de resíduos pode começar com medidas simples. Algumas empresas de serviços de alimentação dos Estados Unidos descobriram que, quando nos restaurantes escolares eram dados aos estudantes apenas os pratos, sem as bandejas, os jovens pegavam apenas os alimentos que poderiam consumir, gerando 25% menos resíduos.
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Montanhas de comida no lixo e centenas de milhões passando fome - Instituto Humanitas Unisinos - IHU