14 Outubro 2014
"Depois da primeira semana de trabalhos do Sínodo, eu ainda não encontrei uma resposta à possibilidade de admitir os separados à Comunhão sem atingir a indissolubilidade do matrimônio. Sobre os gays, ao invés, devo admitir que fomos lentos em lhes reconhecer a justa dignidade. Estamos diante de uma grande prova: o confronto com a revolução sexual é um desafio talvez não inferior ao lançado pela revolução marxista. É preciso regenerar a partir de baixo o povo de Deus com uma educação ao amor, que deve começar desde a adolescência. O Papa Francisco, com o seu estilo particular, gerou um novo clima. A sua experiência de partilha da marginalização e da pobreza é significativa para todos. Para nós, europeus, talvez, no início, foi também desestabilizador, mas está dando os seus frutos."
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 12-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Durante o Sínodo sobre a família, o cardeal Angelo Scola, arcebispo de Milão, conta as suas impressões sobre a cúpula e sobre a vida da Igreja um ano e meio depois da eleição do Papa Bergoglio.
Eis a entrevista.
Eminência, às vezes parece que a Igreja europeia custa a compreender a novidade de Francisco. No Sínodo também as posições são heterogêneas. Será possível fazer uma síntese?
Estou convencido que sim. Antes do conclave, nós, europeus, tínhamos expressado um juízo claro sobre a vida da Igreja, falando explicitamente das poucas probabilidades de que fosse eleito um papa europeu. Hoje, temos um papa cuja experiência pastoral passou pelo trabalho da partilha profunda da marginalização, da pobreza, chegando a formular uma teologia e uma cultura significativas para todos. Para nós, europeus, isso constitui uma provocação que, no início, pode ser até desestabilizadora, mas que, se assumida, como pedido pela natureza de comunhão da Igreja, é absolutamente preciosa. Estamos andando nessa direção, e, por isso, o futuro é cheio de esperança. Dentre outras coisas, se é verdade que a Europa está cansada, também é verdade que está assim porque, há séculos, carregada sobre as costas problemas bastante complexos. A mens europeia continuará tendo um peso forte na construção da nova civilização e da nova ordem mundial.
Francisco, no Sínodo, quer que haja acima de tudo um debate. O que o senhor pensa a respeito?
Na Assembleia sinodal, está em curso uma extraordinária escuta recíproca. Não existe nenhum lugar do mundo em que 250 pessoas provenientes de todos os países trabalhem tão duramente. A catolicidade da Igreja é palpável e é um espetáculo. Além disso, a práxis introduzida em 2005 por Bento XVI de deixar, no fim do dia, uma hora de debate livre foi amadurecendo. Cada um tem a possibilidade de retomar a intervenção de outro, dizendo: "Não entendi isso, eu diria assim" etc. É realmente um crescimento no exercício da colegialidade.
Na Itália, o debate midiático pré-Sínodo se focou na Comunhão aos divorciados em segunda união.
Mas o tema do acesso à Comunhão sacramental dos divorciados em segunda união se inseriu na necessidade, sentida por todos, de se inclinar sobre toda a realidade da família, muito preciosa para a Igreja e para a sociedade. Buscamos encontrar o caminho mais adequado e as linguagens mais compreensíveis para comunicar a beleza da proposta cristã oferecida a todos. Além disso, no debate, emergiram outras situações complexas e difíceis. Por exemplo, o tema da poligamia teve um grande peso tanto nas intervenções dos padres africanos, quanto nos dos asiáticos. No entanto, nenhum assunto delicado, incluindo o da homossexualidade, foi calado.
O que o senhor pensa sobre a possibilidade de dar a Comunhão aos divorciados em segunda união?
Fui sucessor de Roncalli em Veneza e pude ver alguns dos seus apontamentos que falam de pastoral. Roncalli coloca a pastoral em direta referência com a história e a salvação. É pastoral propôr Jesus como cumprimento e salvação da pessoa concreta. Ele é caminho, verdade e vida para cada um, em qualquer situação em que se encontre. Pessoalmente, percebo a necessidade de que a ideia roncalliana seja assumida mais plenamente, reconhecendo o nexo inseparável entre doutrina, pastoral e disciplina. Só a partir dessa perspectiva unitária poderá emergir uma adequada ação eclesial para os divorciados em segunda união.
É verdade que a eucaristia, em certas condições, tem um componente de perdão dos pecados, mas também é verdade que não é um "sacramento de cura" em sentido próprio. Além disso, a relação entre Cristo esposo e a Igreja esposa não é apenas um modelo para os esposos. É muito mais: é o fundamento do seu matrimônio. Eu considero que o nexo entre eucaristia e matrimônio continua sendo substancial. Portanto, aqueles que contraíram um novo matrimônio encontram-se em uma condição que, objetivamente, não permite o acesso à comunhão sacramental. Longe de ser uma punição, é o convite a um caminho. Essas pessoas estão dentro da Igreja, participam ativamente da vida da comunidade.
Poderão ser revistas algumas exclusões: por exemplo, a sua participação no conselho pastoral ou a possibilidade de ensinar em uma instituição católica. Pessoalmente, porém, no plano substancial, ainda não encontro uma resposta à possibilidade de que tenham acesso à Comunhão sacramental sem atingir, nos fatos, a indissolubilidade do matrimônio. Em suma, ou a indissolubilidade entra no concreto da vida, ou é uma ideia platônica. Devo acrescentar que muitos padres pediram que se reveja a modalidade de verificação da nulidade do matrimônio, dando mais peso ao bispo. Eu mesmo fiz uma proposta nesse sentido.
No Sínodo, também entraram os sofrimentos dos casais homossexuais. Da sua diocese, nesse sábado, chegou o "alto lá" em Pisapia sobre as uniões celebradas no exterior e o convite a fazer uma lei logo. Como a Igreja olha hoje para essas pessoas?
Sem dúvida, fomos lentos em assumir um olhar plenamente respeitoso para a dignidade e a igualdade das pessoas homossexuais. No que se refere às suas uniões, as palavras indicam as coisas. Não é justo suscitar, direta ou indiretamente, confusão sobre uma coisa decisiva como a família. Considero que a palavra "família", junto com a palavra "matrimônio", deve ser reservada à união estável, aberta à vida entre o homem e a mulher. Para a dupla ou o casal homossexual, deverá ser encontrado outro vocábulo. Também a questão da filiação, principalmente com o "aluguel" de maternidade, abre um problema muito grave. Corre-se o risco de pôr no mundo filhos órgãos de pais vivos.
Há um novo frescor na Igreja?
O papa, com o seu estilo particular, que se mistura a nós chegando até meia hora antes, que vai buscar as pessoas no seu próprio lugar, que vem tomar o cafezinho conosco, que cumprimenta os serventes, gera um clima novo. Certamente, a Igreja está diante de uma grande prova: o confronto com a revolução sexual é um desafio talvez não inferior ao lançado pela revolução marxista. Partindo da autoevidência do eros – o homem entende quem está em referência ao seu ser situado na diferença sexual – devemos nos comparar com visões do homem muito diversas.
Não basta uma resposta intelectual. É preciso regenerar a partir de baixo o povo de Deus, com uma nova educação ao amor que comece desde a adolescência e na consciência de que a família é o sujeito da pastoral, e não o objeto. As nossas paróquias, associações e movimentos devem ser mais lares que mostrem a beleza e a bondade do Evangelho, que entrem no necessário debate de uma sociedade plural, com franqueza, apontando ao máximo reconhecimento possível.
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''O 'não' aos divorciados não é um castigo. Com os gays, a Igreja foi lenta.'' Entrevista com Angelo Scola - Instituto Humanitas Unisinos - IHU