13 Outubro 2014
O papa não interveio no Sínodo depois do discurso de abertura, mas essa decisão vale mais do que muitos discursos. É um ato forte de governo: como bom jesuíta, o papa escuta a todos, mas depois se move.
A opinião é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor de história do cristianismo da University of St. Thomas, em Minnesota, nos EUA. O artigo foi publicado no sítio TheHuffingtonPost.it, 11-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Os leigos no Sínodo
Na coletiva de imprensa do quinto dia estavam presentes, para responder às perguntas dos jornalistas, não cardeais e bispos como nos dias anteriores, mas auditores leigos: um casal norte-americano e uma médica libanesa, que falaram sobre matrimônio e família em uma ótica estritamente "ortodoxa", no sentido de uma adesão acrítica ao magistério da Igreja Católica. Ninguém esperava que colocassem em dúvida o valor do magistério ou da encíclica Humanae vitae de Paulo VI (que em julho de 1968 declarou a contracepção incompatível com a moral católica), mas era de se esperar que oferecessem uma imagem mais realista dos problemas dos casais católicos que querem ou devem colocar um limite ao número dos seus filhos.
Especialmente o casal norte-americano ofereceu o costumeira discursinho entusiasta sobre as maravilhas dos novos estudos sobre a confiabilidade dos métodos "católicos" de planejamento familiar (o "Natural Family Planning" ou NFP, que na Igreja Católica dos Estados Unidos é o marcador de uma identidade católica inatacável).
Esse caráter particular dos leigos pré-escolhidos foi visto não só na coletiva de imprensa dessa quinta-feira, mas também nos outros casais convidados para o Sínodo, como o francês e o brasileiro, que falaram aos padres: são todos membros deste ou daquele movimento católico ("Equipe Notre Dame", os brasileiros, "L'Emmanuel", os franceses: eu escrevi um livro sobre o fenômeno dos movimentos em 2008, Breve storia dei movimenti cattolici), ou enquadrados nas equipes pastorais das dioceses ou das Conferências Episcopais.
Em outras palavras, os leigos convidados ao Sínodo são leigos do ponto de vista do direito canônico, ou seja, não são padres, mas não o são do ponto de vista sociológico, sendo muito mais próximos a "leigos consagrados" do que a leigos em sentido estrito. É inútil dizer que os "leigos leigos", que vivem o seu catolicismo ao lado e junto com uma vida leiga e secular, teriam oferecido uma imagem diferente da que foi oferecida pelos membros desses movimentos conhecidos pela sua adesão incondicional às diretrizes oficiais da Igreja.
A medida de Francisco
A verdadeira notícia do dia 10 de outubro é a da medida de Francisco em preparação à segunda semana dos trabalhos do Sínodo, e especialmente da relatio de segunda-feira e dos trabalhos nos dez circuli minores (divididos por línguas: três grupos de língua italiana, três de inglês, dois em francês e dois de espanhol: o italiano ainda é sobrerrepresentado na geopolítica católica).
Não sabemos exatamente qual é o andamento do debate, intervenção por intervenção, mas sabemos que existem linhas diferentes: a ala rigorista extrema do cardeal Burke (que nessa quinta-feira deu uma entrevista duríssima à TV católica norte-americana EWTN, em que tirou algumas pedras dos sapatos contra o Papa Francisco) e a rigorista moderada do presidente dos bispos norte-americanos, Kurtz (entrevistado pelo portal católico Crux) e o cardeal Müller contra os cardeais Kasper, o belga Danneels (que publicou na rede todo o seu discurso) e as aberturas moderadas do cardeal de Viena, Schönborn (entrevista ao Vatican Insider).
Mas há também tendências diversas entre a Aula (ou uma parte dela, ao menos) e o Papa Francisco. Vê-se isso muito bem a partir das eleições dos relatores e moderadores dos circuli minores. Entre os relatores eleitos pelos padres há personalidades diferentes entre si (como o belga Leonard, Fisichella e o irlandês Martin), e entre os moderadores há opositores jurados do papa (como Burke).
A esse andamento da assembleia, o papa respondeu ampliando a comissão para a redação da relatio de segunda-feira, colocando ao lado do relator-geral, cardeal Erdö e de Dom Forte, e do secretário-geral do Sínodo, cardeal Baldisseri, os dois membros da "comissão para a mensagem" (o cardeal humanista e biblista Ravasi e o argentino Fernández), o norte-americano moderado Wuerl (Washington), o mexicano Aguiar Retes (presidente dos bispos latino-americanos), o sul-coreano Kang U-Il, e o geral dos jesuítas, o padre espanhol Adolfo Nicolás.
Essa "supercomissão" reúne dentro de si a secretaria do Sínodo, a comissão do relator, a "comissão para a mensagem" (uma das novidades introduzidas por Francisco e anunciadas no dia 9 de setembro) e alguns membros escolhidos pelo papa pela sua representatividade cultural-geográfica (Estados Unidos, América Latina, Ásia).
Mas a nomeação de homens como Fernández e Nicolás é uma indicação clara da direção em que o papa quer se mover, no momento-chave do Sínodo que será o relatório de segunda-feira de manhã.
O papa não interveio no Sínodo depois do discurso de abertura, mas essa decisão vale mais do que muitos discursos. É um ato forte de governo: como bom jesuíta, o papa escuta a todos, mas depois se move. Com essa decisão, Francisco parece não querer correr riscos ao abrir a segunda semana do Sínodo – e o ano de trabalho que vai levar ao Sínodo de 2015.
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A medida do Papa Francisco. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU