19 Agosto 2014
A identidade das religiosas mudou drasticamente nos últimos 50 anos, foi o que ouviu o maior grupo americano de irmãs nesta quinta-feira. Esta mudança, porém, ocorreu porque elas implementaram as diretrizes do Concílio Vaticano II, e não porque se tornaram infiéis.
A reportagem foi publicada pela National Catholic Reporter, 15-08-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Nancy Schreck, irmã franciscana e ex-presidente da Conferência de Liderança das Religiosas – LCWR (na signa em inglês), disse às participantes da organização reunidas em sua assembleia anual que o “Perfectae Caritatis”, carta do Vaticano II sobre a adaptação e renovação da vida religiosa, tem sido um dos documentos conciliares mais implementados porque as religiosas vêm seguindo os seus ensinamentos.
Mas esta renovação e mudança levou à problemática que as religiosas, hoje, enfrentam, afirmou a irmã. A LCWR tem estado sob uma avaliação doutrinal ordenada pelo Vaticano desde 2009. Após uma investigação, em 2012, a Congregação para a Doutrina da Fé mandou que a LCWR reformasse os seus estatutos e nomeou o arcebispo de Seattle, Dom J. Peter Sartain, para supervisionar as mudanças. Depois da assembleia deste ano, Sartain deverá aprovar os oradores, e oradoras, dos eventos do grupo, segundo o Vaticano.
“Muitos guardiões das grandes tradições religiosas podem se assustar com o que viemos a saber e achar difícil dialogar com as complexidades e anseios de nossa visão”, disse Nancy a cerca de 800 religiosas que participam da assembleia. “A experiência é como aquela do exílio bíblico em que nos transformamos a tal ponto que não mais estamos em casa na cultura e na Igreja onde nos encontramos. Isso não é algo ruim – é simplesmente a forma como Deus funciona às vezes. O importante é que usemos bem a sabedoria que ganhamos ao sermos criadas assim, especialmente em solidariedade aos outros em exílio”.
Em muitos momentos, a conversa de quase uma hora da Irmã Nancy Schreck levantou reações de assentimento por parte da assembleia; noutros, levantou aplausos imediatos.
“As pessoas que não fizeram este trajeto ou, talvez, não passaram por um trabalho interior semelhante gostariam de nos manter no mesmo lugar onde nos conheceram”, disse. A religiosa levantou reações de consentimento novamente quando parafraseou Hebreus 11: “Andar pela fé é buscar um mundo diferente daquele do qual estamos sendo rapidamente tirados”.
A avaliação doutrinal vaticana criticou a LCWR por se focar demasiado sobre os pobres e questões de justiça social, e por não dar atenção o suficiente para questões como o aborto e o casamento gay. Nancy disse que as religiosas estão seguindo as diretrizes do documento “Perfectae Caritatis”.
“O Concílio pediu para que nos tornássemos mais cientes das preocupações sociais, e assim fizemos desde a questão do racismo às mudanças climáticas, desde o tráfico humano até as ameaças nucleares, o mesmo com as questões da comunidade LGBT, economia global, igualdade das mulheres, violência, ética na assistência médica, bem como sobre o aborto e a pena de morte, o uso de aviões não tripulados (drones), a paz”, disse. “[Aprendemos que] o nosso verdadeiro papel histórico é responder às necessidades não sanadas do nosso mundo e da nossa Igreja”.
Esta resposta levou a um aprofundamento da fé, afirmou Nancy.
“Estamos num processo de maturação desde o chamado do Concílio para a renovação, e eu me atrevo a dizer que através deste processo nos tornamos mais, e não menos, fiéis; temos maior, e não menor, clareza de quem somos; e mais, e não menos, liberdade para darmos expressão ao nosso chamado”, declarou.
O tema da assembleia – com duração de quatro dias – é “O Mistério Sagrado revelado em nosso meio”. Nancy falou, repetidas vezes, durante o evento sobre não ter medo de se perder na escuridão, pois é aí que se pode encontrar tanto a Deus quanto elas mesmas.
Na quinta-feira, falou que isso é o contrário do que o mundo, muitas vezes, exige.
“Interpretado a partir de um ponto de vista externo, especialmente na cultura americana e a partir de certa perspectiva teológica, se estivéssemos no caminho certo tudo isso se pareceria muito bom; eis o sucesso definido em termos de números, poder e lugar”, acrescentou Nancy. “A nossa tendência natural é querer ser compreendidas e aceitas, aplaudidas e apreciadas, mas esta não é a nossa identidade e o nosso propósito. Não pertencemos a este ambiente e, de fato, iremos vender nossas almas caso quisermos fazer parte do convencional e, portanto, nos tornar algo diferente daquilo que pretendíamos ser”.
Estar todos estes anos naquilo que a religiosa chamou de “espaço médio” levou a uma maturidade que não pode ser ignorada ou negada, mesmo que esta maturidade não seja compreendida pelos que estão de fora.
“Estamos entrando nesta noite de mistério e podemos dizer, com Alice Walker: ‘Não somos mais meninas. E continuar a agir como se fôssemos tirará do mundo e das gerações futuras os nossos insights’, disse Nancy, levantando aplausos ao dizer: “Não somos mais meninas”.
Embora não se saiba ainda como o grupo vai responder ao mandado para que Sartain aprove os futuros oradores (e oradoras) dos eventos da LCWR, muitas religiosas membros da organização dizem não saber como o grupo poderá assentir e manter a sua integridade. Nancy – com Sartain entre os presentes – ecoou tais pensamentos na quinta-feira pela manhã.
“A Igreja e o mundo precisam do nosso amor maduro”, concluiu Nancy Schreck. “A jornada através dos mistérios de nosso tempo marcou profundamente um caminho para dentro da alma ou essência de nosso estilo de vida e de nossas congregações para que finjamos ser coisa diferente daquela que somos realmente”.
O grupo se encontrou duas vezes em sessão executiva para discutir a avaliação doutrinal e o mandado da Congregação para a Doutrina da Fé. As religiosas irão se reunir para tratar do assunto novamente na sexta-feira. Está programado para acontecer na quinta-feira à noite um debate sobre duas resoluções referentes à justiça social: uma irá pedir para voltarmos a fontes renováveis de energia bem como dar um fim à remoção de carvão do topo das montanhas e ao fraturamento hidráulico para a obtenção de petróleo e gás; e a outra irá pedir que o Papa Francisco repudie a Doutrina da Descoberta, datada do século XV, que justificava a dominação sobre os povos indígenas.
As participantes da sessão de quinta-feira pela manhã também escolheram as representantes da organização. A Irmã Marcia Allen, presidente das Irmãs de São José da Concórdia, foi a única candidata para a presidência. Os resultados da eleição, que também escolherá uma secretária, serão anunciados na sexta-feira.
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Oradora na assembleia LCWR: “Nos tornamos mais, e não menos, fiéis” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU