14 Julho 2014
O título pode parecer surpreendente. Quem ler entenderá... Enquanto escrevo, nos jornais e nas telas da TV ressoam as palavras do presidente italiano, Napolitano: "Sem trabalho para os jovens, a Itália acabou" (La Stampa, 06-07-2014, p 2).
A reportagem é de Gianni Gennari, publicada no sítio Vatican Insider, 09-07-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Palavras pesadas, que os próprios jornais e TVs aproximam à visita do papa a Molise, no sábado passado, com a dramática evocação dos danos do desemprego, particularmente para os jovens. Não só isso, de fato. Cito do jornal Il Sole 24 Ore do domingo: "Não levar o pão para casa tira a dignidade (...) uma chaga que requer todos os esforços..." – que vale para todos os desempregados – mas também e precisamente: "Uma geração sem trabalho é uma derrota futura para a pátria e para a humanidade (...) É triste encontrar jovem nem-nem: nem estudam, porque não podem, nem trabalham. Esse é o desafio que todos, comunitariamente, devemos vencer. Não podemos nos resignar a perder uma geração que não tem trabalho e, por isso, não tem dignidade". Um coro de vozes em todos os jornais...
Uma curiosidade casual. Tenho diante dos olhos um texto que, de algum modo, se aproxima do problema, mas que parece vir de muito longe... Nele, também se encontra uma verdadeira "carta de recomendação" para um jovem que não encontra trabalho. O texto remonta a 31 de janeiro de 1579, e a assinatura é de Teresa de Ávila, reformadora do Carmelo, mulher de fogo e de lucidez muito moderna, hoje santa e doutora da Igreja.
É célebre a sua estátua em Roma, que nos foi deixada pelo gênio de Gian Lorenzo Bernini, reevocando na sua imaginação uma passagem autobiográfica (XXIX, 13): "Um dia, vi a meu lado um anjo que se achava à minha esquerda, em forma humana. (…) O anjo era de baixa estatura e muito formoso (…). Trazia na mão uma longa espada de ouro, cuja ponta parecia uma brasa acesa. Parecia-me que, em alguns momentos, ele afundava a espada no meu coração e me transpassava as entranhas e, quando tirava a espada, parecia-me que as entranhas se me escapavam com ela e eu me sentia ardendo no maior amor de Deus. A dor era tão intensa que me fazia gemer, mas, ao mesmo tempo, a doçura daquela pena excessiva era tão extraordinária que eu não queria me ver livre dela".
Uma mulher de fogo, humano e divino ao mesmo tempo: "Mulher inquieta e vagabunda que vai semeando perplexidade e confusão nos conventos da Espanha". A sua vida repleta de aventura e de coragem contra toda dificuldade foi definida assim pelo núncio apostólico em uma carta preocupada à Santa Sé.
Mulher e Santa, reformadora e mística, capaz de escondimento total por anos e de invenção de novidades que abalavam os costumes alheios, mesmo aqueles considerados mais santos e convenientes para as necessidades da Igreja do seu tempo, o século XVI, o de Lutero e do Concílio de Trento, da Reforma e da Contrarreforma...
O que Teresa de Ávila tem a dizer sobre o tema tocado por Giorgio Napolitano e pelo Papa Francisco?
Algo de específico. Naquele 31 de janeiro do ano de 1579, Teresa, do Convento das Carmelitas Descalças de Aguilar de la Frontera, nos arredores de Córdoba, Espanha, escreveu uma carta ao padre Fernando De Pantoja, conservada com sua assinatura e impressa nas suas obras (cf. Santa Teresa de Jesus, Lettere, Ed. Ocd, 1957, L. 264, p. 688-691).
É preciso notar que, no resumo da apresentação do escrito, lê-se também "recomendações a um familiar desempregado"! Em essência, o texto é um pedido de ajuda para as freiras carmelitas do Convento de São José, à época, por muitas razões, submetidas a muitas dificuldades, "trabalhos espirituais e desconsolos de quem as devia consolar".
Seria de grande interesse, também para entender como a vida da Igreja Católica sempre foi rica em contrastes e em aventuras que aconteceram também, e acima de tudo, aos santos de verdade, anotar todo o texto, mas aqui importa o essencial...
Eis o solene início: "Ao ilustre e mui reverendo senhor meu Don Fernando, prior de Las Cuevas, meu senhor, em Sevilha. 1. Jesus: A graça do Espírito Santo esteja com vossa paternidade, pai meu". Segue uma passagem aparentemente tranquilizadora: "2. Certamente por aquelas que lá foram comigo eu tenho bem pouca pena e, algumas vezes, alegria por ver o muito que hão de ganhar nessa guerra que o demônio faz contra elas. (...) Eu tinha escrito que a prioresa comunicasse a vossa paternidade todos os seus trabalhos. Não deve ter ousado fazê-lo. Seria um grande consolo para mim falar claramente a vossa paternidade; mas, como é por papel, não ouso e, se não fosse um mensageiro tão certo, mesmo isto eu não diria".
Aqui estamos no ponto: quem é o mensageiro, portanto, que levará essa mensagem escrita e que é "tão certo"? É um jovem, que precisa de trabalho. Por isso, segue aquela que parece ser uma verdadeira recomendação para encontrar trabalho para o jovem.
Ei-la: "Este moço veio rogar-me se eu conhecia neste lugar quem pudesse dar-lhe algum favor de dar fé de sua boa conduta para que começasse a servir, porque, por ser esta terra fria e por fazer-lhe muito dano, não pode estar nela, embora seja natural daqui. A pessoa a quem ele serviu – que é um canônico daqui, amigo meu – me assegura que ele é virtuoso e fiel; tem boa pluma de escrever e de contar. Suplico a vossa paternidade, por amor de nosso Senhor, se se oferecesse como lhe acomodar, vossa paternidade me faça essa mercê e serviço à Sua Majestade, dando-lhe boa fé dessas coisas que disse, se fosse mister; porque de quem eu as sei não me dirá senão toda a verdade".
A "recomendação" é justamente uma recomendação, com outros detalhes que deveriam servir para tranquilizar os eventuais empregadores: o jovem merece e não irá decepcionar...
E a carta continua longamente descrevendo as dificuldades que a "novidade" da reforma do Carmelo encontra em quem vê nas coisas novas apenas riscos, e principalmente quando essas coisas novas falam forte da "pobreza" como realidade a ser levada a sério...
A pobreza? Sim! Ou "como eu gostaria uma Igreja pobre e dos pobres!". Novos passos em trilhas antigas, às do Mestre, além disso, e de Francisco...
Eis a conclusão que volta ao tema dos pobres: "Permita a Divina Majestade guardar a vossa paternidade pelo amparo dos pobres (…) por muitos anos, com o aumento de santidade que eu sempre lhe suplico, amém. Hoje é o último dia de janeiro. Indigna serva e súdita de vossa paternidade. Teresa de Jesus".
Hoje, Francisco e o presidente italiano, Napolitano; ontem, Teresa de Ávila sobre os jovens e o trabalho que falta... Valia a pena refletir sobre isso.
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Trabalho e jovens: o papa, Napolitano e a ''carta de recomendação'' de Santa Teresa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU