25 Junho 2014
A Igreja está "200 anos atrás, se não 300". Assim escreveu o cardeal Carlo Maria Martini no testamento publicado no dia 1º de setembro de 2012. O texto foi coletado in limine mortis pelo padre Georg Sporschill, jesuíta austríaco, que hoje, junto com Stefano Stimamiglio, conta pela primeira vez a sua vida (Chi salva una vita salva il mondo intero [Quem salva uma vida salva o mundo inteiro], Ed. San Paolo, 160 páginas).
A reportagem é de Paolo Rodari, publicada no jornal La Repubblica, 20-06-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Padre Sporschill, em 2012, houve quem defendesse que aquele testamento não era totalmente autêntico.
Todas as palavras publicadas me foram ditas por Martini na última vez em que eu o encontrei em Gallarate, no dia 8 de agosto de 2012, 23 dias antes que ele nos deixasse, e eu as considero autênticas. Assim que voltei para casa, pensei em pular algumas passagens mais duras, mas Ruth Zenkert – a mulher que há anos trabalha comigo, com as crianças de rua e da comunidade Rom na Romênia – me disse que eu devia deixar essas palavras como ele as havia expressado. E assim eu fiz.
Martini foi um homem muito profundo na sua fé e, ao mesmo tempo, dotado de um amor leal e fiel pela Igreja. Quando se ama alguém, sofre-se, se o vemos em dificuldades. Por isso, ele sofreu ao ver que os homens deste tempo não a consideram um interlocutor crível para se debater. Para ele, o sintoma evidente da doença era a indiferença das pessoas. Ele manifestou essa sua ideia, junto com algumas causas que ele entrevia nisso – isto é, as intrigas da Cúria e a nomeação de alguns bispos – tanto oralmente quanto por escrito, várias vezes, ao Papa Bento XVI. Pelo que eu saiba, no entanto, sem obter resposta.
Sobre João Paulo II, ele pensava que era um homem com um caráter forte, que o levava, às vezes, a não ouvir razões sobre algumas decisões já tomadas. Quando o papa destinou ele, que era turinense, para Milão, a perplexidade que ele expressou a Wojtyla foram rejeitadas por este sem muitas discussões. Martini sempre foi leal aos papas, tanto que sempre expressou a eles a sua ideia sobre o estado da Igreja sem fingimentos. E eu também tenho que reconhecer que, até a chegada do "seu" candidato, isto é, do Papa Francisco, pouco se moveu na Igreja. Bergoglio já era um "papável" no conclave de 2005, em alternativa a Ratzinger, e acredito que foi justamente Martini – é apenas uma opinião minha – que propôs aos cardeais o seu coirmão argentino.
Foi também a publicação desse testamento que contribuiu para manter em Martini o rótulo de antipapa.
A sua resposta sempre foi: "Eu não sou um 'antipapa', sou um 'antepapa'": nisso, ele foi profético. (No original italiano: "Non sono un ‘Antipapa’, sono un ‘Antepapa’”)
Martini estimulou a Igreja a ser promotora de reformas em vários campos, entre elas a sexualidade. O que ele pensava da Humanae vitae de Paulo VI?
Muitas vezes ele dava o exemplo da Humanae vitae como matéria sobre a qual era preciso levar a discussão eclesial em relação ao matrimônio e a sexualidade. Ele via como um grande problema o crescente número de divorciados nas sociedades ocidentais e também se dava conta de que, sobre a sexualidade, a psicologia e a medicina deviam ser levadas em séria consideração pelo magistério da Igreja, não sem antes pedir desculpas por algumas posições duras do passado.
O que ele pensava do Vaticano?
Ele era um religioso íntegro, e o que acontecia dentro dos muros vaticanos lhe fazia sofrer muito.
Martini nunca esperaria a eleição de Bergoglio...
Acredito que não. Ele dizia que o papa precisaria ter ao seu redor pessoas um pouco loucas para tentar novos caminhos. Por "loucas", ele entendia "corajosas". Com Francisco, parece-me que a realidade superou a fantasia: o papa argentino, nesse sentido, é um pouco "louco". Ele tem a coragem de viver segundo um estilo diferente, o que Martini desejava: próximo das pessoas, especialmente das em dificuldade. A partir daí, e somente daí, o Espírito Santo dá a força para fazer as reformas.
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Quando Martini invocava um pouco de loucura na Igreja. Entrevista com Georg Sporschill - Instituto Humanitas Unisinos - IHU