17 Abril 2014
Missão e evangelização são uma obrigação decorrente da natureza da Igreja. Significam comunicação aos outros da nossa experiência de relação pessoal com Cristo. Mas Cristo é Deus que se encarnou no tempo e no espaço. Por isso, devemos revelar o seu Corpo, a Igreja, " aqui e agora", nas culturas em que nos encontramos.
Desde 1997, o Arcebispo Alexander (de batismo, George Gianniris) é metropolita da arquidiocese da Nigéria (que também inclui Benin, Níger e Togo) do Patriarcado Greco-Ortodoxo de Alexandria e de toda a África. Estudou na Universidade de Solonicco e é membro das Comissões sinodais sobre Liturgia, Formação Religiosa e Catequese, e Missão e Evangelização.
A reportagem é de Mauro Castagnaro, publicada na revista Missione Oggi, de abril de 2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Qual é a história da Igreja Ortodoxa na África?
A presença da Igreja Ortodoxa na África remonta ao início da era cristã, porque o Patriarcado de Alexandria do Egito foi fundado por São Marcos, em 62 d.C., embora nos primeiros séculos a sua jurisdição estava limitada à África norte-oriental, incluindo Etiópia e Sudão (Núbia), enquanto a norte-ocidental estava sob Roma. Nos concílios ecumênicos, defendeu a fé da heresia ariana (Santo Atanásio), abrindo caminho para a formulação do "Credo de Niceia" e o papel da Virgem Maria como a Mãe de Deus (Theotokos - São Cirilo), que permitiu definir em Calcedônia a doutrina das duas naturezas de Cristo. Uma contribuição para toda a cristandade também foi o nascimento do monaquismo, que se tornou o principal instrumento da missão por mais de mil anos.
O Concílio de Calcedônia dividiu a nossa Igreja (greco-ortodoxa) e a Igreja Copta Ortodoxa, não calcedoniana. O Patriarcado Bizantino permaneceu em comunhão com Roma, Constantinopla e Antioquia, ao contrário do copta. A Etiópia permaneceu filiada ao Patriarcado copta, enquanto duas missões rivais foram enviadas a Núbia.
No século VII, a conquista árabe do Egito forçou o patriarcado bizantino e o copta a lutar pela sobrevivência. Depois da separação política do Imperador Bizantino, a Igreja Ortodoxa oriental tornou-se uma minoria estrangeira na região, mesmo entre os cristãos, vítimas do Império Otomano, cuja perseguição reduziu a Igreja a dimensões pequenas em relação à ocidental.
A presença ortodoxa na África subsaariana tornou-se visível depois do século XIX e limitou-se aos imigrantes provenientes da Grécia e do Oriente Médio. As primeiras comunidades cristãs ortodoxas africanas surgiram apenas depois da Segunda Guerra Mundial. Atualmente, no entanto, há uma presença ortodoxa em quase todos os países africanos.
Como a Igreja do Patriarcado Greco-Ortodoxo de Alexandria leva em conta a cultura africana?
Missão e evangelização são uma obrigação decorrente da natureza da Igreja. Significam comunicação aos outros da nossa experiência de relação pessoal com Cristo. Mas Cristo é Deus que se encarnou no tempo e no espaço. Por isso, devemos revelar o seu Corpo, a Igreja, " aqui e agora", nas culturas em que nos encontramos.
Portanto, é necessário se mover rumo a uma nova encarnação da Igreja (termo que eu prefiro ao de inculturação), uma reformulação da nossa teologia que leve em conta as categorias africanas do pensamento. Isso não significa se afastar dos ensinamentos doutrinais da Igreja, do Evangelho, mas mudar de paradigma. Estamos trabalhando nessa direção. No passado, essa síntese entre Evangelho e cultura ocorreu com os Padres da Capadócia (João Crisóstomo, Basílio, Gregório). Foi o Espírito que os conduziu a uma síntese entre cristianismo e helenismo, e o mesmo Espírito Santo nos guia nessa grande tarefa. Compreendo aqueles entre nós que são céticos, mas não podemos resistir ao renovador sopro do Espírito Santo, que anseia por novas encarnações.
São Paulo reconheceu a religiosidade dos atenienses, introduzindo uma ligação entre aqueles aos quais pregamos o Evangelho e Jesus Cristo, ao qual queremos conduzir as suas vidas. Por isso, o "como e o quê" do nosso querigma, da nossa pregação e missão deve vir da cultura, das tradições, da arte, da filosofia e da teologia (a palavra de Deus) das pessoas do lugar, todas sementes que o único e verdadeiro Deus colocou neles.
Como são as relações da sua Igreja com os outros cristãos na África e que perspectivas o senhor vê para o desenvolvimento dessas relações?
A busca do ecumenismo foi uma virtude fundamental na Igreja Ortodoxa oriental. No entanto, os ortodoxos não se dispuseram a participar de qualquer redefinição da fé cristã em termos redutivos, antidogmáticos e antitradicionais.
Neste sentido, o nosso Patriarcado participa ativamente do diálogo internacional entre as diversas Igrejas cristãs, incluindo as pré-calcedonianas, com algumas das quais coexistimos há séculos na África e desenvolvemos ótimas relações. Também somos membros do Conselho Ecumênico das Igrejas e da Conferência das Igrejas de toda a África.
Enquanto isso, nos países africanos onde existe a presença ortodoxa, esforçamo-nos para superar os preconceitos que existem entre as Igrejas. Mas eu acredito que seria preciso um maior compromisso nesse sentido. É preciso deixar de acreditar que somos os únicos detentores da Verdade, os únicos que realmente vivem o Evangelho e que têm uma relação pessoal com Cristo! Parece-me que, em muitos casos, a corrente teológica dos líderes (clero e leigos) determina a posição da comunidade local em relação às outras confissões (pró ou contra), às vezes a despeito do fato de a própria Igreja participar oficialmente dos diálogos com as outras Igrejas. Eu não consiga aceitar qualquer forma de conflito entre as Igrejas, que se presume que são agentes de paz e reconciliação! Como podemos ignorar a oração de Cristo no Getsêmani, para a qual devemos ser um? Como podemos trair a sua vontade?
Na África, ouvimos todos os dias o impacto da globalização. Há problemas políticos, sociais, tribais, religiosos etc., fruto da economia de mercado dominante e da ideologia neoliberal. E me assusta o retorno do fundamentalismo e dos seus produtos, como a exclusão social, a marginalização das pessoas de ideias diferentes, a xenofobia, o racismo, os conflitos tribais e religiosos.
Daí decorre a necessidade de colaboração entre todas as Igrejas do continente para enfrentar os muitos problemas que a grande maioria do nosso povo tem à sua frente, além de um testemunho comum da mensagem da ressurreição de Cristo, isto é, que a morte foi derrotada, e o Reino de Deus foi inaugurado pela Sua encarnação.
O diálogo das Igrejas deveria ser estendido às outras tradições religiosas do continente, se quisermos ser fiéis à Bíblia e se reconhecermos a presença do Espírito Santo em cada ser humano, nação e cultura. Precisamos saber como o Espírito opera nas suas vidas e permitir que Deus atue quando e como quiser.
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A África ortodoxa. Entrevista com Alexander, metropolita de toda a África - Instituto Humanitas Unisinos - IHU