10 Abril 2014
"Nós somos os 'capacetes azuis' [forças de paz] de Deus em certas periferias do mundo. Uma força de interposição que não torce pelos poderes de plantão ou pelos rebeldes, por uma ideologia ou outra, mas está do lado do povo, dos pobres".
O padre Giulio Albanese fundou a agência Misna e agora dirige as revistas missionárias da Conferência Episcopal Italiana e ensina jornalismo missionário na Pontifícia Universidade Gregoriana. Mas é, acima de tudo, um missionário comboniano. E ele viveu em primeira pessoa a trágica experiência que estão vivendo os sacerdotes italianos Gianantonio Allegri e Giampaolo Marta e a irmã canadense Gilberte Bussier, sequestrados no norte do Camarões.
A reportagem é de Virginia Piccolillo, publicada no jornal Corriere della Sera, 06-04-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Aqueles instantes podem ser descritos?
É difícil. Há momentos em que você vê tudo em preto e branco. De um lado, há vida, de outro, a morte.
Como foi?
Era o dia 28 de agosto 2002. Com dois coirmãos, estávamos em uma missão de paz no norte da Uganda e estávamos nos encontrando com os rebeldes. Mas fomos surpreendidos por uma patrulha do governo contrária ao diálogo.
Como acabou?
Diante de um pelotão de fuzilamento. Mas eu não acredito que desejo realmente que não seja o caso dos nossos amigos no Camarões. Estávamos deitados no chão com uma metralhadora apontada para a cabeça. Queriam nos matar porque não queriam que a guerra acabasse: para eles, era um salário garantido. Eles nos disseram para nos prepararmos. Confessamo-nos mutuamente, fazendo o sinal da cruz uns aos outros com a ponta do nariz. Todos tínhamos a sensação psicológica e quase espiritual de nos levantarmos da terra. Sabíamos que o corpo estava prestes a ir embora.
Como você se salvou?
Um golpe de sorte, evangelicamente a divina providência: a cabeça do pelotão tinha sido meu coroinha em uma missão em Kampala. Mas, depois de torturas e medo, quando nos libertaram, a coisa que mais me fazia sentir mal era que todos se ocupavam de nós, e não daquelas pessoas que viviam sofrimentos em comparação com os quais os nossos não tinham sido nada. Não façamos isso neste caso também. Pensemos nos sofrimentos daquela população na linha de fronteira entre o Camarões e a Nigéria.
Você acha que os missionários sequestrados estavam conscientes do risco?
Acredito que sim. Ainda desde novembro passado, quando, embora mais ao norte, foi sequestrado o padre Georges Vanden Beusch, sacerdote francês que foi libertado três meses depois em território nigeriano.
Por que ficar? Heroísmo?
Não. Os missionários não são heróis. São pessoas de carne e osso que têm medo. Muitas vezes, vão para áreas perigosas por espírito de serviço e de abnegação, desinteressado e gratuito: a meu ver, aquilo que também deveria animar o mundo das instituições. Os 9 mil missionários italianos dão uma belíssima imagem do nosso país, a custo zero. Eu sei que é difícil entender o seu mundo de cabeça para baixo.
De cabeça para baixo?
Sim. A evangelização é a globalização inteligente de Deus, oposta à dos negócios e das finanças, que aumentou as disparidades entre ricos e pobres. A globalização da solidariedade fraterna, tão cara ao Papa Francisco, lembrada em Lampedusa.
Não há a vontade de converter?
Há o compromisso de testemunhar os valores do reino de Deus através da paz, da solidariedade, da justiça e do respeito pela criação. E a consciência de que a mensagem evangélica é a dissuasão contra os obscuros presságios do nosso tempo. A boa notícia.
Eles foram sequestrados porque são cristãos?
Não. Os Boko Haram dizem que querem impor a Sharia, mas muçulmanos também já foram mortos. A religião é usada instrumentalmente para fins subversivos. Espero que a história desses missionários seja resolvida em pouco tempo e também sirva para ligar os refletores sobre uma guerra esquecida.
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Os padres das ''forças de paz'' de Deus. Entrevista com Giulio Albanese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU