04 Abril 2014
“Que a saudade é o revés de um parto. A saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu”, diz a música Pedaço de mim de Chico Buarque, escrita em 1979, que é ao mesmo tempo uma homenagem a Zuzu Angel – militante contra o regime de exceção – e a todas outras mulheres que perderam seus filhos durante a ditadura. A canção foi lembrada durante a conferência da professora Cristina Scheibe Wolff, da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, para tentar dimensionar o sofrimento das mulheres que foram submetidas à tortura e que tiveram de aprender a conviver com o sumisso de seus filhos, maridos e amigos durante e após o regime militar brasileiro.
Diante de uma plateia de mais de 60 pessoas, que lotou a sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU, a palestra intitulada Feminismo, configurações de gênero e a ditadura no Brasil, reuniu alunos de diversos cursos de graduação da universidade. O evento realizado na noite da quarta-feira, 02-04-2014, integra o Ciclo de Estudos 50 anos do Golpe de 64. Impactos, (des)caminhos, processo.
Fotos: Ricardo Machado/Instituto Humanitas Unisinos-IHU |
Presente e passado
Antes mesmo de adentrar no tema mais específico da palestra, a professora lembrou o recente estudo do Instituto de Pesquisas Aplicadas – IPEA sobre a problemática do estupro. “Estamos todos vendo que 65% da população brasileira, segundo pesquisa do Ipea, considera que a mulher que usa uma roupa mais curta merece ser estuprada. Hoje vemos isso como uma coisa absurda, mas nem sempre foi assim”, aponta Cristina. “Os anos 1960 e 1970 marcaram uma grande transformação que ainda estamos vivendo”, complementa.
Gênero
“Questões de gênero são problemáticas de hierarquias e relações de poder, de dominação baseadas nas formas pelas quais as sociedades estabelecem diferenciações na percepção do sexo. O gênero, então, é essa construção histórica e cultural que dá lugar às pessoas dentro da sociedade”, conceitua a professora.
Resistência
Com relação à militância feminina durante o regime, Cristina estabelece dois grandes eixos de resistência. “Vejo duas formas de resistência que foram muito fortes no Brasil: os partidos 'tradicionais' que já existiam antes do Golpe e que mantêm uma ação clandestina enquanto podem; de outro lado a 'Nova Esquerda', com grupos armados – guerrilhas – e outros grupos não armados”, esclarece. Um dado que chama atenção, é de que na época as mulheres que integravam os grupos de resistência correspondiam a um percentual de até 30% dos integrantes.
Direitos humanos
Uma das marcas indeléveis das mulheres durante a ditadura foi a atuação nos grupos que hoje chamamos de grupos de direitos humanos. “Nessa época nasce a ideia de que o governo tem responsabilidade pelas pessoas e devem refletir sobre isso. Nesse sentido, mães, esposas, parentes, começaram a se organizar e cobrar do Estado o paradeiro de seus desaparecidos”, destaca.
Mulheres na luta armada
De acordo com Cristina, embora tenha havido participação feminina inclusive na luta armada, os discursos sempre eram marcados por aspectos de gênero muitas vezes ligados à ideia de bravura, honra, relacionados a masculinidade. “Apesar desse discurso, muitas mulheres participaram dessa luta armada. Algumas mulheres contaram que precisavam agir como homens, outras dizem que não, mas o fato é que elas puderam ter participado politicamente naquele momento”, ressalta.
Resistência e feminismo
Para a professora, no feminismo a luta se move pela resistência. “O desaparecimento dos estudantes e a ênfase na injustiça das prisões eram sempre pauta”, avalia Cristina. “Não à a toa que o termo vítima seja uma palavra feminina. O guerrilheiro heróico quando está dependurado no pau de arara torna-se 'vítima'”, complementa.
Mulheres e tortura
“As mulheres eram submetidas a torturas e muitas delas sexuais. Houve depoimentos de que os militares levavam os filhos de presas para assistirem as sessões. A Amelinha Teles, conta que uma vez levaram o filho dela à sala de tortura e a criança de cinco anos perguntou, '- Mãe por que você está azul?'”, conta a conferencista. “A Amelinha só se deu conta que seu corpo estava tomado de hematomas naquele momento”, reitera.
Feminismo
Cristina encerrou a palestra falando sobre o feminismo, explicando que não se trata de um movimento social, mas de um conjunto de ideias que não é muito coeso e que talvez fosse mais adequado chamarmos de “feminismos”. “O feminismo de segunda onda começa a existir – enquanto conjunto de ideias – no final dos anos 1960 e nos anos 1970. Em 1975 a ONU lança o ano internacional da Mulher e as mulheres aproveitam o momento para fazer alguns encontros, quando se desenvolvem algumas organizações de cunho feminista, que no Brasil sempre foram um movimentos ligados à esquerda”, esclarece.
Quem é Cristina Scheibe Wolff
Cristina Scheibe Wolff possui graduação em História pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP e doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo - USP. Entre 2004 e 2005 realizou pós doutorado na Université Rennes 2, na França e entre 2010 e 2011, no Latin American Studies Center da University of Maryland, em College Park nos Estados Unidos. Atualmente é professora associada do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
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Feminismo e resistência – A ditadura militar desde uma perspectiva de gênero - Instituto Humanitas Unisinos - IHU