Por: Caroline | 06 Fevereiro 2014
Após um quarto de século da derrubada da ditadura do general Alfredo Stroessner, em fevereiro de 1989, os repressores do Paraguai ainda não foram julgados. O Partido Colorado, que está atualmente no governo, fez ontem uma “meia culpa” por seu apoio a ditadura, mas deixou sem reposta os pedidos de justiça por parte das vítimas que celebram os 25 anos da queda do regime militar, o mais longo da história da América Latina.
A reportagem é publicada por Página/12, 04-02-14. A tradução é do Cepat.
Fonte: http://goo.gl/vmstpH |
A data foi lembrada num ato oficial no Congresso, no qual participaram o presidente Horacio Cartes e demais autoridades do país, mas que não envolveu as vítimas de ditadura. Estes sobreviventes acabaram se tornando, pela primeira vez, os protagonista de uma cerimônia realizada no Panteão dos Heróis, monumento localizado na capital Assunção, em um cenário que havia sido dominado, até agora, pelos militares e políticos. A distância física entre ambos os lados também foi refletida nos discursos.
Cartes, que assumiu o poder no último mês de agosto, junto ao Partido Colorado, destacou os avanços democráticos nos últimos 25 anos, e reconheceu “os déficits de uma prolongada transição”, marcada por escândalos de corrupção e “preocupantes índices de pobreza”. Em seu discurso não fez nenhuma menção aos milhares de paraguaios que sofreram prisões ilegais, torturas, assassinatos ou que foram forçados ao exílio por Stroessner (1954-1989).
De sua parte, o presidente do Congresso, o colorado Julio César Velázquez, admitiu que seu partido “foi a principal sustentação política” dos quase 35 anos de ditadura e disse que os “erros” só serão admitidos se for possível “cicatrizar definitivamente as feridas”. Juan Carlos Wasmosy, o primeiro presidente civil após a queda da ditadura, também reconheceu que o partido apoiou “um governo forte, naquele momento, de acordo com as circunstâncias”.
Os heróis, no ato no Congresso, foram os ex-militares que participaram do golpe de Estado que destituiu Stroessner, conspirado pelo congresso através do general Andrés Rodríguez. A líder da bancada colorada na Câmara de Deputados, María Cristina Villalba, qualificou esse golpe de Estado como uma “data histórica”, que abriu as portas do país para a democracia. Por sua vez, o presidente da Câmara dos Deputados, o liberal Juan Bartolomé Ramírez, advertiu para que “se faça justiça” com os cidadãos desaparecidos durante a ditadura.
Na madrugada de um dia como ontem, há 25 anos, terminaram os combates iniciados em sua véspera, quando tropas mobilizadas por Rodríguez atacaram os redutos leais a Stroessner em busca do ditador, que depois de sua queda buscou asilo no Brasil. Nos enfretamentos estima-se que mais de 200 pessoas morreram, embora não haja um levantamento oficial. Pela manhã, ainda com os tanques nas ruas, uma onda espontânea de cidadãos saiu para comemorar o fim de uma ditadura que parecia que não acabar. Entretanto esta alegria inicial se tornou amarga para as vítimas, que viram suas esperanças acerca do julgamento para os torturadores, frustradas. Stroessner faleceu em 16 de agosto de 2006 em Brasília, aos 93 anos. Seus restos mortais estão em um cemitério desta capital já que os processos de seus familiares e partidários para sua repatriação não tiveram sucesso, devido à oposição das vítimas da ditadura, seus familiares e organizações de direitos humanos, basicamente.
No ato realizado no Panteão Nacional dos Heróis, a chefe da Direção-Geral da Verdade, Justiça e Reparação, Judith Roló, filha de Martino Roló, desaparecido durante a ditadura, exigiu que se recuperem as terras que foram apropriadas ilegalmente durante o regime, uma petição que as vítimas reiteram a cada ano. A Comissão da Verdade e Justiça (CJV) calculou que são 7,8 milhões de hectares, uma área que corresponde a quase o dobro do território da Suíça. Cerca de 1.300 hectares ficaram com o próprio ditador, cuja fortuna familiar foi contabilizada pelo escritor Aníbal Miranda em quatro bilhões de dólares, o restante foi repartido entre seus ajudantes, incluindo o próprio Rodríguez, já falecido.
Durante a ditadura cometeram-se crimes que lesaram a humanidade e, segundo um informe elaborado pela Comissão de Verdade e Justiça do Paraguai, um total de 20.090 pessoas foram vítimas diretas de violações de direitos humanos. Alguns dados deste informe indicam que 19.862 pessoas foram detidas de forma ilegal, 18.772 foram torturadas, 425 foram executadas ou desaparecidas e 3.470 foram obrigadas a ir ao exílio. A Comissão identificou 448 vítimas, baseados em uma enorme recompilação de documentos oficiais e testemunhos de mais de duas mil pessoas, mas, apesar destas provas, a Justiça paraguaia não fez nenhuma acusação desde a publicação do informe, em 2008.
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Paraguai pós-ditadura: a impunidade na democracia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU