16 Setembro 2015
O Papa Francisco concedeu duas entrevistas que cobriram um amplo espectro temático no domingo e na segunda-feira, debatendo tudo, desde a atual crise de refugiados que a Europa enfrenta até o motivo pelo qual convocou um Ano Santo da Misericórdia e de como ele quer enfrentar sua própria morte.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 14-09-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
No domingo, o pontífice falou à emissora de rádio argentina FM Milenium. Na segunda-feira, foi ao ar também uma longa entrevista dele com Aura Miguel, correspondente para o Vaticano da Rádio Renascença, sediada em Portugal.
Nesta segunda entrevista, o papa falou sobre a situação política na Europa, com observações, por vezes, bem-humoradas e profundamente pessoais sobre sua própria vida.
Num desses casos, Francisco diz ao entrevistador que vai ao confessionário a cada 15 a 20 dias, brincando a respeito de seu confessor: “Nunca tive de chamar uma ambulância para o levar de regresso, assustado com os meus pecados!”.
Em um outro momento pessoal, o papa é questionado sobre como se sente em relação à sua própria popularidade mundial.
“Muitas vezes me pergunto como será a minha cruz (…) As cruzes existem”, responde ele. “Não podemos vê-las, mas estão lá. E também Jesus, num certo momento, foi muito popular e, depois, acabou como acabou”.
“Consola-me uma coisa”, continuou, acrescentando que “São Pedro cometeu um pecado muito grave – renegar Jesus – e, depois, fizeram-no Papa”.
“Se com este pecado o fizeram Papa, com todos os que eu tenho, consolo-me, pois o Senhor cuidará de mim como cuidou de Pedro”, declarou. “Mas Pedro morreu crucificado, enquanto eu não sei como vou terminar. Que Ele decida, desde que me dê a paz, que Ele faça o que quiser”.
Entre as questões sobre as quais mais se falou durante a entrevista à rádio portuguesa estão a crise de refugiados e a visão papal de uma Igreja que corre o risco de ficar “acidentada” ao sair em busca daqueles que precisam.
Neste último assunto, o pontífice diz que a imagem é “uma imagem de vida”. Ele continua:
Se uma pessoa tem em sua casa uma divisão, um quarto, fechado durante muito tempo, surge a humidade, o mofo e o mau cheiro. Se uma igreja, uma paróquia, uma diocese, um instituto, vive fechada em si mesmo, adoece (acontece o mesmo com o quarto fechado) e ficamos com uma Igreja raquítica, com normas rígidas, sem criatividade, segura, mais que segura, assegurada por uma companhia de seguros, mas não segura!
Pelo contrário, se sai – se uma igreja, uma paróquia saem – lá para fora, a evangelizar, pode acontecer-lhe o mesmo que acontece a qualquer pessoa que sai para a rua: ter um acidente. Então, entre uma Igreja doente e uma Igreja acidentada, prefiro uma acidentada porque, pelo menos, saiu para a rua.
Mas eu pergunto: Quantas vezes, na Igreja, Jesus bate à porta do lado de dentro para que O deixemos sair, a anunciar o reino? Por vezes, apropriamo-nos de Jesus só para nós, e esquecemo-nos que uma Igreja que não está em saída, uma Igreja que não sai, mantém Jesus preso, aprisionado.
No início da entrevista, Francisco refere-se à atual crise de refugiados em toda a Europa como “a ponta de um iceberg”. Embora reconhecendo que as pessoas do Oriente Médio estejam fugindo da guerra e da fome, o papa diz que, por debaixo dessa crise, há um “um sistema socioeconômico mau e injusto”.
O pontífice também reconheceu haver o “perigo da infiltração” para dentro da Europa por parte de refugiados que compõem grupos terroristas.
“Aí misturam-se muitas coisas e não podemos ser simplistas”, disse Francisco. “Evidentemente, se chega um refugiado, com as medidas de segurança de todo o tipo, há que recebê-lo, porque é um mandamento da Bíblia. Moisés disse ao seu povo: ‘Recebei o forasteiro porque não esqueçais que vós fostes forasteiros no Egito’”.
Em seguida, quando perguntado sobre o motivo pelo qual convocou o Jubileu da Misericórdia, o Papa simplesmente responde: “Que venham todos! Que venham e sintam o amor e o perdão de Deus”.
O pontífice, então, recordou a história de um frade capuchinho conhecido seu que era um grande “perdoador”, alguém que gostava de perdoar. Este às vezes se sentia culpado em muito perdoar.
“Então, uma vez, em conversa, disse-me: ‘Às vezes, me sinto culpado’, disse Francisco. “E eu perguntei-lhe: ‘E o que fazes, quando se sente assim?’”.
“Vou diante do sacrário, olho para o Senhor e digo-lhe: Senhor, perdoai-me, hoje perdoei muito, mas que fique bem claro que a culpa é toda vossa, porque fostes Vós a dar-me o mau exemplo!”, respondeu o sacerdote segundo Francisco.
Questionado a respeito do próximo Sínodo dos Bispos sobre a família a ocorrer em outubro, Francisco respondeu primeiramente de forma sucinta: “Peço que rezem muito”.
Perguntado sobre como o Sínodo deve falar às pessoas que vivem em situações não ideiais segundo o ensino católico, o papa afirmou: “Que uma coisa fique clara – e que o Papa Bento o deixou bem esclarecido: as pessoas que vivem uma segunda união não estão excomungadas e têm de ser integradas na vida da Igreja. Isso ficou claríssimo”.
Já na entrevista de domingo à rádio argentina, Francisco falou sobre a sua relação com as inúmeras pessoas que vão em suas audiências semanais em busca de vê-lo e ouvi-lo. Disse que sente a necessidade de se aproximar mais destas pessoas, pois elas o ajudam a se revitalizar.
“Quando eu abraço as pessoas, é Jesus quem me abraça”, afirmou o papa na entrevista.
Continuando sobre o assunto, ele disse que os sacerdotes não deveriam se isolar.
“Quando um padre se isola, em sua postura solene ou legalista, ou na postura de um príncipe (...), quando ele se distancia, de certa forma acaba incorporando aquelas pessoas a quem Jesus dedica todo o capítulo 23 do Evangelho de Mateus”, segundo Francisco. “Os legalistas, os fariseus, os saduceus, os doutores da lei que se acham entre os puros”.
O pontífice também falou sobre a sua mensagem de cuidado da criação, dizendo lembrar de um líder político que costumava afirmar: “Não se trata de cuidar de criação para fazer um mundo melhor para os nossos filhos, porque não haverá nenhum”.
“Se continuarmos neste ritmo, não haverá mais nada”, diz Francisco. “Isso significa cuidar da criação neste momento. Estamos perante o irreversível, e isso é trágico”.
“Por outro lado, a situação não é invencível”, continuou ele. “Porque, mesmo que aconteça uma catástrofe, eu acredito em um novo Céu e uma nova Terra. Tenho esperança – e sei – que a criação será transformada”.
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Francisco debate a morte, a vida e a Igreja “acidentada” em entrevistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU