25 Março 2015
A convocação de um Ano Santo celebra e exalta a soberania da Igreja, que pode perdoar culpas e penas. Sanciona ainda mais o seu poder do que a sua humildade.
A opinião é do filósofo e biblista italiano Piero Stefani, especialista em judaísmo e em diálogo judaico-cristão, e ex-professor das universidades de Urbino e de Ferrara. O artigo foi publicado no seu blog Il Pensiero della Settimana, 22-03-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Até agora não se sabe muito a respeito. Será preciso esperar o anúncio oficial e solene do Ano Santo que ocorrerá com a leitura e a publicação, na Porta Santa, da bula no Domingo da Divina Misericórdia, festa instituída por João Paulo II, celebrada no domingo depois da Páscoa.
Por enquanto, é preciso se contentar com o comunicado de imprensa: "O Papa Francisco anunciou hoje, 13 de março de 2015, na Basílica de São Pedro, a celebração de um Ano Santo extraordinário. Esse Jubileu da Misericórdia terá início com a abertura da Porta Santa em São Pedro, na solenidade da Imaculada Conceição de 2015 e se concluirá no dia 20 de novembro de 2016 com a solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo".
No comunicado, seguem-se outras considerações que vão desde a centralidade do tema da misericórdia na pregação do Papa Francisco até o destaque da coincidência entre o início do Ano Santo e o 50º aniversário do encerramento do Vaticano II, passando pela evidência de que a terceira leitura do ciclo dominical do próximo ano será tirada do Evangelho de Lucas, até considerações históricas sobre o Jubileu. Tudo isso dá a impressão de ter sido montado às pressas e sem um esquema preciso.
A longa preparação do Grande Jubileu do ano 2000 foi apresentada por João Paulo II como chave hermenêutica para compreender o seu pontificado inteiro. Aquele Ano Santo foi o contexto em que surgiram também os pedidos de perdão pelas culpas cometidas pelos filhos e pelas filhas da Igreja.
Embora não tenha se tocado o tema candente do erro, o componente penitencial voltado a pedir perdão para si mesmos assumiu tons de relevo: Deus tinha que ter misericórdia também da própria Igreja (ou ao menos de muitos de seus filhos). O contexto condicionou o assunto do pedido de perdão que se manteve, na prática, restrito ao âmbito jubilar e foi abandonado nos pontificados sucessivos.
De sua parte, a retórica milenarista ligada à entrada no terceiro milênio da redenção teve que enfrentar os traumas relacionados com o ano 2001 e com os eventos subsequentes: eles demonstraram como o mundo não tinha encontrado paz nem mesmo depois da queda do império soviético.
João Paulo II era um homem ligado à história – mesmo que vista, em grande medida, ainda em perspectiva polonês-romântica –, Francisco a ignora. No lugar de uma longa preparação, o próximo Ano Santo cai repentinamente.
Ele também está centrado no tema atemporal da misericórdia voltada aos pecadores, proposto em uma época em que o sentido do pecado (mas não da culpa) desaparece cada dia mais. Francisco também fez eclodir os ritmos cronológicos ligados aos jubileus, incluindo os extraordinários (em 1933, Pio XI se remeteu aos 1.900 anos da redenção, e, em 1983, João Paulo II, aos 1.950 anos). O ano de 2016 não se encaixa em nenhuma contabilidade.
Pelo que nos é dado a entender, tratou-se de uma escolha feita pessoalmente pelo pontífice, sem consultas prévias. A sua decisão foi autônoma, mas que envolverá, além de milhões de fiéis, também instituições públicas de outro Estado. A convocação repentina confirma o caráter absolutista da monarquia papal.
Na sua gramática de base, o Ano Santo continua sendo aquele desejado pelo seu inventor, Bonifácio VIII. Ele celebra e exalta a soberania da Igreja, que pode perdoar culpas e penas. Sanciona ainda mais o seu poder do que a sua humildade.
Resta totalmente a ser esclarecido o que, hoje, se sabe entre os fiéis sobre a doutrina das indulgências. Permanece a certeza de que o tema das indulgências foi a questão central abordada nas 95 teses penduradas por Lutero na catedral de Wittenberg, no dia 31 de outubro de 1517. A recorrência dos 500 anos da Reforma Reforma foi apresentada como uma grande ocasião ecumênica; convocar, na sua véspera, um Ano Santo, no entanto, não parece ser o modo mais adequado para se preparar para isso.
O anúncio evoca essas primeiras impressões. Mais adiante, saberemos mais, talvez.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Ano Santo, por quê? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU