Por: André | 15 Setembro 2015
Até o Te Deum, a tradicional cerimônia religiosa que se celebra na catedral de Santiago no dia da independência chilena, ficou comprometido.
Tamanho é o escândalo desencadeado pela revelação dos correios eletrônicos em que o arcebispo da capital, Ricardo Ezzati, e seu antecessor, Francisco Javier Errázuriz, se coordenam para influenciar no Vaticano e no Governo chileno.
A reportagem é de Paula Molina e publicada por BBC Mundo, 12-09-2015. A tradução é de André Langer.
Um dos citados nos correios eletrônicos é Juan Carlos Cruz, uma das três vítimas que denunciaram o padre chileno Fernando Karadima, condenado em 2010 pelo Vaticano pelo crime de abusos de menores.
“Amanhã, segunda-feira, na primeira hora eu me acomodo no escritório do prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé para impedir que se efetive o mal sobre o qual me escreves. Caso não aceitar, falarei com o Santo Padre”, garante o cardeal Errázuriz ao arcebispo, inteirado de que Cruz tinha sido proposto para integrar a comissão de assessoria sobre os escândalos de abusos contra menores pela ativista irlandesa Marie Collins.
Quando o convite já foi negado, ambos os cardeais se felicitam: “Caro dom Ricardo. Já está claro que esse nome não será membro da comissão. Te recordas com alegria e gratidão de nossas antigas compensações”, assina Errázuriz.
Hoje, Cruz, junto com outros dois denunciantes de Karadima, James Hamilton e Juan Andrés Murillo, acusam a Arquidiocese de Santiago de suposta cumplicidade ou acobertamento e exigem uma indenização de 576 mil dólares em um processo que começará nos próximos dias.
“O profeta da Igreja do futuro”
Nos correios eletrônicos, os cardeais também concordam em impedir que o jesuíta Felipe Berríos seja proposto como capelão do Palácio La Moneda, recorrendo os escritórios de uma figura influente para impedi-lo.
Berríos é o fundador do programa social que, atualmente, existe em 19 países latino-americanos chamado “Um teto para o meu país”. É também um grande crítico da hierarquia eclesial chilena.
Entre os motivos para recusar o jesuíta, Errázuriz escreve ao arcebispo: “Seu pensamento é claro: não sigam o Magistério, sigam a mim, porque eu sou o profeta da Igreja do futuro, que acolherá plenamente a cultura do tempo presente”.
Berríos responde a BBC Mundo a partir de um acampamento situado no norte do Chile, onde vive junto com famílias chilenas, colombianas e outras provenientes do Peru e da Bolívia.
“Hoje, o meu principal projeto é viver com as pessoas, viver o Evangelho entre os mais pobres”, comenta. “Não me escandaliza o fato de que exista uma diversidade de opiniões na Igreja. O que me deixa triste é que se trata de impedir qualquer pessoa que pense diferente ou que tem uma espiritualidade diferente, quando o Papa justamente convida para um autoquestionamento”.
Mas Berríos também chama a atenção para o perigo de publicar uma correspondência privada: “Eu penso que todos os seres humanos, por mais que a tecnologia progrida, têm o direito à intimidade, caso não houver um crime privado, nem uma acusação pública e se não houver uma ordem expressa de um juiz”.
Correios eletrônicos privados, figuras públicas
Diante do escândalo, o arcebispo e o cardeal apenas deixaram suas mensagens por escrito. A Arquidiocese de Santiago recordou que os correios eletrônicos são privados e defendeu sua responsabilidade para discernir os ofícios eclesiais.
O cardeal Errázuriz, ao contrário, respondeu em um correio eletrônico dirigido a um jornal com uma referência religiosa: “Impacta-me o exemplo de Jesus Cristo, que não fez nada em defesa própria”.
As pessoas citadas nos correios eletrônicos também comentaram o caso: “Não vão me quebrar”, adverte Cruz, que descreveu a ação dos envolvidos como “uma espécie de máfia”.
A violação da correspondência privada, sem autorização de um juiz, é crime no Chile. O veículo digital que publicou os correios eletrônicos disse que não os obteve através de um hacker e se resguarda o direito de proteger sua fonte.
Juan Pablo Hermosilla, advogado de Cruz e dos outros denunciantes de Karadima, desafiou a Igreja para tomar medidas legais pelo vazamento: “Os padres, embora não constituam autoridades públicas, são autoridades morais, e deveriam ser sujeitos de maior discernimento”, disse a uma rádio local.
Em meio ao escândalo, o Chile se prepara para celebrar o seu tradicional Te Deum do dia da independência. A cerimônia religiosa ecumênica recebe as principais autoridades políticas e das Igrejas na catedral católica de Santiago, onde o arcebispo Ezzati preside como anfitrião.
Um grupo de parlamentares, incluindo integrantes da Democracia Cristã, dos principais partidos do governo expressou seu desconforto com os polêmicos correios eletrônicos.
Mas, independentemente das declarações, a Arquidiocese enfrentará sua verdadeira prova de fogo não na imprensa nem na Igreja, mas na justiça chilena, quando um juiz chileno sentenciar se a Igreja foi ou não cúmplice ou acobertou os crimes de Karadima contra Cruz, Hamilton e Murillo.
“Para mim, Cruz e as vítimas fizeram um bem, deveríamos estar agradecidos”, disse Berríos. “Eles nos fizeram um bem muito grande denunciando uma podridão que não deveria existir na Igreja. Os comentários nos correios eletrônicos não refletem esse agradecimento”, conclui.
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As intrigas cardinalícias que sacodem o Chile - Instituto Humanitas Unisinos - IHU