Por: Jonas | 21 Julho 2015
Giovanna Martelli (fonte) é uma apaixonada pela política. Formada no Partido Comunista, foi uma das fundadoras do Partido Democrático Italiano, que hoje está no governo desse país, com Matteo Renzi como primeiro-ministro. Disse que não é feminista, mas em seu papel como conselheira para a Igualdade de Oportunidades, do primeiro-ministro, aponta que para o governo italiano a agenda de gênero é prioritária e demonstra isto com alguns feitos concretos realizados a partir da sua ascensão. O matrimônio igualitário será lei no outono, prognostica. Além disso, fala da relação com o “companheiro” papa Francisco.
Fonte: http://goo.gl/vjkoG9 |
Há dois anos, Martelli é deputada nacional pelo PDI, após mais de 30 anos de militância. Nascida há 52 anos, em Turim, quando criança viveu os anos 1970 – que define como anos de grandes progressos sociais – com muitas leis que garantiam os direitos aos mais fracos: o novo direito de família, a lei de divórcio, a lei de aborto, a nova lei de saúde mental (que fecha os manicômios). Criada em uma família de operários, soube o que significava avançar socialmente. Em 1982, filiou-se no Partido Comunista e, em 2007, participou da fundação do Partido Democrático. “Para as mulheres, a constituição do PDI foi um grande avanço, pois pela primeira vez foram fixadas regras claras, dentro do estatuto, que facilitam a participação das mulheres, com a cota”, disse.
A entrevista é de Sonia Santoro, publicada por Página/12, 19-07-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Uma cota de 30%?
Mais, de 40%. Com a cota entrei no organismo dirigente do partido e, em 2012, fui candidata às prévias para ser parlamentar e, em seguida, fui eleita em 2013. Para mim foi uma grande honra.
Que prioridade o governo oferece à agenda de gênero?
A primeira. Fizemos um plano nacional contra a violência de gênero. Fizemos um acordo com todas as províncias italianas no plano. O plano é baseado na Convenção de Istambul, o principal instrumento legislativo, porque é vinculante para os países que o adotam, contra a violência de gênero. Um dos primeiros atos do Parlamento foi ratificar a Convenção de Istambul.
Que obstáculos existem para se avançar na erradicação da violência na sociedade e nas instituições?
É uma sociedade patriarcal, com muitas contradições. Porque, por um lado, temos leis de divórcio, legalização do aborto e, por outro lado, somente em 1981 se aboliu o crime de honra, que justificava que os homens matassem, em caso de adultério, sua mulher. A nossa sociedade é patriarcal, com estereótipos masculinos e femininos muito fortes. Temos um estereótipo de homem autoritário, de um homem que tem que se fazer ver como forte, uma figura que impõe.
Quantos feminicídios existem?
Não há um dado único. Há vários organismos que reúnem esta informação. Uma das principais ações do plano é conseguir uma base de dados única, do Ministério de Igualdade de Oportunidades, para ver a dimensão exata do fenômeno do feminicídio. Isto é importante porque o feminicídio não é um homicídio de uma mulher. Não é simplesmente o homicídio de uma mulher. É o ato extremo de posse sobre as mulheres. A ideia subliminar é possui-la para sempre. Por isso, a centralização e a análise da informação sobre os feminicídios irá permitir intervir para avaliar o que se pode modificar. O plano traz três ações principais: de prevenção, de proteção, de punição. A respeito da punição, na Itália há uma lei que introduz o agravante por feminicídio. E a prevenção está na lógica de contrastar os estereótipos, partindo, sobretudo, da educação na escola. Sobre este tema, está sendo aprovada uma lei de reforma da educação, onde se introduz uma passagem que eu fiz, especialmente onde se introduz na escola, em todos os níveis, a educação para a igualdade de gênero.
Não havia nada? Não havia educação sexual?
Não. Introduzem-se cursos para pais, docentes e alunos.
E houve resistências? Com quais argumentos?
Uyyy (risadas). Com o argumento de que a igualdade substancial fragiliza a estrutura tradicional da família, pois é dado à mulher outro papel.
Nestes dias, houve mobilizações contra o projeto de lei de matrimônio igualitário.
Sim, mas a respeito deste tema existe um compromisso muito forte do presidente do Conselho.
Há votos para aprovar a lei?
Eu acredito que em setembro teremos a lei de união civil. É um passo muito forte para a sociedade italiana. Trabalhamos em dois caminhos paralelos neste tema. Um é por meio das normas. Como esta lei de união civil. Porém, também é importante trabalhar em medidas que tem a ver com o cultural, medidas antidiscriminatórias. A homofobia e a transfobia são discriminações muito introjetadas. Há uma resistência cultural, ideológica. Então, é preciso fazer um trabalho de reconhecimento, nestes casos, muito forte. Parecido ao das mulheres.
Na Argentina, estamos ao contrário. Avançou-se muito em relação às leis do coletivo LGBT, mas não se pode avançar no aborto legal. Como conseguiram essa lei e como a sustentaram?
Houve um referendo. Sobre estes temas, a sociedade italiana está mais avançada que a política.
A Itália é um país muito católico, a Argentina também. E se diz que enquanto o Papa for argentino, jamais teremos o aborto legal, daí a pergunta: como conseguiram?
Tivemos este resultado graças à esquerda italiana. A grande capacidade de mediação e diálogo com a sociedade. Este é um ponto principal. Agora, por que a lei? Porque responde plenamente à Constituição italiana. A Constituição italiana é o resultado das duas culturas muito fortes na Itália que são os católicos liberais e os social-democratas. A grande capacidade de dialética política na Itália, após a Segunda Guerra Mundial, permitiu constituir uma Constituição fantástica, que foi um instrumento muito importante para as sucessivas normas e conquistas sociais. Além disso, com a lei de aborto o número de abortos diminuiu. Porque há todo um trabalho de prevenção. Há consultórios familiares que se ocupam da saúde das mulheres. Esta lei permitiu que as mulheres fizessem também uma escolha consciente de abortar ou não, por isso é um grande instrumento de prevenção, porque conscientiza. Não se chega ao aborto alegremente, mas, ao contrário, há todo um trabalho de prevenção e sensibilização que faz com que diminua fortemente o aborto. E há outro instrumento que acompanha o aborto, que é a possibilidade de parir no anonimato, é função da política pública oferecer às cidadãs a possibilidade de escolher.
Em relação aos imigrantes, quais são os problemas mais graves que enfrentam?
O fenômeno mudou muito ao longo do tempo. Há dois tipos de imigração. A econômica: a família imigra para Itália por motivos econômicos e fica na Itália. Antes imigravam apenas os homens, agora toda a família. São do norte da África, Leste Europeu e Paquistão, Índia. Sobretudo, para o trabalho na pecuária e agricultura. Em nosso programa, a integração das crianças na escola está avançada e o outro pilar é a educação cívica para as mulheres, porque as mulheres são o elemento mais vulnerável do processo de imigração. Elas vivem um duplo trauma migratório, pois tem uma cultura de origem muito rígida, mais machista, ao passo que a cultura de acolhida é mais aberta. Então, há uma contradição e o trauma migratório é maior, principalmente porque não trabalham e são relegadas a um contexto privado. Esse é um grande problema. Principalmente as mulheres de origem indiana e paquistanesa vivem em condição de segregação cultural.
O outro fenômeno migratório é o de emergência, no qual a pessoa que emigra não fica na Itália, segue para outro lado. E depois há o fenômeno do tráfico, que para nós, sobretudo, vem do leste da Europa e norte da África, Nigéria, que está ligado, sobretudo, com a prostituição.
Nestes casos, que políticas possuem?
A Itália é abolicionista. A prostituição não é um crime, sim, a exploração sexual. Hoje, o tráfico para prostituição é dirigido pelo crime organizado estrangeiro, principalmente da Nigéria e Romênia. Há um programa nacional contra o tráfico de seres humanos e para a reinserção. Agora, estamos com o primeiro plano nacional contra o tráfico de seres humanos, com uma rede de ONGs e com os sindicatos. A exploração do trabalho é uma das principais causas do tráfico.
Como é o vínculo com o papa Francisco?
Para mim, é um aliado. Eu não sou crente, sou agnóstica. Ele abre um cenário novo. Todos nos ocupamos, discorremos sobre a pobreza, mas quando Francisco – porque Francisco faz política –, falando de pobreza, fala de ecologia integral, abre uma janela política. Por isso, é um aliado, porque nos faz avançar. Abre um cenário diferente, que supera o que temos. Disse que a propriedade privada está certa, mas que deve haver um limite, que é o limite dos demais, das maiorias. Que não podemos estar a serviço da propriedade privada. Isso abre uma lógica de cooperação total.
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“A nossa sociedade é patriarcal, com estereótipos muito fortes”, afirma deputada italiana - Instituto Humanitas Unisinos - IHU