Por: Jonas | 20 Abril 2015
Entre os dias 3 e 5 de junho do corrente ano, acontecerá, em Buenos Aires, a Conferência Internacional “Dívida, bens comuns e dominação. Resistências e alternativas para o bem viver”. A conferência é convocada porque o problema do endividamento público, a dependência e a dominação imperialista, especialmente considerando que o sistema da dívida está associado ao sistema produtivo e de desenvolvimento, são eixos comuns do empobrecimento, desigualdade e o saque em toda a América Latina e o Caribe, assim como em outras regiões.
“Estamos convencidos do custo social, ecológico e democrático de pagar sistematicamente uma dívida que é ilegítima, ilegal, odiosa e impagável, razão pela qual insistimos na necessidade de reforçar as resistências e a construção de alternativas para recuperar soberania e exercer nosso direito à autodeterminação em defesa de nossas vidas e bens comuns. As políticas de ajuste e liberalização continuam sendo a resposta do sistema financeiro mundial, liderado pelas instituições de sempre como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e o GAFI, impulsionador das leis antiterroristas. Nesse marco, a resistência dos povos ganha vital importância e tem levado a experiências como a do Equador e Islândia, como processos diferentes das agressivas consequências do endividamento sobre países como Argentina, Brasil, Grécia e Espanha, entre os mais citados. Por isso, 15 anos após a histórica sentença Olmos-Ballesteros, em que a justiça argentina comprovou mais de 477 irregularidades e fraudes nas origens da dívida que ainda continuamos pagando, precisamos debater a esse respeito e reforçar nossa capacidade de mobilização e ação conjunta, tanto no país como na região e no mundo inteiro. É nesse sentido que convocamos, em Buenos Aires, uma Conferência Internacional que ocorrerá entre os dias 3 e 5 de junto de 2015”, manifestam-se os organizadores da conferência.
A respeito deste assunto, entrevistamos Julio Gambina (economista político), um dos organizadores do evento.
A entrevista é de Mario Hernandez, publicada por Rebelión, 16-04-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Você poderia ampliar a informação e se há alguma novidade em relação aos que seriam os convocados?
A ideia surgiu no ano passado, quando Eric Toussaint, um economista belga que fundou e empregou em todo o mundo uma rede de organizações que se chama Comitê pela Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM), visitou a Argentina. É uma rede mundial e aqui há uma delegação assumida pela ATACC. Entre ambos, vem sendo pensado, há muito tempo, como temas principais para debater a financeirização da economia, o peso dos bancos transnacionais e, sobretudo, o tema do endividamento externo público, que funciona como um câncer para toda a sociedade.
Quando Eric Toussaint esteve aqui, começou-se a discutir o tema dos fundos abutres, a sentença do juiz Griesa, e a partir dele formamos na Argentina uma Assembleia pela suspensão dos pagamentos da dívida e uma auditoria integral com participação popular. Convidamos Eric Toussaint e fizemos uma audiência pública no Parlamento Nacional. Foi muito exitosa, muito nutrida, participaram organizações populares muito diversas, entre outros participaram Adolfo Pérez Esquivel, Pablo Micheli, o deputado que favoreceu o debate, Víctor De Gennaro, Pitrola do PO, Claudio Lozano, Christian Castillo do PTS, Pino Solanas, Alcira Argumedo, um leque de personalidades da cultura e do movimento popular e a CTA que foi a grande impulsionadora da assembleia.
Esta se reúne frequentemente, desde meados do ano passado, todas as semanas na CTA e como parte dessa audiência pública, em uma conversa que tivemos na CTA com Eric Toussaint, surgiu a ideia de convocar na Argentina, durante o primeiro semestre de 2015, uma conferência internacional, já que o tema da dívida está de novo em pauta, não apenas pela Argentina, mas também pela situação da Grécia e Espanha.
Primeiro, lançamos uma convocação para abril, porque durante este mês se completam 15 anos da morte de Alejandro Olmos, em homenagem a este companheiro que teve a coragem de denunciar a dívida da ditadura militar que gerou uma sentença da Justiça no ano 2000, depois de sua morte, com 477 fraudes demonstradas. Há demandas para pessoas com nome e sobrenome, menciona-se Cavallo e Machinea entre os mais conhecidos, assim como funcionários militares da época da ditadura. Há também coisas interessantes que ocorrem no mundo: constituiu-se uma auditoria da dívida na Grécia, no Parlamento, presidida por Eric Toussaint. Então, pareceu importante prorrogar a convocação (da conferência). Por outro lado, existem outras pressões na Argentina, as PASO (Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias), no dia 26, em Buenos Aires, razão pela qual decidimos continuar construindo esta conferência, passando-a para junho.
Em relação aos que virão, a ideia é que venha a rede completa do CADTM da América Latina para realizar um Congresso pela anulação da dívida do Terceiro Mundo, o que inclui companheiros do Haiti, com a ideia de divulgar o que acontece lá, assim como também colombianos, uruguaios, paraguaios, brasileiros, mexicanos, etc. Além da rede do CADTM, irá desembarcar uma rede sindical que é o Encontro Sindical de Nossa América, coordenado por Juan Castillo, um dos dirigentes portuários do PIT-CNT do Uruguai, primeiro vice-presidente da Frente Ampla e que atualmente cumpre funções no Ministério do Trabalho do Uruguai. Também participará a Central de Trabalhadores de Cuba, desejamos que haja companheiros de lá, vão se aproximar companheiros do Brasil, do Encontro Sindical de Nossa América, assim como da Venezuela e Nicarágua. Esperamos uma presença importante dessa rede. Da SEPLA, que é a Sociedade de Economia Política e Pensamento Crítico da América Latina, presidida por Marcelo Carcanholo, que estará nos acompanhando. Até o ano passado, era presidida por um uruguaio que também irá nos acompanhar e que acaba de publicar um artigo que causou rebuliço em todo o mundo, denunciando que o Uruguai, secretamente, incorporou-se ao TISA, que é algo parecido com a ALCA dos serviços públicos. Os parlamentares da situação não estavam a par disto e o presidente Tabaré Vázquez acaba de confirmar que não sabia, sendo assim, temas como os Tratados de Livre Comércio (TLC) serão centrais na Conferência, porque tratar da dívida é o mesmo que tratar dos acordos bilaterais e os de livre-comércio.
Aqueles que participarão são de redes continentais e globais, mas também estamos procurando fazer com que haja participação de algumas redes vinculadas aos movimentos religiosos, os laços estão estendidos para que não falte ninguém daqueles que constituem este movimento popular de luta mundial contra o câncer do endividamento. Dizemos assim porque atinge letalmente nossos povos. Podemos observar a briga desigual atual, onde os chamados fundos abutres contam com uma sentença firme da justiça estadunidense, que decretou o desacato da Argentina e que, portanto, estão transitando prazos legais da justiça estadunidense e pressões políticas de todo tipo. Não se deve surpreender, assim como agridem e condenam a Venezuela, também podem assumir uma postura agressiva contra a Argentina.
No mesmo período que faremos a Conferência internacional em junho, para este mesmo mês está previsto, na Bolívia, uma convocação dos bancos centrais da região, porque as Nações Unidas planejaram que se constitua uma comissão que discuta os temas sobre o que fazer com as dívidas soberanas. Essa comissão é presidida pela Bolívia, por isso é que irá convocar esta conferência de autoridades econômicas. Nossa ideia é que na Argentina se constitua um espaço de debate mundial, que não é uma tarefa apenas da CTA, nem do Fórum da Dívida Externa. Necessitamos que se incorpore gente que ainda não entrou, porque como há eleições, muitos temem que isto seja utilizado eleitoralmente, mas asseguro que não é assim. Esta é uma batalha de todo o povo argentino, latino-americano e mundial, e podemos gerar uma grande iniciativa popular que se junte com outras. Pensamos que o governo grego, que está pagando rigorosamente o FMI e o Parlamento grego, convocará esta Comissão da dívida, e é provável que também, simultaneamente, em junho, realizarão um debate internacional nesse país.
Dessa maneira, temos um debate oficial, dado na Bolívia, para impactar nas Nações Unidas em setembro, no Parlamento grego uma conferência internacional para debater uma investigação da dívida que afetará os interesses do FMI, do Banco Central Europeu e dos principais bancos que aumentaram a dívida pública grega e nós, na Argentina, tentando fazer, com toda a humildade e muito esforço, em nível mais amplo e generoso, uma conferência, sem posições de antemão, para discutir todas as particularidades da dívida ilegítima, ilegal, que significa grandes compromissos regulares para pagar. A própria presidente falou de 110 bilhões de dólares da dívida pública pagos nos últimos anos. Pode-se imaginar tudo o que seria possível ter feito na Argentina utilizando esse dinheiro em necessidades sociais.
A paralisação de 31M também foi um êxito, para a qual os trabalhadores contaram com meios para se mobilizar
A convocação é muito interessante, pois, como você destacou, é um tema que vai além da CTA. De alguma maneira, no ano passado, já ocorreu desta maneira, quando no Parlamento Nacional participaram pessoas da FIT e também Pino Solanas e Alcira Argumedo. Um espectro já amplo que esperamos que se repita em junho próximo. Justamente, estávamos em comunicação com Olmedo Beluche, parte da organização da Cúpula dos Povos no Panamá e ele manifestava sua surpresa pela convocação de 1.600 inscritos internacionais. Evidentemente, há uma inquietação muito grande, oxalá que possamos repetir uma convocação desse nível, de 3 a 5 de junho, na cidade de Buenos Aires, nesta conferência internacional “Dívida, bens comuns e dominação. Resistências e alternativas para o bem viver”.
Julio, a respeito da paralisação do último dia 31 de março, gostaria que você comentasse sua impressão.
A primeira impressão é que quando se convoca um evento nacional, há um grande desafio que é o de verificar a reação dos trabalhadores, independente de quem convoca a paralisação e de quais sejam as reivindicações. Depois, há muitas argumentações críticas sobre a paralisação, como a clássica: “a gente não foi trabalhar porque não havia coletivos”. Isto pode ser real no conurbado de Buenos Aires, na capital, mas isso não ocorre no interior profundo da Argentina. O caso concreto, para que fique claro, é Villa Constituición, em ACINDAR, da UOM situacionista. Caló precisou deixar em liberdade de ação os trabalhadores porque se pronunciaram majoritariamente em favor da paralisação. É preciso observar as grandes fábricas do interior, em que os trabalhadores vão caminhando, de bicicleta, moto ou de carro porque possuem salários suficientes para se mobilizar dessa maneira. A paralisação também foi um êxito nestes espaços.
E não são oligarcas por isso, vale esclarecer.
O que me motiva a debater sobre a paralisação é que a primeira coisa que expressa é o descontentamento que existe entre grande parte dos trabalhadores na Argentina com a situação econômica, pelas reivindicações que se luta, seja pelo salário, aposentadoria, terminar com a impunidade empresarial que há, sendo que 1 em cada 3 trabalhadores estão em situação irregular. Há muitas razões econômicas para lutar, não é apenas pelo Imposto de Renda como foi dito.
Na realidade, o conglomerado da associação de transporte planejou, em fins de 2014, a data do dia 31 de março para parar, como anúncio para chamar a uma negociação. Porém, é um governo que não negocia, que não dialoga. Acredito que existia nos dirigentes de transporte uma capacidade de negociação, o tema foi esquentando e depois se somaram muitos temas para convocar a medida de força.
A CTA tornou público um rol de motivações para convocar a paralisação geral, no qual o tema do Imposto de Renda foi um entre muitos outros, um salário mínimo de $ 12.000, que é o nível da cesta necessária para os dias atuais, não a mentira do INDEC, o tema dos 82% móvel dos aposentados com uma renda de aposentadoria mínima de acordo com o salário mínimo, que a CTA está reivindicando, o tema da regularização dos trabalhadores para que tenham acesso à seguridade social. Também reivindicações políticas, como a revogação da Lei antiterrorista, a constituição da Comissão investigadora independente pelo atentado da AMIA. Portanto, o principal dado é este: o conjunto de reivindicações políticas e democráticas, a partir do qual se convocou, e o nível de concentração de participantes que a paralisação teve são uma demonstração de descontentamento e cansaço de boa parte da população na Argentina, e rompe o discurso que qualifica como oligarca um trabalhador que ganhe 15, 18 ou 22.000 pesos.
O exemplo que costumamos dar é que um investidor que tenha $ 1.000.000 no banco está isento de pagar pelos rendimentos, não é o caso do trabalhador que pode estar ganhando $ 18.000 mensais, isto mostra a desigualdade. Esta paralisação permitiu este debate, independente das identidades políticas dos que não estão de acordo e acreditam que é uma paralisação que vai contra o governo. Apesar do fato de que há dirigentes sindicais inapresentáveis, que convocaram a paralisação, o que se planejou foi uma paralisação pelas reivindicações dos trabalhadores e este é um debate necessário.
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Movimento popular de luta mundial contra o câncer do endividamento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU