10 Agosto 2015
A cerca de 20 anos atrás o pároco de Marie Collins, em Dublin, advertiu a congregação durante a missa que não se poderia acreditar em sua história de abuso sexual. Hoje, ela assessora o Papa Francisco na tutela das crianças e é faz parte da única comissão vaticana com acesso direto ao pontífice.
A reportagem é de Patsy McGarrySat, publicada pelo The Irish Times, 08-08-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Esta sobrevivente de abuso de Dublin recebeu o convite para participar da Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores no ano passado. Collins acredita que esta ideia surgiu a partir de um simpósio em 2012, ocorrido no Vaticano, em que participou e no qual se tratou da proteção das crianças na Igreja.
Marie Collins aceitou o convite, ainda que com cautela. “Já estive na presença de membros da Igreja que mentiam na minha frente e que se sentiam no direito de se desviar dos fatos e serem econômicos para com a verdade”.
Mesmo assim, ela achou que deveria fazer parte da Comissão. “Eu já me desapontei tantas vezes, e isso acontece também com muitas outras vítimas. Tivemos tantas falsas promessas que, se essa Comissão não conseguir algum resultado, para nós isso será tão... Eu acho que esta é a última chance de a Igreja agir de forma certeira aqui”.
Nem tudo tem sido vento em popa. Alguns no Vaticano “acham um pouco difícil trabalhar com os leigos, com as mulheres em particular. Não há nenhum obstáculo declarado ou qualquer coisa nesse sentido. É apenas o meu sentimento pessoal, a minha própria falta de confiança, é a minha própria falta de confiança decorrente da minha história”.
Marie Collins, porém, está ciente da singularidade desta Pontifícia Comissão. “Se voltarmos a 10 anos atrás, quem acreditaria que o Vaticano iria convidar tantos leigos, mulheres e vítimas de abusos na Igreja para assessorá-lo diretamente?”, diz ela.
“Um enorme passo”
“O fato de que estamos aí é um enorme passo no sentido de aceitarmos que esta problemática tem de ser abordada”.
Na Comissão, Collins acredita que “em algumas áreas bons progressos vêm sendo alcançados; em outras, estamos indo um pouco devagar. A minha expectativa é a de que o trabalho seja feito de forma mais rápida”.
Os seus colegas de Comissão são “realmente bons e têm as intenções certas”. Ela não acha que o ritmo lento é um “impedimento intencional”. No Vaticano, “as coisas são feitas de uma maneira muito diferente daquela do mundo secular. A situação é essa já faz tanto tempo que eles não a percebem como tal. Eu acho isso frustrante”.
Quando concordou em se juntar à Comissão, “a minha prioridade sempre foi a responsabilização – se não haver responsabilização alguma, tudo o que fazemos será uma perda de tempo”.
É por isso que o anúncio, no início deste ano, de criação de um novo tribunal para a responsabilização dos bispos, com poder de removê-los, foi “muito importante”.
A Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores tem 17 membros, incluindo o seu secretário o Monsenhor Bob Oliver, com um departamento pessoal e escritórios próprios no Vaticano. Existe um equilíbrio entre participantes homens e mulheres, leigos e clérigos, com dois sobreviventes de abuso sexual, Marie Collins e Peter Saunders. O mandato é de três anos, indo até 2018. O grupo se reúne em duas sessões plenárias por ano, que em breve serão três.
Cura
A maior parte do trabalho é feita em pequenos grupos, o que achamos necessários devido à magnitude do problema. Para isso, utilizamos um site seguro de internet e fazemos conversas via Skype. Um membro da Comissão pode coordenar apenas um grupo de trabalho, mas pode atuar em até três deles. Os grupos podem convidar especialistas de fora.
Collins coordena o grupo de cura e é membro do grupo para as diretrizes de proteção aos menores e de a formação das lideranças eclesiais neste aspecto.
A Comissão aprovou um Dia de Oração pelos Sobreviventes de Abuso.
Collins disse que o trabalho do presidente da Pontifícia Comissão, o Cardeal Seán O’Malley, tem sido “muito bom. Ele tem um relacionamento muito bom com o Papa Francisco. O’Malley leva as nossas recomendações diretamente ao papa. Até agora, tudo que apresentamos o papa aceitou”.
“O meu medo é que, se houver alguma mudança, manteremos este mesmo ímpeto aí? Os papas têm prioridades diferentes”.
Collins também sabe que, em geral, os grupos de sobreviventes estão cautelosos com a Comissão. “Recebi um monte de críticas por ter concordado em fazer parte dela”.
Mas acha igualmente que “alguns grupos de sobreviventes estão começando, talvez, a ter um pouco de esperança”.
Recentemente o Pe. Tom Doyle, respeitado sacerdote americano que vem criticando a Igreja há décadas na questão da proteção das crianças em suas instituições, falou com os membros da Comissão. “Ele é visto como um crítico muito franco. Como uma das sobreviventes, tive inúmeras comunicações com as pessoas que diziam que, se a Comissão for realmente séria, ela teria de falar com o Pe. Tom Doyle”. Ele veio e fez-nos uma apresentação muito valiosa”.
Collins descobriu que estar na Comissão é algo “muito estressante: as viagens, o ter de ficar longe de casa. Ray [o marido] e eu nunca havíamos ficado tantas vezes longe um do outro”.
Ser uma sobrevivente na Comissão significa que “se está discutindo questões que podem trazer-se reações emocionais fortes, e isso é difícil às vezes”.
Ela também acha que “não haveria nenhum motivo para estar na Comissão se eu não pudesse falar com franqueza e dizer o que acredito ser o certo. Nem sempre isso é fácil”.
O “maior de todos os problemas é saber de outros sobreviventes, que entram em contato comigo, pois eu não posso fazer nada por eles. Emocionalmente, isso é muito, muito difícil”. Collins, no entanto, responde a cada uma destas vítimas.
“As pessoas criam expectativas que a gente não pode dar conta. Nós não temos poder”.
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Marie Collins: cautelosa porém feliz por estar ajudando o Vaticano a proteger os menores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU