Por: Jonas | 03 Julho 2015
A Grécia está presa em uma guerra de palavras que se inicia com a própria convocação do referendo. O texto é complexo, mas a pergunta é clara: sim ou não (Ne ou Oxi) ao programa de austeridade proposto pela troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e União Europeia) no dia 25 de junho. No entanto, dirigentes europeus, com o presidente da comissão Jean-Claude Juncker na liderança (memoravelmente batizado por Eduardo Febbro, nestas páginas, como “comandante supremo dos paraísos fiscais da Europa”), disseram que não se trata de um referendo sobre a austeridade, mas, sim, a respeito da pertença ou não ao euro.
A maioria dos meios de comunicação europeus espalhou esta interpretação de uma consulta pintada como um confronto entre um realismo responsável e um populismo incompetente. Com uma ou outra exceção, praticamente ninguém questionou as duvidosas credenciais de alguém como Juncker, que durante seus 15 anos como primeiro-ministro de Luxemburgo se encarregou de esvaziar o financiamento dos estados europeus com os benefícios que seu ducado-paraíso fiscal oferece à evasão de multinacionais e multimilionários.
A estratégia político-midiática é ganhar pela via do medo, do caos e do desconhecido, figuras que começam a ganhar forma com a restrição bancária instaurada nesta segunda-feira. No entanto, o destino da briga de braço vai além da Grécia. A reação intempestiva da euroburocracia política ao referendo deixa claro que derrotar o Syriza é também neutralizar outras alternativas ao austericídio da troika, como o Podemos na Espanha. Uma vitória da estratégia de Alexis Tsipras seria uma benção para a formação política de Pablo Iglesias, próxima das eleições gerais de novembro. O jornal Página/12 conversou com o intelectual grego Costas Douzinas, especialista em direito e diretor do Birkbeck Institute for the Humanities, da Universidade de Londres.
A entrevista é de Marcelo Justo, publicada por Página/12, 02-07-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O que se conjectura para a votação da Grécia no referendo deste domingo? Sua aprovação do programa de resgate proposto pela troika ou sua pertença ao euro?
É uma mentira absoluta o que estão procurando disseminar políticos como Jean-Claude Juncker. O governo grego sempre esteve comprometido com o euro e a União Europeia. A única razão pela qual convocou o referendo foi para chegar a uma decisão democrática, uma vez que as vias de negociação foram esgotadas. O governo cedeu muito. Aceitou as exigências fiscais dos credores com propostas de aumentos de impostos e cortes de gastos de 7,9 bilhões de euros, mas buscou uma distribuição mais equitativa, na qual 70% deste montante viessem de impostos para as corporações e os ricos. Pela primeira vez, as propostas tiveram o consentimento inicial dos credores, que disseram que servia como base para um acordo. Entretanto, poucas horas mais tarde, rejeitaram a proposta e, quatro dias antes que terminasse o atual programa financeiro, aumentaram 11 bilhões de euros e exigiram que a maioria saísse dos setores mais pobres. Esta proposta foi apresentada como um ultimato, basicamente uma tentativa de golpe de estado financeiro. Toda a negociação foi assim, uma tentativa de mudança de governo usando bancos ao invés de tanques.
O que acontecerá se os gregos optarem pelo “não”?
O governo grego, com o respaldo democrático das urnas, voltará à mesa de negociação para chegar a um novo acordo que seja economicamente viável e socialmente justo.
No entanto, a mensagem europeia é que um “não” significaria uma saída do euro.
Outra mentira. Todos sabem perfeitamente bem que não há nenhum mecanismo legal para expulsar um membro da Zona do Euro. O que estão fazendo é pressionar o governo e o eleitorado gregos para desvirtuar os princípios básicos da democracia. É uma política neocolonial, algo que imagino não surpreender muito os leitores da Argentina.
Porém, nos meios de comunicação se fala não somente da expulsão da Grécia do euro, como também da União Europeia. Esta segunda possibilidade é legalmente possível?
Estranhamente sim. A União Europeia tem provisões para a saída de um membro, algo que de fato aconteceu, nos anos 1980, com a Groelândia. Mas, quando a Zona do Euro foi criada, não foi incluída nenhuma provisão a esse respeito.
Esta seria uma via então? Ou seja, expulsar a Grécia da União Europeia para tirá-la do euro.
Não é o que está em jogo. Nem as mais absurdas manifestações dos líderes europeus arquitetaram isto. É preciso recordar que a palavra Europa é uma palavra grega. Todos os princípios que formam a União Europeia estão fundados em princípios da tradição grega. Além disso, ainda que existam leis estritas a respeito da saída de um membro, a realidade é que o direito está condicionado pela política. De tal maneira que depende muito da vontade política e, como digo, ninguém está pensando nisto.
O que acontecerá se os gregos disserem “sim” à austeridade neste domingo?
O referendo é consultivo não obrigatório, ainda que o governo tenha dito que aceitará o veredicto do eleitorado. Uma opção é que o governo continue com as negociações, mas a partir de uma posição muita fragilizada. A alternativa é que renuncie. As declarações do primeiro-ministro parecem indicar que esta será a opção preferida. Isto implicará em novas eleições, pois este Parlamento não pode formar um novo governo, já que ao Syriza falta apenas um deputado para ter maioria própria. Nenhuma outra força política está em condições de formar um governo.
O que acontece neste caso? Porque há compromissos financeiros que vencem este mês e não haveria um governo para tomar decisões. O que acontece com a Grécia e, também, o que acontece com o euro?
A Europa falhou em seus princípios fundantes. Independente do que acontecer, acredito que está se delineando uma pergunta existencial básica à União Europeia e os líderes terão que lidar com esta pergunta. Há muitos líderes que dizem que querem cada vez mais integração, mas, ao mesmo tempo, estão minando-a. A realidade é que a única interpretação que podemos fazer da conduta da troika é política, ou seja, o medo do contágio. O objetivo é claro. Derrotar o governo caso não aceite as condições que lhe são apresentadas ou humilhá-lo de tal forma que seja inviável. Um êxito do Syriza e uma redução da dívida, que o próprio FMI declarou inviável, poderia gerar um efeito de contágio que já foi visto nas eleições locais na Espanha, no voto antiausteridade da Escócia e nos índices de aprovação de Sinn Fein, na Irlanda, que mostram um movimento contra este tipo de ajuste. O Syriza está liderando o ataque contra a premissa neoliberal de que “não há alternativa”. Até mesmo um êxito limitado seria um claro sinal de que a única luta que não se vence é aquela que não se inicia.
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Grécia. “A única luta que não se vence é aquela que não se inicia” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU