Por: Jonas | 01 Julho 2015
Um monte de gatos brigando adentro de um ‘corralito’, acusando-se ameaçadoramente, recorrendo a expressões pouco virtuosas ou a chantagens políticas dignas de bandoleiros, os dirigentes da União Europeia (UE) deram um espetáculo calamitoso quando precisaram enfrentar a pancada da crise grega. A famosa e enaltecida cultura do consenso ficou em mil pedaços. Até aqueles que não possuem a mínima legitimidade fizeram da Grécia um alvo de dardos envenenados. Esse foi o caso do atual presidente da Comissão Europeia, o ex-primeiro-ministro de Luxemburgo Jean-Claude Juncker, supremo comandante dos paraísos fiscais e artífice de uma das maiores montagens financeiras para esvaziar a plataforma fiscal de seus sócios europeus. Em uma coletiva de imprensa respaldada por um cenário patético, a imagem das bandeiras da UE e da Grécia, Juncker disse que, após todos os esforços que fez, sentia-se “traído”.
Juncker lamentou que “o alento de compromisso tenha sido quebrado de forma unilateral com a vontade grega de organizar um referendo”. Visivelmente, os dirigentes do bloco de países democráticos mais importante do planeta temem o exercício democrático. Como se houvesse um laço indestrutível entre o ajuste e o pertencimento à UE, o presidente da Comissão disse, inclusive, que “um Não no referendo, independente de qual for a pergunta, significaria que a Grécia diz não a Europa. Todos considerarão que isso significa que a Grécia quer se afastar do euro”. Sendo assim, os eleitores gregos já sabem: caso desejem fazer parte da UE e do euro, precisam dizer Sim a novos cortes, mais ajustes, mais fome e mais precariedade.
A reportagem é de Eduardo Febbro, publicada pelo jornal Página/12, 30-06-2015. A tradução é do Cepat.
O primeiro-ministro grego desfez, ontem à noite, esse abismo retórico cavado por seus sócios europeus. Alexis Tsipras disse: “Não acredito que queiram nos tirar da Zona do Euro, o custo da saída de um país seria enorme”. Nesta terça-feira, 30 de junho, o default está às portas da Grécia. Vence o prazo para que Atenas pague ao Fundo Monetário Internacional 1,6 bilhão de euros. O tema, urgente, desapareceu por um momento da agenda. Os atores políticos e institucionais não fizeram outra coisa a não ser trocar acusações e ameaçar os gregos sem que nada melhore a situação. Sobre o pagamento dessa dívida, Alexis Tsipras disse que será paga “caso consigamos um acordo viável, meu telefone está sempre ligado”. O ministro alemão das Finanças deixou a entender que a Grécia não efetuaria esse reembolso. Uma nuvem de incerteza. Talvez os europeus estejam apostando que, com a vitória do Sim, Tsipras renuncie e assim se livrem do que o Eurogrupo considera como uma anomalia: um rebelde que segue ao pé da letra suas promessas eleitorais e que desafia um clube de obedientes falsificadores das vontades populares. O chefe de governo, de qualquer modo, entreabriu a porta a uma renúncia: “Respeitaremos o resultado do referendo, independente de qual for, mas não o realizaremos, caso o Sim vença (...) não serei primeiro-ministro a vida toda, ocuparei este posto enquanto as pessoas queiram”. Do mesmo modo, deixou claro que acredita que o Não vencerá e que isso servirá “para reforçar a posição do governo grego nas negociações”.
Os eurodirigentes deixaram nas mãos de Juncker a tarefa de se apresentar como o escudeiro do grande rei, sem que, em suas respectivas posições, ninguém mudasse o conteúdo final da mensagem, muito bem ilustrada com as declarações do presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, que afirmou que caso o Não vença no referendo, “haverá inclusive menos espaço para as negociações”. Essa foi a “narrativa” elaborada pelos presidentes, chefes de governo ou ministros de Economia da Zona do Euro: assustar os gregos com uma exclusão. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, jogou todo o peso da crise ao governo grego.
Para Merkel, Tsipras possui a inteira responsabilidade de sair da crise e foi ele quem se fechou, em um caminho sem saída, após rejeitar a “generosa oferta” que as instituições europeias lhe fizeram. A responsabilidade alemã nesta situação é esmagadora e recai, sobretudo, no ministro da Economia, Wolfgang Schäuble. Como revela a imprensa europeia, foi ele quem, nas reuniões do Eurogrupo, impôs sua linha: “A credibilidade da Zona do Euro” é mais decisiva que “sua integridade”. Por conseguinte, gregos para fora, sobretudo Alexis Tsipras, um corpo muito estranho dentro desse grupo unido por uma bíblia financeira, mas sem nenhum projeto político comum. Mais moderado que Jean-Claude Juncker, o presidente François Hollande projetou seu país como um possível mediador, para qualquer momento: “A França – disse Hollande – está sempre disponível” para que “o diálogo possa recomeçar”.
No entanto, a oferta está presa a uma severa condição: “Tudo dependerá da resposta que os gregos deem ao referendo que lhes é proposto”. Concretamente, se os gregos dizem Não, será impossível voltar à mesa de negociações. Em outras palavras, com uma retórica embrulhada como um caramelo, Hollande disse o mesmo que seus sócios. O presidente francês argumenta que não se trata de saber se o Sim vencerá ao Não no referendo, ou vice-versa, mas, sim, saber se “os gregos querem permanecer na Zona do Euro” ou se “correm o risco de sair”. Assim como os demais chefes de Estado ou de governo da UE, o presidente francês jogou a culpa sobre os ombros de Tsipras. A lógica de Hollande é a seguinte: a convocação para um referendo é “uma escolha soberana”, mas ao optar por organizá-lo o governo grego decidiu “interromper as negociações em curso”.
Não é possível ficar mais claro: o sistema financeiro vota pelo Sim e os gregos devem fazer o mesmo, caso não queiram perder seu lugar no seio da UE. Não existe nenhuma possibilidade: o europaraíso ou o inferno da exclusão. Sim à negociação, mas só nos termos que a UE aceita. A democracia acaba quando as bolsas tremem. As da Europa conheceram um dia de queda: Madri, Paris, Londres, Frankfurt e Milão fecharam com perdas que oscilam entre 3 e 5%.
Em posição contrária à narrativa do euro, o chefe de governo grego, partidário do “Não”, disse que a negativa traria mais força ao país: “Quanto maior for a participação e a opção pelo Não, mais forte será nossa posição na negociação”. O objetivo de Tsipras e do Syriza é totalmente oposto ao da Europa financeira: para o conjunto do eurogrupo (países da zona do euro) o “Não” no referendo é o fim a qualquer possibilidade de negociação. Para Tsipras, é totalmente o contrário. “Tenho a sensação – disse – de que a linha das instituições é assustar, não querem o Não no referendo. E nossa linha é que a votação significa a continuidade na negociação com mais força, sem sobrecarregar os mais pobres”. Tsipras respondeu seus amigos ameaçadores com um gesto muito oportuno: à noite, concedeu uma entrevista na televisão pública ERT.
Todo um símbolo. A ERT havia sido fechada, há dois anos, em virtude de um plano de contenção de gastos adotado pelo governo neoconservador do primeiro-ministro Antónis Samarás. O Executivo voltou a abrir o canal, há algumas semanas, e a resposta do dirigente grego saiu dessas antenas. O responsável pelo Executivo também explicou os detalhes do fracasso. Segundo explicou, “as instituições (FMI, Banco Central Europeu, Comissão Europeia) apresentaram ao Governo uma proposta do tipo tudo ou nada, e um prazo de 48 horas para aceitá-la. Este ultimato não coincide com os valores da UE”. Não se pode negar a este representante de uma nova corrente política uma capacidade de resposta fulminante. O primeiro-ministro alegou que “as dificuldades não são uma decisão nossa, ao contrário, ocorrem porque alguns querem impedir que um povo decida”.
As poucas palavras reconfortantes que o povo grego recebeu vieram dos Estados Unidos. Dois prêmios Nobel de Economia, um em uma entrevista publicada pela Time e o outro em sua crônica no jornal The New York Times, respectivamente Joseph Stiglitz e Paul Krugman, qualificaram os europeus de “irresponsáveis”. Stiglitz considera que os credores da Grécia possuem “uma responsabilidade criminosa no caos atual”, enquanto Krugman aconselha que os gregos votem Não no referendo do próximo domingo. Paul Krugman escreve: “A troika está exigindo que o regime político dos últimos cinco anos continue indefinidamente. Onde está a esperança? As implicações políticas de um voto positivo seriam muito inquietantes”. A síntese desta peleja que agora afeta um dos pulmões do sistema mundial é de um irrevogável cinismo.
De passagem por Paris, o ex-embaixador argentino na França, Archibaldo Lanús, fez a seguinte afirmação: “Quando um país não pode pagar, chamam isso de default. Em seguida, obriga-se a esse mesmo país realizar uma política de ajustes. Quando um banco quebra, chamam isso de crise sistêmica. Em seguida, para esse mesmo banco emprestam centenas de milhões de euros que são pagos pelos contribuintes”.
Não há lógica, piedade humana ou responsabilidade coletiva que rompa a coalizão financeira alinhada com o ajuste e contra o voto popular. Suas prerrogativas bancárias não suportam que o berço da democracia as coloque em causa. Democracia liberal ou nada. A ideia de “compatriotas europeus” da Grécia não existe. Um punhado de democracias ocidentais prefere ver do lado de fora um dos seus, do que dar desgosto ao FMI e aos bancos.
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“Não acredito que queiram nos tirar do euro”, diz Tsipras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU